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3 O TRABALHO DO ARTESÃO NO TEMPO E NO ESPAÇO: ARTE, INVENÇÃO, RESISTÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA

3.3 A DIVISÃO DO TRABALHO, DOM, HABILIDADE, ÓCIO PRODUTIVO, ASTÚCIA, BRICOLAGEM E TECNOLOGIA

3.3.1 O acordelamento é ancestral, mas a modelagem no torno garante a sobrevivência

Uma vez que a argila esteja pronta para o levantamento, assenta-se a bola no torno e vai-se puxando usando as mãos. Faz-se um buraco no meio e passa-se a água para argila não ressecar. Com a ajuda do torno vai-se dando forma, amacia-se a argila e começa-se levantar com as mãos, tocando com o pé a roda do oleiro, no torno de chute e vai-se modelando, apertando, puxando, molhando a peça, molhando a mão e apertando com jeito.

Fotografia 7 – Oleiro levantando a peça com as mãos e palheta

Fonte: foto de Werne Souza (2011)

Tanto no torno elétrico como no torno de chute o processo é o mesmo, a única diferença, segundo os artesãos que já experimentaram os dois tornos, é a amortização do esforço físico no torno elétrico na hora de acelerar, pois no torno de chute precisa impulsionar com os pés. Alguns artesãos informam que é melhor a sincronia no torno mecânico entre o movimento de pés e mãos para modelar a peça. Note-se que quer seja elétrico ou de chute, o torno acelera a produção muito mais do que outras técnicas de levantamento como placas, rolinho ou acordelado. Segundo o ceramista Josué:

Pode parecer [a técnica do acordelado] linda e rememorar as técnicas ancestrais mais elogio não mata a fome de ninguém então temos que criar meios de fazer uma produção mais rápida e não perder as características mesmo nas grandes encomendas (Josué, 2011).

Fotografia 8 - Torno de bancada ou torno de chute

Fonte: foto de Werne Souza (2012)

Hoje as formas (de gesso) também estão sendo usadas, para modelar peças, em função da busca de uma padronização para atender ao mercado, mas verifica-se essa uniformidade em peças feitas por oleiros com muita experiência que conseguem fazer até mil peças com o mesmo tamanho e formato no torno. Depois do levantamento da peça no torno, segue-se a secagem em prateleiras para perder a umidade. O tempo necessário, como em outras etapas, é resultado da experiência e observação. Também depende da temperatura ambiente: pode-se demorar uma semana ou dois dias, se tiver muito sol, para se chegar ao que se chama “ponto de couro”, o ponto de manuseio sem deformar.

Noventa por cento do material usado na produção é o artesão que constrói. Apesar da inserção de instrumentos mais modernos para se obter peças com melhor acabamento, basicamente tudo que se utiliza é de forma artesanal, como as palhetas que são pequenos instrumentos usados para a modelagem no torno para evitar o que chamam de costelas. As palhetas são feitas de placas de alumínio, plástico, tubo de PVC, ou pedaços de cuia bem planos com um furo para encaixar e apoiar o dedo.

A secagem também exige minúcias que interferem no formato e durabilidade da peça, visto que a sua aceleração pelo excesso de sol pode levar à concentração de água no fundo, principalmente, em peças grandes com maior quantidade de massa, por isso a secagem na sombra coberta com plástico, é preferida pelos artesãos mais exigentes, dentre os quais Josué, que aprendeu brincando na olaria do pai, mas atualmente procura estudar, recolhe livros em sebos, faz cursos e se informa sobre novas tecnologias.

As peças maiores devem ser robustas, grossas, pesadas. Observe-se que uma peça pesada é a que tem peso distribuído em toda a sua área e não somente em seu fundo. É importante destacar a diferença entre confecção de peças grandes e pequenas. Uma peça grande (1,10 metros por exemplo) é dividida em cinco partes moldadas em cinco dias. Para emendar essas partes, só o conhecimento define a hora exata, não pode ficar mole e nem enrijecer muito, tem o momento certo para fazer as emendas. Antes de fazer a peça, tem-se que ter em mente o tamanho exato.

O vaso que tem quatro partes (1 metro) cada parte é feito com 25 cm a 30 cm. Primeiro eu faço a base, incluindo o fundo, a segunda parte eu faço só a rodela, sem o fundo. Hoje eu uso a piota (rodela de madeira), aqui no Paracuri, ninguém trabalha com esse material ele é muito mais prático. A praticidade pra você fazer um vaso com esse material, a eficiência dele em relação ao tradicional nosso é de 60%, por que eu consigo fazer uma peça mais avantajada sem estar deformando ela, ou seja, eu vou fazer no torno, quando eu for tirar, eu não vou ficar abraçando, pegando a peça, precisando de ajudante pra pegar ela e machucá-la, eu vou pegá-la na piota, é um lado prático. Eu conheci esse equipamento nas viagens que fiz, cada local tem um estilo de trabalho, no Maranhão, Centro Oeste, Rio Grande do Sul, todos têm cerâmica, mas cada um tem um estilo de produzir cerâmica (Henoque,2011).

Para armar uma peça grande, confecciona-se o fundo, as outras partes separadamente, para depois emenda-las. A peça tem de estar num ponto de couro menos rijo, não deve estar nem tenro, nem duro. Vai-se moldando e emendando as várias partes com o barro na consistência liguenta(o mesmo barro que se acumula na mão), identificada no Paracuri como lamuje e mais conhecida como barbutina. O artesão tem que saber os pontos exatos de colagem, visto que, se a peça não estiver na consistência ideal, pode desmoronar ou, se estiver muito seca a tendência é descolar. Conhecer o ponto ideal só se alcança com a prática. A secagem das peças grandes até chegar ao ponto de forno leva no mínimo vinte dias.

Fotografia 9 - Piota: rodela de madeira para levantamento de peças grandes

Fonte: foto de Werne Souza (2012)