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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO MONOGRAFIA FINAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

MONOGRAFIA FINAL

A PERSONALIDADE PRÉ-NATAL E O ABORTO DO FETO

ANENCÉFALO

LIDUINA CLÁUDIA MACHADO DA NÓBREGA

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LIDUINA CLÁUDIA MACHADO DA NÓBREGA

A PERSONALIDADE PRÉ-NATAL E O ABORTO DO FETO

ANENCÉFALO

Trabalho monográfico apresentado à Universidade

Federal do Ceará como parte dos requisitos para

conclusão do curso de graduação em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes

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Liduina Cláudia Machado da Nóbrega

A PERSONALIDADE PRÉ-NATAL E O ABORTO DO FETO

ANENCÉFALO

Trabalho Monográfico apresentado como parte dos

requisitos para conclusão do Curso de graduação em

Direito.

Aprovada em: 14/11/2007

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes – Orientadora

_______________________________________

Profa. Dra. Márcia Correia Chagas

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Aos meus pais, Moacyr e Consuêlo, pelo amor e apoio incondicionais.

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por todas as bênçãos recebidas.

Aos meus pais, Moacyr e Consuêlo, pelo apoio constante e indispensável em todos os momentos da minha vida, e em especial à minha mãe, cujas orações me deram a força necessária para superar os obstáculos que muitas vezes me pareciam intransponíveis.

Às minhas filhas, Ana Carolina e Mariana, que sempre compreenderam a minha ausência e nunca deixaram de me incentivar.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...6

2 DIREITOS DA PERSONALIDADE...9

2.1 Personalidade e Pessoa...9

2.2 O Início da Personalidade ...15

2.2.1 Teoria natalista ...16

2.2.2 Teoria da personalidade condicional ...16

2.2.3 Teoria concepcionista ...17

2.2.4 O início da personalidade no Direito Pátrio ...19

2.3 A Evolução Histórica dos Direitos da Personalidade ...24

2.4 Conceito de Direitos da Personalidade ...26

2.4.1 A dignidade da pessoa humana...32

2.5 Os Direitos de Personalidade do Pré-natal ... 34

3 A EUGENIA E O ABORTO DO FETO ANENCÉFALO...37

3.1A eugenia. ...37

3.1.1 Evolução histórica da eugenia ...38

3.2 O aborto ... 41

3.2.1 O aborto na história da humanidade ...42

3.2.2 O aborto no nosso ordenamento jurídico...45

3.3 O aborto eugênico...47

3.3.1 O aborto eugênico no nosso ordenamento jurídico...49

3.3.2 A anencefalia...50

3.3.3 Argumentos pró e contra o aborto do anencéfalo...52

3.3.4 As decisões judiciais sobre o aborto do anencéfalo...55

3.3.5 O caso Marcela de Jesus...59

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...64

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1 INTRODUÇÃO

A evolução tecno-científica, embora indiscutivelmente proporcione inúmeros benefícios para o homem, muitas vezes o coloca diante de situações de extrema complexidade, fazendo ressurgir, com uma nova roupagem, questões inquietantes que sempre perseguiram a humanidade e para as quais a sociedade precisa prescrever as condutas consideradas corretas.

É nesse contexto que se insere o tema abordado neste trabalho, o qual trata da personalidade pré-natal e do aborto do feto anencéfalo em face de seus direitos de personalidade. O nosso ordenamento jurídico, embora não reconheça expressa e formalmente a personalidade jurídica do pré-natal, confere-lhe dignidade, um atributo intrínseco ao ser humano, e, conseqüentemente, certos direitos que devem ser respeitados, entre os quais está aquele mais precioso: o direito à vida.

Embora não tenha personalidade jurídica, o nascituro tem uma tutela juscivilista. Importa saber sob que natureza jurídica se reveste o nascituro como merecedor desta tutela. Trata-se de um sujeito de direitos ou de titular de uma espécie de personalidade limitada? E quanto aos nascituros anencéfalos, o que se pode dizer? Nascendo com vida, são considerados pessoas, dotados, pois, de personalidade jurídica?

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O Brasil é o quarto país do mundo em ocorrência de anencefalia, estando atrás apenas do México, Chile e Paraguai. Para cada 10 mil crianças nascidas, há um registro de 8,6 portadores de anencefalia, o que representa uma média de 615 mortes por ano, dados que demonstram a relevância social deste problema.

A presente pesquisa tem bases doutrinárias fundadas na literatura nacional e internacional, na legislação vigente, nos Projetos de lei e Reforma da Parte Especial do Código Penal que tramitam no Congresso Nacional, nas decisões judiciais sobre esta matéria, bem como nas notícias veiculadas pelos meios de comunicação, inclusive na “internet”, que versam sobre a interrupção da gestação do anencéfalo.

Em face dos direitos de personalidade e da tutela juscivilista do nascituro, seria legítima a autorização para o aborto do anencéfalo? Para discutir esta questão, abordaremos temas preliminares essenciais à adequada compreensão do assunto e suas variadas controvérsias e dimensões.

Para tanto, achamos por bem dividir o trabalho em duas partes. A primeira trata dos Direitos da Personalidade. Neste tópico tentaremos compreender primeiramente a dimensão jurídica e filosófica dos conceitos de pessoa e personalidade e qual a sua implicação na condição jurídica do nascituro. Veremos que esta é uma matéria de grande divergência, tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacional e estrangeira, principalmente no que toca à atribuição de personalidade ao pré-natal. O pré-natal é considerado pessoa? A circunstância de ser ou não considerado pessoa altera o conteúdo do seu direito à vida?

Passaremos então ao conceito de Direitos da Personalidade e à sua evolução histórica. Como não poderia deixar de ser, abordaremos em tópico distinto o princípio da dignidade da pessoa humana, valor positivado na Constituição de 1988 como um dos fundamentos da nossa República e objeto de tutela dos Direitos da Personalidade.

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nascida? Ao feto é atribuída personalidade jurídica? Haveria alguma distinção jurídica entre o feto normal e o anencéfalo?

Na segunda parte, estudaremos o conceito de eugenia, sua evolução histórica e como a prática do aborto do anencéfalo pode ser entendida como um tipo de prática eugênica. Estudaremos as idéias de aborto e abortamento e a postura das sociedades sobre esta matéria nos diversos momentos da história da humanidade. Veremos como o aborto é tratado no nosso Código Penal, contrapondo esta postura com o que determinam os preceitos constitucionais.

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2 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Para adentrarmos no estudo dos Direitos da Personalidade necessário se faz primeiramente entendermos os significados das palavras personalidade e pessoa. A lei 10.406/02, o novo Código Civil, trata, no seu primeiro capítulo, da personalidade e da capacidade, demonstrando a importância desta matéria para o nosso ordenamento jurídico. Como veremos, é assunto de grande divergência na doutrina, não havendo um posicionamento unânime.

Depois de apreendidos estes conceitos, entraremos propriamente no tema dos direitos da personalidade, abordando sua definição e a sua evolução histórica. Abriremos então um tópico sobre a dignidade da pessoa humana, que podemos definir como um atributo intrínseco ao ser humano e cuja tutela é o objetivo dos direitos da personalidade. A partir daí estudaremos a condição jurídica do pré-natal, o qual, independentemente de ter ou não personalidade, de ser ou não considerado pessoa, possui dignidade, merece também proteção do nosso ordenamento jurídico.

