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3 A EUGENIA E O ABORTO DO FETO ANENCÉFALO

3.3 O aborto eugênico

Também conhecido como aborto seletivo, terapêutico ou preventivo, o aborto eugênico é uma técnica de eliminação de fetos portadores de anomalias. Estas anomalias fetais, também denominadas defeitos congênitos, representam estados patológicos que se manifestam antes do nascimento da criança, geralmente surgindo no período embrionário. Podem ter causa tanto genética como decorrer de agressões por elementos físicos, químicos, biológicos, e até mesmo ambientais.

No passado, o aborto eugênico era realizado sem embasamento científico, como quando a gestante ou seu companheiro eram portadores de alguma deficiência. Hoje, é uma prática que vem sendo muito discutida no mundo jurídico como fruto do avanço tecnológico dos métodos de diagnóstico pré-natal.

Com o desenvolvimento destes novos métodos de diagnóstico, é possível constatar com antecedência a presença de uma anomalia fetal para a qual ainda não existe cura e que, por conseguinte, impossibilitará a sobrevida do feto. Diante dessa realidade, é crescente o número de demandas judiciais pela interrupção da gravidez.

No Direito Penal, a figura do aborto eugênico surgiu em 1916, no projeto do Código Penal Suíço, no qual foi proposta e desprezada na redação final. Em 1937 foi a vez da Dinamarca, que promulgou uma lei que permitia a interrupção da gravidez nos casos em que a criança pudesse apresentar deficiências físicas, mentais ou epilepsia.

Na década de 60, milhares de mulheres européias e norte-americanas consumiram durante a gravidez uma droga antivômito chamada talidomida. Este medicamento provocou o aparecimento de crianças com graves deformações congênitas. Este fato fortaleceu os grupos que lutavam pela legalização do aborto eugênico em razão de anomalia fetal.

No campo jurídico, as opiniões se dividem. No Brasil, há quem defenda a criação de uma norma permissiva no Código Penal, ao lado do aborto sentimental e do aborto terapêutico. Essa corrente entende que não há vida a proteger, pois o feto vai morrer logo após o parto, e a saúde psíquica da gestante deve ser preservada, havendo no caso uma inexigibilidade de conduta diversa.

A segunda corrente entende que há sim vida a ser protegida, pois o feto não está morto, devendo ser preservado o seu direito à vida e à dignidade. Ressaltam também que não há previsão legal autorizando a prática do aborto eugênico.

A provocação de abortamento em casos de fetos com defeitos congênitos, da mesma forma que a eliminação de enfermos e anciãos, são práticas eugênicas negativas que violam os direitos da personalidade naquele aspecto que lhe é mais representativo: o direito à vida.

3.3.1 O aborto eugênico no nosso ordenamento jurídico

Conforme já comentado anteriormente, o nosso Código Penal só contempla, e ainda de forma flagrantemente inconstitucional, duas hipóteses de exclusão de ilicitude do aborto: o terapêutico e o sentimental, não prevendo, portanto, os casos de anomalia fetal.

Apesar de não haver previsão legal, desde 1989 vêm sendo proferidas decisões judiciais autorizando a interrupção da gravidez em casos de gravíssima anomalia fetal, desde que esta anomalia torne o nascituro incompatível com a vida extra-uterina.

No Brasil, as patologias que têm suscitado este tipo de pedido (conforme pesquisa realizada em 1999 no universo de 263 casos) são: anomalias no sistema urinário, anomalias cardíacas congênitas, anomalias cromossômicas, anomalias ósseas, asplenia, bridas amnióticas, erros de fechamento do tubo neural, englobando a anencefalia, gemelaridade imperfeita, hidropisia fetal, más-formações congênitas múltiplas e síndrome da rubéola congênita (FRIGÉRIO, abril de 2001. Disponível em < http://www.jep.org.br/downloads/ JEP/Atrigos//aspectosbioeticojuridicoabortamentoseletivo...htm >. Acesso em 07/11/2007).

Doutrinariamente, já há muito se discute a pertinência destas indicações eugênicas como causas permissivas de aborto. No passado já se propôs a interrupção da gravidez de pessoas tuberculosas, sifilíticas, alcoólatras, leprosas e epilépticas, entre outras patologias que atualmente são tratadas e até mesmo evitadas.

