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2. A CONDIÇÃO AFEGÃ

2.2 O AFEGANISTÃO A PARTIR DO SÉCULO XX

O Afeganistão (já conhecido como Cemitério de Impérios, devido a falhas tentativas de intervenções por impérios estrangeiros), embora não possuísse riquezas equiparáveis a outros impérios, foi cobiçado por várias décadas devido à sua posição geográfica, sobre a qual passava a Rota da Seda, que ligava a China ao mercado europeu.

Tal interesse, no entanto, não deixou de existir com o início do século XX, embora as motivações por trás dele tenham se alterado. Nesse capítulo, serão apresentados os aspectos geográficos, espaciais e naturais que tornam o território afegão tão atraente para as potências mundiais, além de apresentar o cenário geopolítico desse Estado no século XX, em especial a Invasão Soviética e a Guerra Civil.

A principal motivação por trás da invasão soviética, em dezembro de 1979, ainda não é clara. Afinal, foi a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial em que os soviéticos se envolveram diretamente com um conflito armado fora da zona de influência do Tratado de Varsóvia (COLLINS, 1980, p.53).

Importante mencionar, no entanto, que o esse artigo não procura eleger apenas uma explicação como verdadeira, mas sim como principal. Nenhum dos motivos abordados é contestado, devido às evidências que todos apresentam para validá-los.

A relação entre União Soviética e Afeganistão era cordial, devido à proximidade geográfica dos dois Estados, como visto em dezembro de 1978, com a assinatura do Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação que aconteceu durante a visita do Presidente afegão Nur Taraki à Moscou.

Portanto, é possível teorizar que a invasão aconteceu principal por conta dessa relação, que foi rompida após o assassinato de Taraki e a ascensão de seu Primeiro-Ministro Hafizullah Amin, seguida da tentativa de encerrar relações com o governo soviético e estreitar aquelas com o governo estadunidense (COLLINS, 1980, p.54).

Tal explicação, no entretanto, é fortemente contestada. Afinal, a ação dos soviéticos divergiu da política de ação da União Soviética com relação a países de Terceiro Mundo, que consistia, principalmente, de palavras de apoio a partidos

comunistas em todo o mundo, mas sem apoio financeiro ou militar algum (BROWN, 2013, p.57).

Outra teoria que explica a invasão é a de uma eminente ou já ocorrente falta de petróleo para as fábricas soviéticas, além do desejo dos soviéticos de obter controle de um porto de águas quentes e, para isso, precisariam ocupar o Afeganistão para chegar ao Irã ou ao Paquistão (STOCKER, 2008, p.80-84). Para apoiar tal hipótese, segue abaixo um mapa dos campos de extração de petróleo e gás natural conhecidos pela União Soviética em 1970, 9 anos antes da ocupação.

Figura 5: Mapa da região nordeste do Afeganistão, mostrando principais estruturas tectônicas e campos de extração de gás natural e petróleo conhecidos pela União Soviética

em 1970.

Fonte: KINGSTON, 1990

Na Figura 5, é possível ver pontos pretos e brancos, que indicam, respectivamente, campos de extração de petróleo e gás natural, linhas pontilhadas, as quais representam fronteiras estruturais, e linhas pretas com perpendiculares longas representando falhas geográficas causadas por atividades sísmicas.

Portanto, é sabido que o governo soviético tinha conhecimento dos recursos

naturais presentes no Afeganistão, mais especificamente na região norte, fronteirando a União Soviética, e tinha interesse neles para o desenvolvimento de sua indústria.

A narrativa mais conhecida, no entanto, é a de que após Amin assumir o poder e assumir uma instância antissoviética, Yuri Andropov, chefe da KGB (polícia secreta soviética), aproximou Leonid Brezhnev, o então Presidente da União Soviética, múltiplas vezes, sugerindo uma intervenção militar controlada para repressão de movimentos insurgentes antissoviéticos no Afeganistão (STOCKER, 2008, p.91).

A invasão em si não requiriu muita mobilização além da já existente. Como já havia tropas soviéticas em Cabul devido à anos de auxílio militar soviético, apenas um mês foi necessário para a conquista do território afegão (BROWN, 2013, p.56).

Sob o regime soviético, a atitude mais surpreendente e de maior repercussão foi certamente a criação de propaganda anti-islâmica, em 1980 (BENNIGSEN, 1982, p.65). Tal ação contribuiu para o crescimento de um sentimento antissoviético, especialmente entre as camadas mais religiosas da sociedade afegã.

Em vista das medidas tomadas durante a ocupação Brezhnev, essas mesmas camadas se reuniram em uma jihad1 contra os soldados soviéticos.

Os mujahidins, militantes que dela participaram, eram vistos como heróis nas áreas rurais onde eram recebidos, não só por lutarem contra aqueles que eram considerados os inimigos, mas também por seguirem o código Pakhtunwali de conduta (BADSHAH, 2012, p. 827). Tais valores morais se baseiam em três pilares:

Panah (refúgio), Melmastia (hospitalidade) e Badal (vingança) (BADSHAH, 2012, p.828).

Dentre os diversos grupos jihadistas organizados para expulsar o Exército Vermelho, o mais notável no Afeganistão é o Talibã, grupo predominantemente Pahtun formado no início dos anos 1990. No cenário de Guerra Fria que Estados Unidos e URSS se encontravam, os estadunidenses, ao invés de se envolverem diretamente no conflito, financiaram treinamento e armamento para esse grupo de mujahidins que viria a se tornar o Talibã (RUBIN, 2002, p.6). Ainda de acordo com Rubin,

1 “Luta interna de um indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma boa sociedade

muçulmana ou uma guerra pela fé contra os infiéis”.

Em 1980, a administração [do então presidente] Carter alocou apenas 30 milhões de dólares para a resistência afegã, embora essa quantia tenha aumentado continuamente durante o governo Reagan. Em 1985, o Congresso [dos Estados Unidos da América] reservou 250 milhões de dólares para o Afeganistão, enquanto a Arábia Saudita reportou uma quantia de mesmo valor. Dois anos depois, com a Arábia Saudita ainda apresentava investimentos tão altos quanto os estadunidenses, os quais chegavam a 360 milhões [de dólares]. Isso não inclui contribuições feitas por outros Estados islâmicos, Israel, República Democrática da China e Europa (RUBIN, 2002).

A União Soviética, que já estava em declínio graças aos movimentos de revolta que enfrentava, retirou as tropas que possuía no Afeganistão. Não apenas ela havia que lidar com a própria crise, mas já não era possível lidar com as consequências militares, sociais, econômicas e políticas, as quais foram vitais para a dissolução desse Estado em 1991 (ÇEÇIK, 2015, p. 115).

Após a saída dos ocupadores, o conflito continuou, mas dessa vez contra o presidente que foi colocado no poder pelas forças estrangeiras (KHALILZAD, 1995, p.147) Com o apoio financeiro e estratégico de potências mundiais e regionais, além de ex-soldados soviéticos que participaram da ação no Afeganistão, os militantes do Talibã conseguiram, em 1996, sete anos após a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão e seis após a criação do grupo, assumir o controle de Cabul, resultando assim em uma Guerra Civil que durou até 2001, ano em que a ocupação estadunidense começou (LAUB, 2004, p. 5).

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