2.1 Personalidade e Pessoa

Existem duas concepções para o termo personalidade: a naturalista e a formal. A concepção naturalista concebe que todos os indivíduos têm personalidade como atributo essencial do ser humano, estando ligada à idéia de dignidade e presente a partir da existência do indivíduo. Esta seria a personalidade natural. A formal, por sua vez, específica da ciência jurídica, indica a personalidade como investidura de direito, ocorrendo quando o direito reconhece a personalidade para efeitos jurídicos. Seria a denominada personalidade jurídica, a qual pode ser reconhecida a outros entes que não sejam pessoas naturais, apresentando um sentido de subjetividade, ou seja, a possibilidade de qualquer ente ser sujeito nas relações jurídicas.

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modo relevante que lhe dá o prestígio de sua força coercitiva”, para chegar ao conceito de personalidade. No seu entender, sendo o sujeito da relação jurídica o homem, todo ser humano tem capacidade para ser titular de direitos, e esta possibilidade de ser titular de direitos é o que ele chama de personalidade.

Na mesma linha de raciocínio, o jurista Caio Mário Prado assim discorre: “personalidade é a aptidão genérica da pessoa para adquirir direitos e contrair obrigações”. Para o autor, todo homem é dotado de personalidade porque é sujeito das relações jurídicas (PEREIRA, 2001, pág. 141).

Observando estes conceitos, percebemos que ambos definem a personalidade na sua acepção jurídica, associando-a com a idéia de possibilidade (ou a aptidão genérica) para a titularidade (ou aquisição) de direitos. Percebemos ainda que Sílvio Rodrigues utiliza o termo “ser humano” e Caio Mário, por sua vez, faz uso da palavra “pessoa”.

Cabe então a pergunta: “ser humano” e “pessoa” têm o mesmo significado? Podemos dizer que, da mesma forma que observamos em relação ao termo personalidade, e por conta de existir uma estreita e óbvia ligação entre ambos, o termo pessoa também apresenta mais de uma acepção.

Quanto à sua origem, a bibliografia consultada é unânime em afirmar que pessoa vem da palavra “persona”, uma máscara munida de lâminas de metal que os atores teatrais da Roma Antiga utilizavam, nas suas apresentações, para que a voz ressoasse de forma cristalina nos anfiteatros. Com o tempo, a palavra persona passaria a designar o próprio papel representado pelo autor, e como cada pessoa representa um ou vários papéis na vida, o vocábulo passou a designar o próprio ser humano.

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O autor comenta que a primeira acepção da palavra persona não pode ser tomada com precisão diante do fato de existirem outros entes que não são seres humanos, mas são considerados pessoas, possuindo direitos e deveres, como também por já terem existido seres humanos que não eram considerados pessoas, como os escravos (MONTEIRO, 1984, pág 55-56).

Assim aconteceu no Direito Romano, onde só era considerado pessoa quem fosse livre. Além deste requisito, exigia-se a conjugação de mais três fatores: nascimento com vida, forma humana e a presença de viabilidade fetal, isto é, perfeição orgânica para continuar a viver após a separação completa do corpo materno. A ausência de forma humana constituía o monstrum ou prodigium. Segundo José Carlos Barbosa, citado por Sérgio Abdalla Semião (2000, pág. 47): “desde os glosadores até o século XIX, considerou-se monstrum o ser que, embora nascido de mulher, apresentasse, no todo ou em parte, conformação de animal, o que demonstraria ter sido ele gerado de coitus cum bestia”.

De acordo com William Artur Pussi, foi precisamente na Idade Média que os conceitos de “pessoa” e de “ser humano” começaram a se tornar coincidentes. Já no Renascimento, quando a visão teológica do Direito foi substituída pela razão humana, o conceito de pessoa passou a ser cada vez mais subsumido no de sujeito de direito (2007, pág. 22).

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Kant afirmava que os seres racionais são chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, impondo-se ao respeito de todos e devendo respeito a todos. Já as coisas têm valor condicional, na medida em que dependem das inclinações e necessidades humanas, sem as quais não têm valor algum (KANT, 1980, pág. 103).

Para Pontes de Miranda, da mesma forma que os já citados Sílvio Rodrigues e Caio Mário, só é pessoa aquele ser humano ao qual o Direito confere personalidade. Portanto, pessoa e ser humano não se confundem. Pessoa é algo mais em relação ao ser humano, traduzindo a qualificação jurídica natural do indivíduo (MIRANDA, 2000, pág. 136).

Para outros doutrinadores, no entanto, entre os quais podemos citar Limongi França, Teixeira de Freitas e Ives Gandra Júnior o ser humano deve ser considerado pessoa a partir da concepção, sendo inaceitável que o Direito pretenda determinar um momento em que este se transforma em pessoa, adquirindo personalidade e, portanto, a aptidão para ser titular de direitos.

O fato de já terem existido seres humanos aos quais o Direito não conferia personalidade (os escravos, por exemplo), não justificaria a idéia de que alguns seres humanos possam não ser considerados pessoas. Neste entendimento, os escravos possuíam personalidade e eram pessoas, apesar de o Direito não tê-las considerado como tal. O Direito, no caso, não foi justo, simplesmente legitimou uma situação absurda para favorecer uma minoria.

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Sílvio Rodrigues também compactua com Caio Mário ao afirmar que as expressões são sinônimas, configuram-se na aptidão que toda pessoa tem de ser sujeito de direitos, não se confundindo, porém, com a capacidade de fato, que é a capacidade de agir, somente exercida de forma plena por pessoas absolutamente capazes (RODRIGUES, 2003, pág. 36).

Autores há, entretanto, que não concordam com este entendimento. Em posição contrária, considerando distintos tais conceitos, assim leciona Limongi França:

A capacidade de direito ou de gozo é aquela inerente a todo homem em virtude exclusiva de sua condição de pessoa (CC, art.2º). Apesar de seguir

pari passu com a personalidade, não há de se confundir uma com outra (...). Além disso, enquanto a personalidade jurídica é ampla e abrange todo o âmbito geral da vida do direito, a capacidade de direito é limitada, constituindo uma prerrogativa da pessoa à face dos direitos particularmente considerados. Por exemplo, o recém-nascido é incapaz não só de fato como de direito para o serviço militar e, no entanto, tem personalidade jurídica (1999, pág. 49).

Abstraindo-se dessa relação entre personalidade e capacidade, Maria Helena Diniz entende a personalidade como um conjunto de caracteres próprios, o primeiro bem da pessoa, não sendo um direito, mas um objeto de direito. Da personalidade se irradiam todos os direitos e deveres. A personalidade pertence ao homem como sua primeira utilidade, “para que ele possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens” (DINIZ, 2006, pág 121).

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lei. São as pessoas jurídicas. Estas pessoas, que no dizer de Pedro Pais de Vasconcelos têm personalidade coletiva, diferenciam-se das pessoas naturais, que possuem personalidade singular, porque delas o Direito pode constituir ou excluir a personalidade, enquanto em relação às outras (pessoas naturais) o Direito e a Lei não têm este poder. Cabe ao Direito apenas reconhecer a personalidade que é intrínseca à pessoa humana, jamais concedê-la ou excluí-la. Pedro Pais de Vasconcelos sintetiza: “a personalidade singular é supra legal enquanto a personalidade coletiva é legal”. (VASCONCELOS, 2006, pág. 5, grifo nosso).

Entender a personalidade singular como supra legal é entendê-la como um atributo intrínseco ao ser humano, atributo este que o acompanha durante toda a sua existência, desde a concepção, não cabendo ao direito concedê-la ou excluí-la, mas simplesmente reconhecê-la. A personalidade jurídica da pessoa, portanto, acabaria por se confundir com a sua personalidade natural.