Quando da elaboração do Código Penal vigente, Nelson Hungria (apud Teodoro, pág. 197) firmou posição contrária à previsão do aborto eugênico como causa excludente de ilicitude do art. 128. De acordo com o jurista:

Andou acertadamente o nosso legislador em repelir a legitimidade do aborto eugenésico, que não passa de uma das muitas trouvailles dessa pretensiosa charlatanice que dá pelo nome de eugenia. Consiste em um amontoado de hipóteses e conjecturas, sem nenhuma base científica. Nenhuma prova irrefutável pode ela oferecer no sentido da previsão de que um feto será, fatalmente, um produto degenerado.

Maria Helena Diniz, defensora incondicional do direito à vida, denomina o aborto seletivo de eutanásia pré-natal. Na sua opinião esta prática não se justifica porque, se ninguém tem direito de controle sobre sua própria vida, muito menos poderia tê-lo em relação à vida alheia. De acordo com a doutrinadora, os pais solicitam a autorização para o aborto não pelo fato de o filho ter um problema irreversível, mas para se verem livres de uma criança com malformação, para não enfrentarem problemas. Na sua opinião, o aborto seletivo, mesmo no caso de anencefalia, não se justifica. Se a criança não terá condições de sobreviver após o nascimento, se a morte é certa, para que antecipá-la de uma forma tão

violenta? È preferível deixar a natureza agir, uma vez que esta é “sábia e se encarregará de seu destino se não tiver condições de vida autônoma extra-uterina” (DINIZ,2002, pág. 54).

3.3.2 A anencefalia

A literatura médica define a anencefalia, que literalmente seria a ausência de encéfalo, como uma malformação congênita caracterizada pela ausência total ou parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária, entre os dias 23 e 28 da gestação (NOGUEIRA, disponível em < http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos /Anencefalia.htm >, acesso em 01/11/2007).

O encéfalo é composto pelas seguintes estruturas: o cérebro, o cerebelo e o tronco celular, que por sua vez é composto pelos pedúnculos cerebrais, pela protuberância anular e pelo bulbo raquidiano.

A anencefalia comporta diversos graus, a depender de quais estruturas estão ausentes. Os bebês anencéfalos, embora não tenham cérebro, ou pelo menos parte dele, normalmente têm o tronco cerebral funcionando. Uma das estruturas do tronco cerebral, o bulbo raquidiano, controla importantes funções do nosso organismo, entre elas a respiração, o ritmo dos batimentos cardíacos e certos atos reflexos (como a deglutição, o vômito, a tosse e o piscar dos olhos). (CRUZ, 16 de dezembro de 2005, disponível em

http://www.providaanapolis.org.br/quemeoan.htm, acesso em 11/11/2007).

A anencefalia, portanto, admite diversos graus de complexidade. Pode ser gravíssima, e nesse caso a gravidez normalmente nem chega a termo, mas por outro lado pode ser leve, circunstância em que a criança chega a estabelecer relação com o ambiente, ainda que de forma reflexa, mas o prognóstico é sempre a morte.

Essa anomalia é mais comumente encontrada nos fetos do sexo feminino. A incidência da anencefalia é de um caso a cada mil e seiscentos nascidos vivos e seu risco de incidência é aumentado 5% a cada gravidez subseqüente.

O feto portador de anencefalia, ao nascer, já que não há atividade cerebral, encontra-se em estado vegetativo. Sua respiração e seus batimentos cardíacos estão associados ao tronco e, por conseqüência, não tem qualquer possibilidade de desenvolvimento dos sentidos. A morte do anencéfalo deriva da necessidade da interdependência do cérebro com o tronco.

O fator mais importante na etiologia desta malformação, ocorrendo em 60% dos casos, relaciona-se a uma dieta materna pobre em ácido fólico durante o mês antecedente e posterior à concepção. Outros fatores que podem ser apontados como possíveis causas desta enfermidade são: mães diabéticas, mães muito jovens ou com idade já considerada muito avançada para a gravidez, alcoolismo, tabagismo e contato com produtos químicos no início da gravidez.

A ultra-sonografia é o exame que efetua a maioria dos diagnósticos de anencefalia, sendo que, muito freqüentemente, essas alterações são diagnosticadas em casais sem antecedentes de má-formação congênita e que representam baixo risco genético

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Através da ultra-sonografia, a partir da décima segunda semana, onde já é possível uma melhor visualização do segmento cefálico fetal, a anencefalia terá um diagnóstico mais preciso. Outro exame que auxilia a ultra-sonografia, sendo muito importante para diagnosticar a anomalia, é a ressonância magnética.

