Mendes, Orlando. “Moleca” in Rádio-Moçambique, nº 59. maio de 1940. Pp 9 A negra moleca
Anda triste, chorando Desde quando, No ano da seca Veio presa de lá Das terras do Guijá…
Seu mundo era no mato verde Um mundo aberto, livre, sem fim. Seu palácio, a palhota
Coberta de capim,
Hoje… a esperança perde Nos destinos da sua rota.
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Rainha da batucada Negra deusa do «Kraal» Escultura vivificada Da noite de bacanal.
Agora… vida morta de saudade Moleca da cidade
Chorando baixinho «Ióúéé… ióúéé…» Perdeu-se no caminho: «Ióúéé… ióúéé…»
A vida que se dava É sombra que se arrasta Flor da selva partida e gasta Por isso — oh! Negra princesa! Tuas mãos estão fechadas Tua bôca já não reza!… Morreram-te as fadas Que te fadavam liberdade
Moleca escrava dos molungos da cidade!
Pereira, Tito. “Luar do Sertão” in Rádio Moçambique, nº58. abril de 1940. Pp 8. Luar do sertão!…
Argênteo robe envolvendo,
Com carinhos de mãi, a selva densa… Luar do sertão!…
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A veste imensa
Dos eucaliptos e chanfutas Que, inertes e silenciosos, — algum tanto preguiçosos — Apenas de vez em quando, Se embalam, mansamente, E, quando a brisa vai passando, Numa voz dolente,
Não sei quê, vão murmurando… Luar do sertão!…
Luar bendito
Que, caindo do infinito, Vem dormitar-se, quêdo No flanco de algum rochedo Que, perdido, no labirinto, Parece um bêbedo de absinto, Escutando, sem ouvir,
O desnorteado ritmo do batuque… Luar do sertão!…
O lindo luar
Que se oculta em meandros escondidos Onde as correntes vão soltar gemidos Que, ecoando pela imensidade
Parecem ais de saudade… Luar do serão!…
Luar do feiticieiro Que veste o ribeiro E envolve o monte Que vagueia pelo outeiro
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E vai, cansado, repousar na fonte… Luar do sertão!…
O D. Juan
Que, pela fresta da cubata, Na noite feita de prata, Vai espreitar A tombazana engraçada, Feliz, despreocupada Dormindo a sonhar… Luar do sertão!… A veste imensa Que se envolve,
Com carinhos de mãi, na selva densa E que, ao primeiro alvor da madrugada, Despe a floresta negro-esverdeada Para ir
Vestir
Outros sertões
Envoltos em escuridões…
Ega, José da. “O Pilão” in, Rádio Moçambique, nº 60. julho de 1940. Pp. 5. Tau, tau. Tau, tau...
Peitos a arfar,
No vai-vem acelerado, Cadenciado:
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A balançar, Solenes, mudas, Pilam mulheres. Umas são moças, Hastes do junco do rio; Ao desafio Na dança estranha: Sorriem troças, Sonham «façanha» Para o «arusse» … Outras: mamãs,
No «m’tete» preso o negrunho, Num desalinho:
Seios caídos Lançam os «anhs» Como gemidos, Extenuadas.
Tau, tau… Tau, tau… O sol subindo
Queima de luz a senzala. A terra exala
Perfumes quentes. «Muanas» rindo, Nus e contentes, Pincham à volta. Tau, tau… Tau, tau…
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No ritmo insano,
Os pilões cantam rufando, Milho pilando…
Tau, tau… Tau, tau… Eia! «nanano»! É de apressar,
Que êles não tardam… Tau, tau… Tau, tau… Peitos a arfar,
No vai-vem que se acelera, Sem uma espera,
Ancas carnudas A balançar, Cansadas, mudas, Pilam as mulheres…
Pereira, Tito. “A Selva” in Rádio Moçambique, nº 65. novembro de 1940. pp 11. Grande e imensa,
Espessa, interminável,
Tôda feita de enormes dragoeiros, De chanfutas e coqueiros,
A selva densa,
A selva impenetrável,
Levanta seus andares multicolores Na terra negra — terra areienta — Que chora eu penar e suas dores,
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Por não ver o céu de anil E a noite luarenta… E o vento passa, Sibilando E rindo, Quási zombando, Quási sorrindo
Das malhas apertadas Do labirinto enorme… Às vezes, mesmo ao fundo, Dêste mundo
De folhas e ramadas,
Ouvem-se vozes, loucas, sincopadas, Entoando canções, dum ritmo louco, Que,
Fugindo do seio da clareira, Vão perfurando a selva inteira, E… sei lá!
Tombam frouxas e apagadas Nas orelhas arrebitadas D’alguma fera que as escuta… E lá vai ela — a fera sanguinária — Saltando,
Correndo, Roncando,
À busca de comer Na clareira distante,
Guiada pelo ouvido e pelo instinto, Pelo som das vozes,
Que cada vez se torna mais distinto, Ou por algum clarão
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Que, desnudando a noite escura, Lhe diz na sua língua: — Aqui estão!… E a selva vive a sua vida,
Cheia de lutas, cheia de mistério, Enquanto o rio foge atribulando Entre clareiras e matas,
Saltando montes — cataratas, Deslocando caudais
Entre salgueiros e juncais… Às vezes desponta a lua,
Branca de linho, branca de açucena, E a flora negra, ao divisá-la nua, Faz-se mais clara, até morena… E vem o sol depois da lua cheia, Ou depois da noite escura, E o sertão, imenso e belo, Veste o seu manto de verdura Onde se tecem brocados, Engraçados, em vermelho E amarelo…
E tôda a selva, em dias de bonança, Tem um sorrir travêsso de criança…
Campo, Caetano. “Mi Simba” in Rádio Moçambique, nº 67 janeiro. pp 2. Noite cerrada.
Silêncio fundo. Nada. Calou-se o mundo.
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Que a gente escuta de alma perturbada, Parece — é certo... Não haver mais nada, Mas há a voz de algum ignoto mundo- …A voz da selva escura!…
A voz que nos enlaça e nos rodeia E sobe e afaga, envolve e enleia, E nos segura.
…Noite cerrada. Silêncio fundo. Nada. Calou-se o mundo.
…Mas há na selva um ondular macio, Que se não vê mas se pressente, Um arrepio,
Hálito ardente,
Um palpitar suave e mudo, Que envolve tudo
Desde o céu negro ao coração da gente. E então, —
Como se nessa escuridão Raiasse um ponto luminoso —
Um grito: Simba!… Simba!… — e logo ao grito, Enchendo tôda a selva, portentos
Responde um eco de trovão. A sombra agita-se fremente. Há vultos rápido correndo, Murmúrios, sons, — e de repente
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Mais um grito que se ergue e vai morrendo Alucinado e louco,
A pouco e pouco, Por tôda a sombra fora.
Simba passou e foi-se embora,
Levando o seu tributo. Baixinho, na palhota, agora, A mtunke chora…
E também o silêncio: os dois! — Depois…
…Noite cerrada. Silêncio fundo. Nada. Calou-se o mundo.
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