Compartilhando deste pensamento, Diogo Leite Campos argumenta de forma brilhante:

É inseparável a vida humana da personalidade jurídica. A separação apagaria a pessoa e seus direitos. A condição ontológica de pessoa implica necessariamente uma dimensão jurídica, na medida em que quem é pessoa em sentido ontológico é, também, pessoa do ponto de vista jurídico, ou seja, urbi persona naturalis, ibi persona juridica. O ser humano é por excelência o protagonista da ordem jurídica, tendo sempre algo seu a reivindicar em termos de Direito / Justiça. Não pode haver dois tipos de pessoas: as jurídicas e as não jurídicas. A pessoa comporta em si própria, ex natura, a dimensão da subjetividade jurídica. (apud NORBIM, 2006, pág. 33)

Apesar de existir um acirrado debate doutrinário sobre o tema de o pré-natal ser considerado ou não pessoa, percebemos que o que se busca, ao atribuir-lhe personalidade, é um fundamento para a proteção dos seus direitos.

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2.2 O Início da Personalidade

O marco inicial em que o ser humano adquire personalidade jurídica ou civil é fonte de grandes debates doutrinários, refletindo, em suma, a já comentada divergência quanto aos conceitos de pessoa e personalidade.

Como já foi visto, não existe consenso quanto à definição do exato instante a partir do qual o ser humano é considerado pessoa e, portanto, adquire personalidade. Alguns acreditam que esta é adquirida no momento da concepção, outros entendem que o momento exato é o da nidação (fixação do embrião no útero materno, o que marcaria o início da gravidez), enquanto outros acreditam que é adquirida ao tempo do nascimento.

Esta divergência ocorre por alguns autores não vincularem o início da personalidade com o início da vida, já que é quase unânime o entendimento de que a vida do ser humano começa com a fecundação. A ciência hoje comprova que o ovo ou zigoto já apresenta as características individuais do novo ser, que a partir daí passará por vários estágios de desenvolvimento (pré-embrião, embrião, feto, criança, adolescente, adulto), até completar seu ciclo evolutivo na Terra. Controvérsias praticamente só não existem com relação ao momento em que cessa a personalidade humana: a maioria concorda que o evento determinante é a morte.

Entre tantas posições e opiniões diferentes, e respeitando as particularidades de cada autor, a doutrina divide as teorias que tratam do início da personalidade em três correntes básicas: a Teoria Natalista, a Teoria da Personalidade Condicional e a Teoria Concepcionista.

2.2.1 Teoria natalista

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Segundo esta teoria, o nascituro não é pessoa, mas sim mera expectativa de pessoa, possuindo apenas meras expectativas de direito, mas nenhum direito de natureza satisfativa. A personalidade do nascituro, para os seus defensores, começa com o nascimento com vida. Por não possuir personalidade, o nascituro não seria sujeito de direitos.

Adepto desta teoria, assim se manifesta Pontes de Miranda (2000, pág. 173): No útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direito, nem pode ter sido sujeito de direito (= nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tem de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação ou exceção lhe deveria ter sido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa.

De acordo com esta teoria, não existem direitos pessoais e reais do pré-natal a serem protegidos, mas sim uma expectativa de direitos que se transformarão em direitos subjetivos caso este venha a nascer vivo.

Adotam a teoria natalista os códigos civis da Espanha, Portugal, França,

Alemanha, Suíça, Japão, Itália, entre outros.

2.2.2 Teoria da personalidade condicional

A teoria da personalidade condicional, por sua vez, é interpretada como um desdobramento da teoria concepcionista, pois também reconhece a personalidade desde a concepção, só que subordinada e vinculada à condição do nascimento com vida. Foi a teoria adotada por Clóvis Beviláqua quando da elaboração do seu Projeto de Código Civil, que dispunha, em seu art. 3º: “A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida” (BEVILÁQUA, apud PUSSI, 2007, pág 94).

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direitos que adquirira quando de sua concepção se integram definitivamente ao seu patrimônio, mesmo que venha a falecer logo em seguida.

2.2.3 Teoria concepcionista

A teoria concepcionista afirma que a personalidade do ser humano começa com a concepção, devendo o nascituro, desde este momento, ser considerado pessoa. Os adeptos desta doutrina vinculam a personalidade à vida e não aceitam que o Direito possa determinar um momento, posterior ao início da vida, para que o ser humano seja considerado sujeito de direitos e, portanto, pessoa. No caso de existir alguma condição, esta deve restringir-se exclusivamente aos direitos patrimoniais (como recebimento de herança ou doação), mas nunca aos direitos fundamentais da personalidade, pois não seria justo condicioná-los ao nascimento com vida.

Limongi França, grande defensor desta teoria, explica que a condição do nascimento na realidade não seria para dar existência à personalidade, pois esta existiria desde a concepção, mas para consolidar a capacidade jurídica do nascituro. O doutrinador entende que pessoa é todo ser humano, independentemente do estágio de desenvolvimento em que se encontre, afirmando que:

Filosoficamente, sem que nos seja necessário o apoio de uma corrente respeitabilíssima do pensamento humano (aristotélico-tomista) o nascituro é pessoa porque já traz em si o germe de todas as características do ser racional. A sua imaturidade não é essencialmente diversa da dos recém-nascidos, que nada sabem da vida e também não são capazes de se conduzir. O embrião está para a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios de desenvolvimento de um mesmo e único ser: o homem, a pessoa (FRANÇA,1999, pág. 45).

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Apesar de já ter sido adotada pelos mais notáveis doutrinadores brasileiros anteriores à vigência do Código Civil de 1916, como Teixeira de Freitas, autor do “Esboço do Código Civil” e Tomás Nabuco, também autor de um anteprojeto do código, é considerada a teoria mais moderna e que já se concretizou em alguns ordenamentos jurídicos, como o da Argentina e da Áustria . Pode-se enumerar como seguidores, além do já acima citados: Márcio Martins Moreira (A Teoria Personalíssima do Nascituro), Luciano Dalvi Norbim (O Direito do Nascituro à Personalidade Civil) e Maria Helena Diniz (O Estado Atual do Biodireito), entre outros.

Márcio Martins Moreira, comentando sobre o tema, assim se manifesta:

Como larva que um dia poderá ser borboleta, pois existe no interior de seu casulo a vida que espera o momento de desabrochar, o ser humano, ainda no útero materno, espera o momento para respirar, mas não para respirar para a vida, que foi dada pelo Criador no momento da concepção, pois desta já é titular, mas o momento para marcar o início da sua existência extra-uterina(MOREIRA, 2003, pág. 20).

Enquanto a teoria natalista faz uma distinção qualitativa entre o ser que ainda se desenvolve no ventre materno e aquele que passa a se desenvolver no ambiente externo, o qual passaria então a ter todos os seus direitos fundamentais tutelados, a teoria concepcionista acredita que, do ponto de vista da proteção jurídica, não existe qualquer diferença entre o zigoto, o embrião, o feto ou o ser humano nascido. Todos têm o mesmo valor e as suas vidas têm o mesmo peso. Desde a fecundação o ser em desenvolvimento é considerado pessoa e deve receber a mesma proteção assegurada pela sociedade a todos os seus membros, sendo irrelevante a fase de desenvolvimento no qual o ser humano se encontre.

En la generalidad de las legislaciones, la persona es reconocida como tal a partir del nascimiento. El problema gira en torno al carácter jurídico existencial del nasciturus. (...) Para mi, en cambio, el nasciturus es persona, luego, el delito de aborto impide y sanciona los atentados contra su vida. En otras palabras, el derecho personalissimo principia en la concepción, instante este en que aparece un nuevo ser de la especie con vida propria aunque dependiete (SANTOS, 1995, p. 234 e 238).