Sendo a anencefalia um quadro irreversível, a perspectiva de sobrevivência extra-uterina para esse feto é quase nula, sendo uma patologia letal em 100% dos casos. A morte pode ocorrer de forma espontânea ainda no útero materno, logo após o nascimento ou depois de alguns dias de nascido. São raros os casos em que a criança chega a sobreviver alguns meses.

A antecipação terapêutica do parto ou a interrupção da gestação de fetos anencéfalos são práticas proibidas em nosso Código Penal, apesar de no Brasil já terem sido expedidos cerca de 3000 autorizações judiciais para que ocorresse a interrupção da gestação.

A evolução ou não da gravidez tem sido o foco de grandes discussões tanto para a ciência quanto para o direito e para outros segmentos da sociedade. A questão principal dos debates é que, uma vez diagnosticada a anencefalia, teriam os casais a faculdade de decidir sobre o futuro da gestação?

A nossa lei não respalda o aborto de anencéfalos. Como já foi dito, no Brasil, existem apenas dois excludentes de criminalidade relativos ao aborto: a da gestante que corre risco de vida e nos casos de estupro. Discute-se no judiciário se é possível ser realizada a antecipação do parto enquanto uma nova lei não é aprovada.

3.3.3 Argumentos pró e contra o aborto eugênico

Vários são os argumentos apresentados para justificar a interrupção da gestação em razão de anomalias fetais.

Uma destas alegações se refere à incompatibilidade do feto com a vida extra- uterina, já que a perspectiva de vida não ultrapassa algumas horas, ou, em certos casos, até no máximo poucos dias. O que podemos observar, no entanto, (vide item 3.3.5) é que este argumento cai por terra na medida em que existem alguns casos devidamente documentados onde a sobrevivência é de vários meses. Ademais, o que o Direito protege é a vida que existe e não a sua viabilidade extra-uterina.

Outro argumento utilizado é o grande número de abortos clandestinos realizados todo ano, fato que põe em risco a saúde e a vida de muitas mulheres. No entanto, a vontade particular de algumas mulheres, mesmo que sejam milhares, não pode obrigar o Estado a criar normas permissivas para esta circunstância. Se a prática disseminada de um delito for argumento para a sua legalização, então seria correto legalizar a corrupção, o estado paralelo criado pelo narcotráfico, a prostituição infantil, a pedofilia ou até mesmo a violência doméstica, todas condutas tipificadas como crimes, mas que já são de ocorrência comum no nosso país. Não é porque alguns comportamentos inadequados já são corriqueiros que devemos aceitá-los como adequados, afinal de contas o Direito continua sendo a ciência do “dever ser” e não do que “é”.

A anencefalia às vezes é comparada com a morte encefálica. Alguns neurologistas garantem que não há similaridade de condições, uma vez que existe atividade cerebral no feto anencéfalo, a qual pode sustentar sua vida por algum tempo, mantendo a respiração, os seus movimentos e a sugação. O anencéfalo cuja gestação chega a termo apresenta manifestações de vida organizada, não podendo, por isso, ser enquadrado como caso de morte cerebral. A alegação de que não há vida a ser preservada é incorreta. Segundo Frediano Teodoro (2007, pág. 216), “é uma vida com hora marcada para expirar, mas é uma vida”.

Como argumento a favor do aborto, há quem defenda que não cabe ao Estado condenar ou regulamentar a prática de qualquer espécie de aborto por conta desta matéria dizer respeito unicamente a convicções morais, devendo cada qual se orientar por sua própria consciência.

Ronald Dworkin defende esta teoria. Na obra intitulada Domínio da Vida, que trata do aborto e da eutanásia, ele analisa algumas pesquisas de opinião efetuadas nos Estados Unidos na década de 90 e argumenta que a maioria das pessoas que defendem a criminalização do aborto não o faz pela convicção de que o feto possui interesses próprios ou direitos que merecem a proteção do Estado, mas por acreditarem que a vida humana, em qualquer estágio, tem um valor intrínseco e sagrado e por isso deve ser preservada.

