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3. O Ideário do Estado Novo

3.2. a) O Acto Colonial

No seguimento desta noção de “Nação” e “Império” enquanto conceitos contíguos,

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complementares, importa referir o Acto Colonial, que constitui um documento relevante para o contexto do presente trabalho, por dois motivos. O primeiro, pelo facto, já mencionado, de esclarecer acerca da relação pretendida, em termos oficiais, entre a “metrópole” e as “colónias”. No próprio Acto Colonial, citando a nota oficiosa do Ministério das Colónias publicada a 29 de abril de 1930, lê-se:

O Acto Colonial representa uma proclamação de garantias primárias, que factos internos e externos tornavam urgentíssima para a consolidação, prestígio e engradecimento de Portugal, em continuação da sua vida histórica, garantias que se prendem com um investimento futuro na “África Portuguesa”, no intuito de “promover nelas [as colónias] a colonização propriamente dita, com expansão da nossa raça12.

O segundo, prende-se com o facto de o Acto Colonial ter sido redigido com Salazar, futuro Presidente do Conselho, na função de Ministro das Colónias, e no qual se expressam condições de teor administrativo e político que se aplicarão, sem grandes alterações, até finais dos anos 40 do século XX (Torgal 2009: 478), ou seja, abarca o período de estadia de Belo Marques em Moçambique.

Como tal, optei por referir, sucintamente, alguns aspetos do Acto Colonial, e que servirão de complemento, mais adiante, para a questão da diplomacia internacional.

O Acto começa por referir, no Capítulo I, “Garantias Gerais”, que “Portugal […] tem a função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios ultramarinos e de exercer a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente. Denominam-se colónias esses domínios e cada um deles é indivisível, devendo manter a indispensável unidade pela existência de um só governo geral ou de colónia, contrariando-se as ideias de desmembramento. Os domínios de Portugal constituem o Império Colonial Português”. Seguindo Torgal (2009), é interessante notar que no artigo 2º se escreve que é a “Nação Portuguesa” que tem essa “função histórica” de “possuir” e “colonizar”.

Outro ponto importante é a alteração da nomenclatura, expressa no artigo 3º, de província ultramarina para colónia, dado que “província” implicaria uma política de

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assimilação, e “colónia”, de associação (Torgal 2009: 475). No parecer final do Acto lê-se:

“Deverão as nossas possessões do ultramar chamar-se «colónias portuguesas» ou simplesmente «províncias ultramarinas»?”. Colocada a questão segue-se uma justificação interessante e que se prende com o tipo de administração colonial em três épocas distintas, aos quais é conotado um juízo valorativo quanto ao modo de “sistema político colonial” em vigor. Assim:

Desde as recuadas épocas dos descobrimentos e conquistas até à implantação do regime constitucional, consequente da Revolução Francesa, o único sistema de política colonial seguido pelos nossos governantes foi o de sujeição, a que alguns autores também chamam de exploração, ou seja o regime em que as colónias estavam sob inteira dependência do governo da metrópole, o qual exercia sobre elas um poder verdadeiramente ditatorial, não lhes deixando liberdade alguma, nem política, nem administrativa […]. Era a exploração, pura e simples, das colónias em proveito da metrópole, concentrados os poderes num único Ministério […].

E continua:

Com o advento do regime liberal, à feição utilitária e mercantil que até aí dominara a administração colonial, sucede uma política de assimilação ou centralização, e os indígenas das nossas colónias, que até aí não gozavam de quaisquer direitos ou garantias, acharam-se de um momento para o outro cidadão portugueses, com os mesmos direitos, isenções e regalias dos cidadãos portugueses da Europa, sem diferença de raça, cor ou religião […]. O objectivo desse sistema é a adaptação dos indígenas aos nossos costumes e às nossas instituições judiciárias e administrativas, transformando-os em súbditos nacionais.

E por fim, como consequência da política de assimilação, foi instituído um sistema político de autonomia colonial, de “associação ou descentralização”, isto é:

[…] o sistema em que as colónias se governam a si próprias, com parlamentos privativos onde os seus habitantes ou os seus representantes legítimos fazem as leis por que hão-de reger-se e tendo apenas a metrópole o direito de fiscalização e soberania.

Outro ponto relevante no Acto Colonial está patente no capítulo II, acerca dos “Indígenas”, onde surge o “carácter proteccionista” (Torgal 2009: 476) do domínio colonial

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pela Ditadura Militar, e que irá manter-se durante o Estado Novo. Através da leitura desta secção do Acto Colonial é possível apreender o modo de conceptualizar a “diferença”, conceito discutido acima, naquele período. O artigo 15º promulga que “O Estado garante a protecção e defesa dos indígenas das colónias” e que “as autoridades coloniais impedirão e castigarão conforme a lei todos os abusos contra pessoas e bens dos indígenas”. O paradigma do evolucionismo social encontra-se expresso no artigo 22º:

Nas colónias atender-se-á ao estado de evolução dos povos nativos, havendo estatutos especiais dos indígenas que estabeleçam para estes […] regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes individuais, domésticos e sociais, que não sejam incompatíveis com a moral e com os ditames de humanidade.

E por fim, no artigo 24º, a importância das missões religiosas, vistas como “instrumento de civilização e de influência nacional”, que “terão personalidade jurídica e serão protegidos e auxiliados pelo estado, como instituições de ensino”.

Quanto ao trabalho, o artigo 20º expressa que: “O Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em obras públicas de interesse geral da colectividade […]”. A noção de “compelir” ao trabalho foi discutida por Jerónimo e Monteiro (2013) e Jerónimo (2015). Nos termos expressos por Mendes Leal, Ministro da Marinha e do Ultramar em 1864, “o trabalho pode ser obrigatório sem ser escravo; pode ser imposto sem ser infligido” (Jerónimo e Monteiro 203: 165).