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Os autores que estudam os Direitos da Personalidade estão mais abertos à teoria concepcionista, creditando ao nascituro (o concebido) determinados direitos próprios (BELTRÃO, 2005, P. 72).

Apesar de prevalente a teoria natalista, os próprios tribunais vêm prolatando decisões em favor de direitos próprios do nascituro, como por exemplo, direito aos alimentos, à identidade parental e até mesmo à indenização por danos morais.

2.2.4 O início da personalidade no Direito Pátrio

No nosso ordenamento jurídico, o início da personalidade é abordado de forma objetiva no primeiro capítulo da parte geral do Código Civil de 2002, precisamente no art. 2º. A personalidade é a matéria de abertura do nosso código civil, demonstrando, de certa forma, a importância conferida ao tema, já que a pessoa é o valor original de todos os valores e o principal fundamento de todo o ordenamento jurídico. Vejamos o que dispõem os dois primeiros artigos do referido diploma legal:

Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Para os naturalistas, a leitura destes artigos mostra que é literal a opção do nosso legislador quanto à definição do momento em que se inicia a personalidade: o nascimento com vida. O Direito pátrio não consideraria o nascituro pessoa. Não seria este, portanto, sujeito de direitos?

Uma das provas, para estes doutrinadores, de que o feto não é pessoa, é que o nosso Código Civil enumera os seus direitos, delineando-os um a um: direito de estado de filho, direito à curatela, direito à representação, direito de ser adotado, entre outros. Se fosse pessoa, argumentam eles, todos os direitos subjetivos lhe seriam conferidos automaticamente, sem necessidade de sua enumeração.

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priorizar o aborto terapêutico e o sentimental em detrimento da vida do feto. Outro ponto levantado é o fato de as penas conferidas ao homicídio serem bem mais severas do que aquelas conferidas ao aborto.

Reforçando os seus argumentos, os natalistas observam que o nascituro, embora não podendo, por razões óbvias, ser considerado absolutamente capaz, não está relacionado, no nosso código, nem entre os relativamente incapazes e nem tampouco entre os absolutamente incapazes. Portanto, não estando o nascituro entre os incapazes e não podendo ser considerado capaz, a conclusão que se poderia extrair é que ele não é considerado pessoa no direito pátrio.

Na visão de Luciano Dalvi Norbim o nosso Código Civil adotou como critério definidor da personalidade o locus, qual seja, intra-útero ou extra-útero: se estiver vivo dentro do útero, não tem personalidade, mas se tiver vida exterior tem. Atribuindo-se o início da personalidade ao nascimento com vida, nega-se a personalidade autônoma do nascituro, restringindo-se a existência do homem ao fato de este vir à luz após abandonar a situação intra-uterina e respirar pela primeira vez (NORBIN, 2006, pág. 18).

Os adeptos da doutrina concepcionista, por outro lado, vêem uma grande contradição no art. 2º do Código Civil, o qual diz, na segunda parte: “mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Se o próprio código afirma neste artigo que o nascituro tem direitos, então este deve ser considerado pessoa, uma vez que só a pessoa é sujeito de direitos. Conseqüentemente, se o nascituro é sujeito de direitos, tem personalidade jurídica.

Limongi França é incisivo:

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Segundo essa corrente doutrinária, dizer que o nascituro tem direitos é afirmar que ele é sujeito de direitos e, portanto, pessoa. Além do mais, o fato de o próprio Código de Processo Civil conferir à mãe o direito de posse em nome do nascituro, portanto representando este, demonstra que ele é considerado pessoa, pois o nada não se representa (art. 877, do CPC).

Para os concepcionistas, outra prova da sua condição de pessoa é que o crime de aborto está tipificado no Código Penal Brasileiro no Título referente a “Dos Crimes contra a Pessoa”. Desta forma, é expressa a proteção da vida do nascituro como pessoa, além do que as excludentes de ilicitude do aborto são taxativas.

Silmara Chinelato, comentando o art. 4º do Código Civil de 1916, que tratava desta matéria anteriormente, argumenta que reconhecer o nascituro como pessoa importa em reconhecer-lhe outros direitos além dos que expressamente lhe são conferidos pelo código, negando portanto que os direitos do nascituro sejam de enumeração exaustiva (apud Moreira, pág. 37).

Desta forma, apesar de o art. 2º do nosso Código Civil dispor que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, em face do tratamento dispensado pelo Direito Penal e também pelo próprio Direito Civil há que se reconhecer a personalidade civil do nascituro, uma vez que estas legislações calculam a sua existência desde a concepção, atribuindo-se desde então direito ao homem, sendo assim incontestável que a partir deste momento ele é sujeito de direitos.

Por outro lado, é importante ressaltar que a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual representou um marco no constitucionalismo pátrio, adotou como um dos fundamentos básicos da nossa república o respeito à dignidade da pessoa humana e consagrou inúmeros direitos e garantias fundamentais, dentre eles o direito à vida e à integridade física.

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nascituro, já que este representa o primeiro estágio da vida humana. Vejamos o que dispõe o art. 5º da nossa Carta magna:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Percebe-se que o constituinte, ao relacionar a vida como direito fundamental, fez o uso da palavra “todos”, e não da palavra “pessoas”, o que afastou a velha polêmica quanto ao fato de o nascituro ser ou não considerado pessoa e, portanto, fazer parte ou não do rol dos privilegiados que teriam protegidos os direitos fundamentais expressos no texto constitucional. Se o nascituro não está incluído entre as pessoas, como querem alguns, certamente está incluído entre “todos”.

Luciano Dalvi Norbim entende que protegendo de forma plena o direito à vida, nossa Constituição também protege o direito à personalidade, já que este é um dos aspectos que compõem a vida humana. Nenhuma lei infraconstitucional e nem constitucional poderia restringir o direito à personalidade, pois reflexamente se estaria atingindo o direito à vida, direito este consagrado como cláusula pétrea em nossa Constituição (NORBIN, 2006, pág. 35).

Ademais, o § 2º do art. 5º da Constituição Federal determina: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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Sendo ratificado um Tratado Internacional, este ganha força normativa em igualdade de condições com as leis federais e, por se tratar de lei especial, entende-se que o Pacto de São Jose da Costa Rica derrogou o art. 2º do Código Civil antes mesmo de sua entrada em vigor.

O Código Civil, ao discriminar o concebido que ainda não veio à luz, vai de encontro à letra da convenção ratificada pelo Brasil, a qual prestigia o concepto, conferindo-lhe o status de pessoa plena, mesmo ainda estando no útero materno.

Márcio Martins Moreira entende que o nosso código civil não poderia, isoladamente, servir de base para a fixação quanto ao critério da personalidade do nascituro. A matéria precisa ser analisada tendo por base o direito constitucional, os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, o direito penal, e até mesmo o próprio Direito Civil, através de uma interpretação sistemática (2003, pág. 40).

Portanto, diante da insuficiência da proteção pelo Código Civil e da dicção natalista do seu art. 2º, o nascituro estaria protegido pela nossa Lei Maior, qual seja, a Constituição Federal, como também pelas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.

Assim, o que se conclui é que, apesar de o art. 2º do CC apresentar posição contrária, a tutela do nascituro, no Direito pátrio, tem por base legal a Constituição Federal e, diante de suas características próprias, coloca-se entre aqueles direitos invioláveis do homem que estão protegidos pelo art. 5º.