Na sua opinião, a maioria das pessoas condena a prática do aborto por ser moralmente errada, isto é, porque “o feto é uma criatura humana viva em desenvolvimento, e algo intrinsicamente mau ocorre, uma espécie de vergonha cósmica, sempre que a vida humana em qualquer estágio é deliberadamente eliminada” (2003, pág. 18). Para ele, estas pessoas que consideram o aborto condenável por ser moralmente errado acreditam, paralelamente, que a decisão de eliminar ou não uma vida humana no início da gravidez deve ficar a cargo da própria gestante, pois é a sua consciência que está mais diretamente ligada à escolha.

Dworkin entende que estes pontos de vista, antes de serem contraditórios, são coerentes, pois estão em sintonia com a tradição de liberdade de consciência das modernas democracias pluralistas. Ele defende a idéia de que não compete ao governo

determinar aquilo que os seus governados devem pensar sobre valores éticos e espirituais, em especial sobre valores religiosos, o que engloba a temática do aborto. Assim ele sintetiza:

Se as grandes batalhas sobre o aborto e a eutanásia são realmente travadas em nome do valor intrínseco e cósmico da vida humana, como acredito que o sejam, então essas batalhas têm ao menos uma natureza quase religiosa, e não chega a surpreender que muitas pessoas acreditem que o aborto e a eutanásia sejam profundamente condenáveis e, ao mesmo tempo, que não cabe ao governo tentar estigmatizá-los com a força bruta das leis penais (DWORKIN, 2003, pág. 20).

Dworkin entende que a decisão sobre o aborto é de cunho moral, não cabendo a sua regulamentação pelo Estado, já que na sua concepção moral e direito não se confundem.

A crítica que se faz ao pensamento do autor é que não se pode separar de forma tão excludente os campos da moral e do direito. Há inclusive quem entenda o direito dentro da moral (círculos concêntricos), embora a maioria veja o direito e a moral como círculos secantes, com áreas de exclusão e área comum a ambos (NALINI, 2004, pág.80).

A moral, embora anterior ao direito, passou a conviver em íntima relação com este a partir do seu surgimento. A moral já existia nas aglomerações humanas ainda incipientes para permitir a coexistência entre as pessoas. O direito surgiu depois, como manifestação de um estágio mais avançado de convivência.

À proporção que os homens passam a observar as regras fundamentais de convivência de maneira espontânea, sem precisar de coação, amplia-se a esfera da moral, com a conseqüente redução da esfera do direito. Assim, se todos cumprissem com as suas obrigações e respeitassem a dignidade do semelhante por uma convicção íntima de que esta é a melhor opção, não haveria a necessidade do direito.

De outro lado, a ligação da moral com o direito pode ser constatada pela observação de que o direito positivado está impregnado de regras morais, seja a nível constitucional ou legal. A liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana, entre outros, são princípios de conteúdo ético que estão positivados na Constituição

Federal. Do mesmo modo, podemos citar o direito privado, onde encontramos a boa-fé, os bons costumes, a fidelidade conjugal e a solidariedade.

Desta forma, podemos afirmar que não procede a alegação de que, sendo o aborto uma decisão de ordem moral, o direito não poderia regulamentá-lo e muito menos proibi-lo.

3.3.4 As decisões judiciais sobre o aborto eugênico

No Brasil, a partir de 1989, vários juízes têm proferido decisões favoráveis à interrupção da gravidez em razão de anomalia fetal. Estas decisões ignoram o previsto no ordenamento jurídico pátrio e, na sua grande maioria, trazem como principal argumentação a proteção dos direitos inerentes à gestante, como o direito fundamental de não ser submetida a tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III), referindo-se ao tempo de gestação que deverá ser percorrido pela mulher mesmo sabendo que leva no útero um ser malformado e que certamente não sobreviverá ao nascimento.

Como exemplo podemos citar a decisão proferida em 1994 pelo juiz José Henrique Rodrigues Torres, da Comarca de Campinas:

Aliás, de acordo com o disposto no art. 5º da Constituição Federal ninguém será submetido a tratamento desumano. E, obviamente, exigir que a requerente leve a termo a sua gravidez, nas condições acima mencionadas, constitui, certamente, uma forma inquestionável de submetê-la a um inaceitável tratamento desumano, em flagrante violação aos direitos humanos e a dogma constitucional (Gravidez de Alto Risco: Aborto Terapêutico ou necessário. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.8, p. 245).