O nascituro, ainda que a ele não seja atribuída personalidade, tem vida humana e necessita de proteção jurídica. Para que essa proteção seja efetivada, não há a necessidade de se reconhecer ao nascituro a subjetividade, mas apenas reconhecer que a ele a sociedade nacional e internacional atribui dignidade. Desta forma, suas características e qualidades próprias, e principalmente sua vida, são protegidas mediante a afirmação do valor fundamental e princípio constitucional da dignidade humana.

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outros que a negam, o que não significa que por conta desta política ele não tenha direitos a serem resguardados.

2.3 A Evolução Histórica dos Direitos da Personalidade

Embora o reconhecimento dos direitos da personalidade como categoria de direito subjetivo seja relativamente recente, a proteção à pessoa começou a se delinear já nas civilizações antigas. Em Roma, a actio injuriarum era a proteção jurídica dada à vítima de delitos de injúria, de agressão física, de difamação ou de violação de domicílio. Ressalte-se que foi a Lex Cornelia (81 a.C.) que declarou ser inviolável o domicílio e a Lex Aquilia que deu direito de ação à tutela da integridade física. Dois interditos (interdictum de homine libero exhibendo e interdictum de libeirs exhibendis) destinavam-se a amparar a liberdade de alguém que estivesse injustamente retido. O primeiro, de natureza exibitória, destinava-se a amparar a liberdade, evitando-se que as pessoas livres fossem retidas por qualquer motivo. O segundo, que competia a qualquer um, destinava-se a restabelecer a liberdade de quem estivesse preso.

Conforme já comentado em item anterior, entre os romanos a personalidade só era reconhecida a quem nascesse com vida, tivesse forma humana e apresentasse viabilidade. Em casos excepcionais se antecipava o começo da existência para a data da concepção; assim, por exemplo, o filho resultante de justas núpcias recebia o estado do pai no momento da concepção.

Além destas causas naturais, a pessoa devia reunir os três status: a) status libertatis; b) status familiae e c) status civitatis. Cada status indicava a posição da pessoa em relação ao Estado (como homens livres e cidadãos romanos) e à família (como pater familias ou filius familias).

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não tinham patrimônio, não podiam ser parte em juízo e podiam ser vendidos, transferidos ou mortos por seus donos.

O status familiae determinava a maior ou menor capacidade jurídica da pessoa. Só o pater famílias dito sui iuris possuía a plena capacidade jurídica. Já o status civitatis representava a dependência do indivíduo a uma comunidade juridicamente organizada.

A proteção à personalidade, para o Direito Romano, terminava com a morte e não se conheciam presunções de morte, nem na hipótese de ausência.

Na era medieval entendeu-se, embora implicitamente, que o homem constituía o fim do direito, pois a Carta Magna (séc. XIII), na Inglaterra, passou a admitir direitos próprios do ser humano.

A Declaração dos Direitos de 1789 deu um novo impulso à defesa dos direitos individuais e à valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão.

Ao longo do séc. XIX e princípios do séc. XX, a tutela dos direitos da personalidade evoluiu à medida que a codificação se intensificava e sua técnica se aprimorava.

O 1º diploma legal a positivar especificamente alguns desses direitos foi a lei romena de 18/03/1895, que dispunha sobre o direito ao nome. Em 1900, com a entrada em vigor do Código Alemão, também foi garantido o direito da pessoa a um nome. Nesta mesma linha seguiu o Código Civil suíço, que, em seus art. 29 e 30, dá ciência a este mesmo atributo inerente à personalidade humana.

Em 1942, é dada nova ênfase aos Direitos de Personalidade, a partir da vigência do Código Civil italiano, que, em seis de seus artigos do Livro Da Pessoa e Da Família, passou a regular vários aspectos da personalidade, a saber: o direito ao próprio corpo, o direito ao nome, a tutela do nome, a tutela do nome por razões familiares, o direito ao pseudônimo e o direito à imagem. Este código serviu de modelo a outros posteriores.

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Neste rumo caminharam o Código Português de 1966, o Anteprojeto do CC Brasileiro de 1965, bem como o anteprojeto francês.

A evolução dos Direitos da Personalidade acompanhou a evolução dos Direitos Fundamentais, os quais representam a parcela positivada dos direitos humanos. O ponto crucial de toda a evolução histórica dos direitos humanos foi a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual ocorreu um processo de universalização e sedimentação do direito à vida na Lei Máxima de uma infinidade de países.

Luciano Dalvi Norbim entende que, a partir da tutela do direito à vida nas diversas constituições, ocorreu uma espécie de blindagem que protegeu de forma definitiva qualquer atentado à personalidade, já que esta é indivisível em relação à vida (NORBIN, 2006, pág. 29).

2.4 Conceito de Direitos da Personalidade

Direitos da personalidade, também denominados personalíssimos, são aqueles que existem no homem em si, como ser dotado de personalidade, e que não se condicionam a qualquer requisito ou pressuposto para a sua aquisição. Cada pessoa os possui pela simples condição de existência. Sendo inerentes ao ser humano, acompanham-no por toda a vida e tutelam os valores essenciais da pessoa. São os direitos que melhor se contrapõem aos direitos patrimoniais e visam a garantir a dignidade como valor supremo do ser humano.

Sobre os direitos da personalidade, Caio Mário leciona que, “a par dos direitos economicamente apreciáveis, outros há, não menos valiosos, merecedores de amparo e proteção da ordem jurídica” (PEREIRA, 2001, pág. 152).

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jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Seriam os direitos humanos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

Quanto aos direitos da personalidade, assim leciona o célebre constitucionalista: Muitos dos direitos fundamentais são direitos da personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos da personalidade. Os direitos da personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por ex: direito de cidadania) os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastam-se dos direitos de personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa (CANOTILHO, 1992,pág. 532).

Os direitos da personalidade seriam uma parcela dos direitos fundamentais, que por sua vez seriam uma parcela dos direitos humanos. Entendendo desta forma, o mestre se posiciona pela necessidade de positivação dos direitos da personalidade, já que os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados.

Neste mesmo sentido é o entendimento de Bittar, para o qual, os direitos da personalidade

constituem direitos inatos, correspondentes às faculdades normalmente exercidas pelo homem, relacionadas a atributos inerentes à condição humana, cabendo ao Estado apenas reconhecê-las e sancioná-las, em um ou outro plano de direito positivo – em nível constitucional ou de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento ao qual se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares (BITTAR, 1995, pág. 7).

Já Maria Helena Diniz vê os direitos da personalidade como direitos subjetivos da pessoa, cuja função é defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, partes separadas do corpo); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística, literária) e sua integridade moral (honra, segredo profissional, doméstico, imagem, identidade pessoal, social e familiar). (DINIZ, 2006, pág 145).

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claro, objetivo, completo e preciso sobre a matéria. Vale ressaltar que já houve até quem os negasse, sendo Savigny o maior representante deste pensamento, ao alegar que não poderia existir um direito do homem sobre a própria pessoa, pois isto justificaria, em última análise, o cometimento de suicídio. Entretanto, prospera na atualidade o reconhecimento concreto desses direitos, os quais, pelo entendimento doutrinário dominante, têm como escopo a salvaguarda da dignidade da pessoa humana (apud VASCONCELOS, 2006, pág. 25).

Contrariando o entendimento de Canotilho (1992, pág. 532), para o qual os direitos de personalidade são necessariamente positivados, atualmente a maior parte dos doutrinadores entende que estes direitos não podem ser limitados positivamente por conta da evolução constante da sociedade, como também pela progressão a passos largos da tecnologia, a qual faz surgir novas formas de agressão à personalidade humana, que necessitam, por outro lado, de novas formas de proteção. E especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana, assentado na Constituição, legitima a cláusula geral da personalidade.

Os direitos da personalidade, portanto, não podem ser de enumeração exaustiva. Eles transcendem ao direito positivado, pois as transformações sociais alteram o âmbito e os valores destes direitos, cabendo sempre a apreciação do caso concreto para que toda nova forma de agressão seja repelida. A tipificação de alguns direitos de personalidade (direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à saúde, à inviolabilidade moral, à honra e à privacidade, por exemplo) não deve constituir um limite material para estes direitos, pois ela não cobre a totalidade dos casos possíveis, mas apenas traduz a positivação de casos já ocorridos e mais freqüentes.

A partir deste raciocínio a doutrina passa a reconhecer, ao lado dos direitos de personalidade já previstos e sancionados pelo ordenamento jurídico, a existência de um direito geral de personalidade para onde se remeteriam todos os outros ainda não previstos.

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O direito objetivo da personalidade refere-se à regulação jurídica relativa à defesa da personalidade humana. Funda-se em razões de ordem pública e do bem comum, sendo alheia à autonomia privada. Fazem parte do direito objetivo de personalidade o direito internacional sobre direitos humanos, o direito constitucional sobre os direitos fundamentais relativos à dignidade humana, o direito penal das pessoas, e também o direito civil. Ao positivar estas normas o Estado simplesmente concretiza em lei uma ordem jurídica que lhe é superior.

As regras referentes ao direito objetivo de personalidade existem para a proteção da dignidade da pessoa humana e se impõem ao próprio legislador, ao Estado, como também a todas as pessoas, não sendo dado a nenhum destes o poder de prescindir ou dispor desta proteção.

Quanto aos direitos subjetivos de personalidade, assim se expressa Vasconcelos: O direito subjetivo vem dar à defesa da personalidade e da dignidade humana um poderosíssimo instrumento. Não é suficiente clamar do Estado que cumpra o seu dever de proteger a dignidade de cada pessoa; é muito mais forte e eficiente que cada um exija o respeito da sua própria personalidade e da sua própria dignidade. É verdade que o respeito da personalidade e da dignidade humana constitui dever objetivo do Estado e de cada pessoa. Mas tal não pode reduzir nem limitar o direito que cada pessoa tem, per si, e independentemente do direito objetivo, de defender a sua personalidadee a sua dignidade, apesar do Estado e mesmo contra o Estado, apesar dos outros e mesmo contra os outros (VASCONCELOS, 2006,pág.50).

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Os direitos objetivo e subjetivo de personalidade se complementam na proteção da personalidade humana. Por exemplo, se o direito à vida fosse considerado exclusivamente objetivo, a própria pessoa que estivesse correndo perigo de vida nada poderia fazer a seu favor a não ser esperar a atuação do Estado na sua defesa. Mas não é assim que ocorre. A parcela objetiva do direito à vida está presente na indisponibilidade deste bem pela própria pessoa de cuja vida se trata, e pelo dever do Estado em protegê-la. O componente subjetivo refere-se à faculdade que a pessoa tem de se manter inerte ou, por outro lado, de decidir defender a própria vida, até mesmo contra o Estado.

Sob outro aspecto, observa-se que a proteção da personalidade humana, na medida em que se aceita a existência de um direito geral de personalidade, refere-se à personalidade do homem concreto, individualizado.

Nesse sentido é o ensinamento de Limongi França , para o qual “Direitos da Personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior” (FRANÇA,1999, pág.935).

De fato, para que ocorra a eficácia desta proteção, é mister que ela acompanhe e se adapte à evolução de todo e cada ser humano, no seu processo tanto físico como psíquico e cultural de crescimento, de maturação e envelhecimento.

Assim, dependendo do estágio de desenvolvimento em que se encontra o ser humano, diferentes serão os aspectos da personalidade a serem protegidos. A criança e o adolescente, cujas personalidades possuem uma estrutura física e moral particularmente em formação, precisam de medidas especiais de proteção e assistência. Estas características particulares dos menores podem tornar significativos ou mais extensos os respectivos danos à personalidade causados por algum ato ilícito ou até mesmo tornar ilícitos certos atos que não seriam assim classificados se praticados contra pessoas adultas. A lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura essa proteção especial aos menores quando determina, em seu art. 4º:

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dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Da mesma forma podemos exemplificar a situação dos idosos, aos quais são atribuídos alguns direitos especiais em função das suas carências. O art. 34 da Lei nº 10.471/03, o Estatuto do Idoso, determina que “aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas”.

A tutela da personalidade humana, além das peculiaridades decorrentes do estágio de desenvolvimento em que se encontra, deve ter ainda em conta as características próprias de cada ser, embora sem prejuízo da sua igualdade, isto é, cada ser humano merece ter a sua personalidade tutelada sem nenhum tipo de discriminação, já que a própria Constituição determina que todos são iguais perante a lei, mas ao mesmo tempo merece ter respeitada a sua individualidade, o aspecto particular da sua personalidade que naquele momento precisa ser tutelado.

Dessa forma, o estudo da personalidade humana se faz de modo a visualizar o seu valor unitário, a pessoa a ser protegida em suas diversas fases: do momento pré-natal ao capítulo post-mortem (SÁ, 2002, pág. 94).

O juiz, ao aplicar a lei no âmbito de um pedido de defesa de direitos da personalidade, não deve recorrer a conceitos gerais e abstratos como o de “homem médio”, “cidadão comum” ou a qualquer outro conceito de normalidade vagamente definido, devendo se ater apenas à pessoa concreta que se queixa. O julgador, portanto, deve ponderar a pessoa concreta, densificar o conteúdo jurídico do direito de personalidade em causa e adequar os fatos invocados à sensibilidade e à realidade da pessoa que se sente agredida, para avaliar se existe ou não um prejuízo à sua personalidade, dimensionar o dano e decidir qual o meio mais adequado para protegê-la.

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Etmologicamente, dignidade vem do latim dignitas, termo utilizado a partir do final do século XI, inicialmente com o sentido de cargo, honraria, título, podendo significar também uma postura privilegiada socialmente diante de determinada pessoa ou situação. Os primeiros textos jurídicos que apresentavam este termo utilizavam-no também no sentido de cargos ou honrarias de que alguém fosse titular.

Só a partir do século XVIII é que a dignidade da pessoa humana passou a embutir o conceito que atualmente conhecemos e que significa uma condição essencialmente própria à pessoa humana e à humanidade.

Immanuel Kant entendia a dignidade relacionando-a à capacidade do homem de autodeterminar-se, de dar-se as suas próprias leis, sendo um atributo encontrado apenas nos seres racionais. E afirmando a qualidade peculiar da pessoa humana, assim se expressa:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade (KANT, 1980, pág. 115).

Hoje, tem-se a dignidade como uma qualidade intrínseca do ser humano que diz respeito à sua integridade, intangibilidade e inviolabilidade, não tomando tais atributos apenas em sua dimensão física, “mas em todas as dimensões existenciais nas quais se contém a humanidade, que o lança muito além do meramente físico”. A dignidade é, em suma, o objeto da tutela dos direitos da personalidade, sendo portanto irrenunciável e inalienável, constituindo o elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado (ROCHA, 2004, pág. 35).

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humana, “pois de gametas humanos não procedem macacos ou elefantes” (MARTINS, 2005, pág. 177).