Normalmente estes argumentos de tratamento desumano são embasados em laudos psicológicos que atestam que a gestante, nesta situação peculiar, fica sujeita a um profundo sofrimento psicológico, apresentando atitudes inconseqüentes, com desorganização familiar e até correndo risco de cometer suicídio. A interrupção da gravidez seria uma forma de se evitar a amargura e o sofrimento psicológico da mãe que sabe que seu filho não terá a menor chance de sobreviver.

É certo que o feto com anencefalia representa um incômodo à sensibilidade humana, pois ninguém deseja qualquer deformidade para um filho. Preservar esta vida até o seu desfecho natural exige uma grande fortaleza da mãe, a qual não estará privada do sofrimento de gestar uma criança que nunca será perfeita e que, se chegar a nascer, provavelmente morrerá em poucas horas. Admitir a prática do aborto para livrá-la deste sofrimento é, no entanto, adotar uma ética utilitarista, na qual se busca o máximo de satisfação com o mínimo de dor, devendo ser posto em prática qualquer meio que produza esse resultado.

É justa a compreensão da dor desta mãe, mas devemos reconhecer que muito mais doloroso era antigamente, quando as famílias não podiam se preparar antecipadamente para esse desfecho e o problema só era detectado após o parto. Todas as expectativas e todos os sonhos construídos iam por “água abaixo”. Atualmente, com o diagnóstico precoce, as famílias podem ter um apoio psicológico prévio para enfrentar de forma mais serena esta situação, sem precisarem lançar mão do aborto com o objetivo de maquiar o seu desalento.

Ademais, já se constatou que no caso de natimortos ou de crianças que, por qualquer problema de saúde, só sobrevivem poucas horas ou dias após o nascimento, as mães se recuperam bem melhor do trauma se tiverem a oportunidade de ver e pegar a criança no colo. Erram aqueles que levam o bebê embora e não permitem sequer que a mãe veja o seu filho.

John Bolwby (1998, pág. 126) relata o caso de uma mãe que foi estimulada a segurar o seu bebê prematuro que morreu depois de dez dias na incubadora: “com grande nervosimo, ela tirou-lhe todas as roupas, beijou-o todo e passeou com ele. Pouco depois, acalmou-se e entregou o bebê morto de volta à enfermaria”.

Bolwby manifesta suas preocupações quanto à maneira como esses nascimentos e a morte de bebês prematuros são tratados pelo pessoal dos hospitais. Assim relata:

O pessoal do hospital, achando que este é o procedimento ideal, elimina rapidamente qualquer vestígio do bebê morto e coloca o corpo, sem funeral, numa sepultura comum. Com freqüência, poucas informações

são dadas aos pais e todo o episódio é envolvido pelo silêncio (1998, pág. 126).

De acordo com o mesmo autor, a falta de contato com o bebê morto, ao contrário de minimizar o sofrimento, aumenta muito os problemas emocionais enfrentados pelos pais. Pelo contrário, deve ser dada a estes a permissão para que visitem o bebê doente, participem dos cuidados dispensados a ele e estejam junto dele quando morrer. Depois de morto devem ser estimulados a vê-lo, tocá-lo e segurá-lo. “Sem isso, os pais enfrentam um não acontecimento, e não têm a quem chorar” (BOLWBY, 1998, pág. 127).

Não procede a alegação do risco à saúde da mãe. O aborto nunca foi solução para os males da mente, muito pelo contrário, tais procedimentos podem até mesmo desencadear distúrbios mentais na mulher que os pratica.

Ademais, mesmo que causasse tamanho sofrimento psicológico na mãe, o aborto não se justificaria, pois se estaria interpretando a saúde física ou mental da mãe como um bem jurídico de valor maior do que a vida humana do embrião. O próprio inciso I do art. 128 do CPB dispõe que só é permitido o aborto se for para salvar a vida da mãe e não simplesmente para preservar a sua saúde.

Outro argumento utilizado é o de que não vale a pena manter a gravidez de um bebê que está fadado a morrer logo após o nascimento ou até mesmo que não sobreviverá ao parto. Neste caso, é importante salientar que a impossibilidade de se manter vivo é diferente de já estar morto. Frediano Teodoro (2007, pág. 204) argumenta que “o feto malformado não é um cadáver no ventre da mãe, e, sim, uma vida, que como todas as

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