Dessa forma, se desde a concepção há vida humana, desde este mesmo momento há dignidade, a qual deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Ingo Wolfgang Sarlet nos fornece um conceito jurídico bastante elucidativo de dignidade da pessoa humana, qual seja:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (2007, pág. 62 ) (destaque nosso).

O conceito acima deixa bem claro o entendimento de que tanto o ser humano nascido, como o apenas concebido, possui dignidade, sendo igualmente merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. Com efeito, a diferença entre o nascituro e o nascido não é de natureza (ambos são seres humanos), mas de grau (seres humanos em diferentes estágios de desenvolvimento, com melhores ou piores condições de existência). Não existe, portanto, seres humanos mais dignos ou menos dignos do que outros.

Da mesma forma podemos falar em relação ao feto anencéfalo, o qual possui a mesma dignidade atribuída a qualquer outro feto, independente de ser portador de anomalia tão grave e que muitas vezes o torna incompatível com a vida extra-uterina. De fato, o direito não protege a viabilidade fetal, mas a vida, com toda a sua dignidade, sem qualquer restrição e sem nenhuma discriminação.

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Pré-natal ou nascituro é a pessoa por nascer, já concebida no ventre materno, a qual são conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de ainda não ter sido dado à luz.

A par da divergência quanto à natureza jurídica do nascituro, a maioria dos autores entende que o mesmo goza de tutela jurídica. Nesse sentido é a opinião de Heloísa Helena Barboza, segundo a qual “não obstante tal divergência, certo é que o ser humano concebido, e desenvolvido no ventre materno, goza de tutela jurídica, sendo-lhe atribuída uma personalidade pré-natal.”(BARBOSA, 2006, pág. 227) (grifo nosso).

Na esteira desse pensamento, Capelo de Souza é enfático em reconhecer ao nascituro uma tutela geral juscivilista, a qual decorreria da existência, entre a concepção e o nascimento, de uma personalidade parcial, reduzida ou fracionária (Souza, 1995, pág. 325).

De acordo com o autor português, a presença desta personalidade parcial levaria à existência, antes do nascimento, do direito de o concebido exigir a abstenção ou a ação face, respectivamente, a intervenções ou a omissões lesivas à sua personalidade. Desta forma, a titularidade dos poderes jurídicos sobre o bem geral da sua personalidade física e moral, não obsta que possa ser exercida em face de seus próprios representantes legais.

Portanto, superada a controvérsia relativa à personalidade civil do nascituro, que pode ser entendida como uma personalidade reduzida ou parcial, pode-se afirmar que, da mesma forma que nos referimos às crianças, aos adolescentes e aos idosos, o pré-natal também possui necessidades especiais as quais precisam ser tuteladas pelo Direito.

Segundo Vasconcelos (2006, pág. 108), as peculiaridades da proteção do pré-natal decorrem de este possuir duas características marcantes: o relacionamento pessoal exclusivo com a mãe, que “dispensa muito da complexidade e riqueza do estatuto jurídico das pessoas já nascidas”, e a sua precariedade, que “suscita a necessidade de regular os casos em que não chega a haver nascimento com vida”.

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direitos da personalidade e a alguns direitos patrimoniais (como o direito de adquirir por herança e por doação).

Assim, o pré-natal é titular dos mais importantes direitos da personalidade, como o direito à vida, à identidade pessoal e genética, à integridade genética e física, a nascer, a não ser ferido fisicamente, a não ser perturbado ou manipulado geneticamente, a ser a mesma pessoa, única e irrepetível, não fungível, a ser bem tratada e a receber os cuidados que a sua condição exige. Chegando a termo a gestação, a pessoa continua com a vida e com a personalidade que já possuía, tornando-se genérica a sua capacidade de gozo.

A característica da precariedade, por outro lado, exigiu que o Direito encontrasse uma solução jurídica, em relação aos direitos patrimoniais, para o caso de o concebido não vir a nascer com vida. Em ocorrendo esta situação, o nascituro é tido pela lei como não tendo chegado a existir e, embora os direitos da personalidade extingam-se com a morte do nascituro, os direitos patrimoniais são extintos retroativamente. Pedro Pais de Vasconcelos explica que esta “é uma ficção legal imposta pragmaticamente pela necessidade de simplificar a complexidade da vida e da morte. Mas não passa de uma ficção”. No caso, a personalidade do nascituro existiria sob a condição resolutiva do nascimento sem vida, solução esta que tem como escopo dar praticabilidade ao Direito, evitando a abertura de um processo sucessório desnecessário e complicado (idem, pág. 110).

Capelo de Souza, (1995, pág.161), ao tratar do conteúdo do bem juridicamente tutelado da personalidade do nascituro, afirma:

Dado estarmos também aqui perante um ser de natureza humana, dotado de unidade na complexidade de sua estrutura, em profunda transformação, a caminho de uma humanização plena, de que já detém os elementos potenciais, bem se compreende que uma proteção jurídica eficaz e completa só seja possível através de uma tutela geral da personalidade física e moral do nascituro concebido.

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de que merece, ou pelo uso de medicamentos ou tratamentos prejudiciais. Pode ainda ser lesionado por práticas abortivas tanto efetivadas por sua mãe como por terceiros.

Dessa forma, é o conjunto representado pelo ser do concebido que merece integral proteção da lei, independentemente de também se configurarem tutelas especiais sobre alguns dos elementos ou manifestações da personalidade do nascituro.

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3 A EUGENIA E O ABORTO DO FETO ANENCÉFALO

3.1 A Eugenia

Segundo Frediano Teodoro (2007, pág.77), o termo eugenia foi criado por Francis Galton, que o utilizou pela primeira vez na obra intitulada “Inquires Into Human Faculty and Development”, de 1883, e significa o estudo dos fatores que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais e genéticas das futuras gerações, seja física ou mentalmente. Alguns autores a definem como sendo a melhoria da espécie humana, seja eliminando os caracteres genéticos indesejáveis ou incrementando na descendência o número dos componentes hereditários apreciados.

A eugenia pode ser classificada como positiva ou negativa. A primeira é benéfica ao ser humano, pois visa o melhoramento da espécie sem a eliminação de indivíduos, enquanto a segunda é maléfica, já que possui um caráter destrutivo.

A eugenia positiva se desenvolve a partir de técnicas que visam evitar o nascimento de pessoas com graves problemas de saúde, ou graves mal-formações. Isso se dá através do controle da procriação de seres humanos enfermos, proibindo-se relações sexuais entre portadores de graves anomalias que podem ser transmitidas geneticamente. Ela também se caracteriza por tratamentos curativos e experimentações puras. Vê-se, pois, que a eugenia positiva existe quando se busca o melhoramento da espécie antes mesmo da fecundação dos gametas, sendo, inclusive, defendida pela Igreja Católica, como no exemplo da proibição do casamento entre parentes consangüíneos.

A eugenia negativa ocorre após a concepção do ser humano. Como exemplo de técnicas de eugenia negativa podemos citar: a eliminação de embriões pouco resistentes, o aborto seletivo, a eutanásia e o homicídio de pessoas enfermas.

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resultar na adoção de medidas preventivas, teremos a eugenia positiva, mas se resultar na eliminação de indivíduos já concebidos, haverá eugenia negativa.

A eugenia é uma prática que sempre existiu na história da humanidade. Pode-se inclusive dizer que ela surgiu naturalmente, como fruto do instinto animal do ser humano, quando os mais fracos, velhos e doentes eram deixados para trás nas fugas contra predadores.

Posteriormente, quando já existiam as cidades, verificou -se a ocorrência da eugenia a partir da eliminação de indivíduos que se encontravam à margem da sociedade, como os velhos e enfermos, os quais muitas vezes eram considerados apenas uma fonte de problemas e preocupações, contribuindo com pouco ou quase nada para o desenvolvimento da vida social.

3.1.1 Evolução histórica da eugenia

O primeiro registro de eugenia aconteceu em Esparta, cidade grega tipicamente militar onde se costumava realizar um controle rígido de natalidade. Preocupados com a formação de um exército robusto e saudável, os espartanos submetiam seus recém nascidos a um conselho de anciãos, o qual selecionava apenas bebês aparentemente perfeitos física e mentalmente, sendo os demais lançados no desfiladeiro de Tiageto.

A eugenia era bastante defendida entre os pensadores da Grécia Antiga. Platão pregou sobre higiene racial e uma de suas idéias pode ser considerada como antecedente histórico da eutanásia, pois defendia o homicídio dos anciãos, dos débeis e dos enfermos. Também defendia o aborto em todas as mulheres com mais de quarenta anos. Segundo suas idéias, o Estado deveria buscar o aumento do número de pessoas mais fortes e saudáveis, como era feito com os cavalos, entre outros animais.

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No Japão e na China era comum o infanticídio como forma de controle de natalidade e para evitar a escassez de alimentos.

No campo da eugenia, a idade moderna foi marcada pela obra O Homem Delinqüente (1871-1876), de Cesare Lombroso. De conteúdo bastante preconceituoso e discriminatório, separa pessoas normais de criminosos, os quais já nasceriam com essa característica, em razão de possuírem um gene determinante de sua má conduta, sendo considerados, por seus traços faciais e físicos, subespécies da espécie humana.

No início do século XX, a eugenia cresceu simultaneamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, alcançando, posteriormente, a Alemanha, onde foi efetivamente empregada por Adolf Hitler.

Nos Estados Unidos, a ação eugênica preferida foi a esterilização compulsória, através da aprovação de leis estaduais que permitiam aos médicos esterilizar seus pacientes. Mas também houve isolamentos – para que os “débeis mentais”, conceito que nunca foi explicitado com clareza, não se reproduzissem – e restrição a casamentos, principalmente entre brancos e negros.

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castração dos delinqüentes sexuais (GOLDIM. 19 de abril de 1998. Disponível em <

http://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm >, acesso em 07/11/2007).

A aplicação de métodos eugênicos negativos na Alemanha nazista gerou tamanha perplexidade que chegou a arrefecer um pouco os estudos sobre a eugenia. Os cientistas preferiram não correr o risco de vincularem os seus nomes às atrocidades cometidas em nome daquelas políticas eugênicas.

Embora adormecida desde a década de 1940, a eugenia jamais foi extinta. O máximo que aconteceu foi a sua permanência em um estado de latência, pois o que se percebe, na atualidade, é que os constantes avanços tecnológicos estão propiciando o começo de uma nova era para esta ciência.

Como primeiro exemplo desta constatação temos o emprego da Engenharia Genética, a qual, na procura pelo melhoramento da estrutura genética do ser humano, corre o risco de se transformar no grande mecanismo de aplicação da eugenia entre as sociedades desenvolvidas, o que poderá determinar o surgimento de uma nova categoria de pessoas, “superiores” às demais, promovendo mais uma espécie de divisão discriminatória entre os seres humanos.

A fertilização in vitro, que surgiu com o objetivo de beneficiar casais inférteis, atualmente oferece a vantagem de serem selecionados os embriões, para que sejam gerados filhos portadores das “melhores” características físicas, podendo-se escolher a cor dos olhos, a cor dos cabelos ou da pele, existindo atualmente bancos de esperma, até mesmo on-line, onde os interessados podem conhecer, embora sem identificá-los, as características físicas e intelectuais dos doadores. É o comércio do sonho de crianças belas e saudáveis, onde a vida é vinculada ao valor beleza, sendo este o atual paradigma da humanidade.

Na opinião de Carmen Lúcia Antunes Rocha (2007, pág. 155) a eugenia representa o risco da “desumanização da humanidade” e complementa:

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humana. Não é para selecionar que se aplicam as técnicas terapêuticas, não é para negar a existência daqueles que não se dotem de tais ou quais condições selecionadas como boas que se chega ao uso das biotecnologias, mas para que os homens possam ser melhores para viver bem, para o bem ser de todos e de cada um. Diferente desta é a situação do uso dos recursos terapêuticos quando não há doença a cuidar, mas a remediar, mas o que se desejaria seria “um tipo de filho diferente” a apresentar à sociedade e ao mundo. Cuida-se de seleção do humano em atitude desumana, do que se lhe há de negar validade, (...).(grifo nosso).

A clonagem, que consiste basicamente na produção de indivíduos geneticamente iguais, é outra técnica que também tem causado inflamadas discussões em toda a sociedade, principalmente quando, após ser empregada em bactérias, plantas e animais, passou a vislumbrar o ser humano. A perspectiva de o homem ser clonado leva-nos a prever a sua utilização na criação em massa de indivíduos de raças específicas em detrimento de outras, tendo como objetivo o aperfeiçoamento hereditário, ou seja, a padronização de seres “perfeitos”, física e mentalmente.

3.2 O aborto

A etimologia da palavra aborto é latina, ab-ortus, sendo que o prefixo ab significa impedir, privar, e ortus ou orior, nascer, nascimento, o que transmite a idéia de privação do nascimento. Assim, a prática do aborto pode ser definida, resumidamente, como a interrupção da gravidez, com a morte do produto da concepção.

Segundo William Pussi (2007, pág. 239), tecnicamente o mais correto seria a utilização do termo abortamento, pois o aborto seria de fato o produto do ato do abortamento.

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3.2.1 O aborto na história da humanidade

Na história da humanidade, em determinadas épocas e países, quem praticava o aborto era rigorosamente castigado e, às vezes, até punido com a pena de morte. Mas sabe-se que, em sua maioria, o aborto era difundido entre os povos da Antigüidade.

Na Grécia Antiga, o aborto era muito freqüente, sobretudo entre as meretrizes. Era preconizado por Aristóteles para limitar eficazmente os nascimentos e manter as populações das cidades gregas estáveis. Ele defendia que a alma só era implantada no feto masculino após quarenta dias da concepção e no feto feminino após oitenta. Segundo essa teoria, chamada epigenética, a alma do ser humano passava por dois períodos de formação, sendo a primeira nutritiva ou sensitiva (antes dos 40 ou 80 dias) e a segunda intelectiva (após esses períodos). Também era praticado por motivos eugênicos, para as mulheres acima dos quarenta anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros.

Para os romanos, a princípio, o aborto não era crime, mas tinha que estar sujeito ao consentimento do paterfamilia, o poder absoluto do homem sobre sua mulher, filhos e escravos. Esse entendimento sofria influência dos jurisconsultos, os quais, a exemplo de Papiniano, pregavam que a alma tomava o corpo com a primeira respiração. Assim, o feto durante a gestação não pertencia à humanidade. No entanto, dependendo da época, o ato de abortar era interpretado sob diferente óptica. Quando a taxa de natalidade era alta, como ocorria nos primeiros anos da República, era bem tolerado, mas com o declínio da taxa de natalidade, a partir do Império, a legislação passou a ser mais severa, caracterizando-o como crime praticado contra a segurança do Estado. Com o tempo começaram a surgir pensadores contrários ao aborto.

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