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3.1 HISTÓRICO BRASIL-FRANÇA

3.1.1 O ano do Brasil na França

Há mais de duas décadas, a França homenageia diferentes países. São as denominadas “Saisons Culturelles Étrangères en France”, a qual significa “Temporadas Culturais Estrangeiras na França” (AMARAL, 2008).

Ano após ano, a França invita um país a mostrar sua cultura nas principais metrópoles francesas, sendo o Ano do Brasil na França, organizado pelos Comissariados Gerais, Ministérios da Cultura e Ministérios das Relações Exteriores de ambos os países (AMARAL, 2008).

Decidiu-se, desde o inicio, que as duas partes teriam veto recíproco – são se produziria nada que não tivesse a aprovação brasileira e o Brasil não insistiria em nada que encontrasse a resistência francesa. Acordou-se, igualmente, que seria tomado como base para os trabalhos, o documento da AFAA6 intitulado Princípios gerais das temporadas estrangeiras na França (AMARAL, 2008, p. 55)

O evento estava prometido desde 2001, mas foi validado em 2003 e confirmado em Paris em janeiro de 2005. O intuito era acabar com as imagens errôneas e expor que o Brasil não é apenas um país de carnaval e futebol. Demonstrando um Brasil popular, com sua cultura de antecedentes africanos, mas ao mesmo tempo com a música clássica e a barroca. Também foi ilustrado que o governo brasileiro estimulava reuniões universitárias na defesa do meio ambiente e da alteração social pela qual o Brasil passava (AMARAL, 2008).

6A “Association Française d’Action Artistique” (AFAA) significa a “Associação Francesa de Ação Artística”, a qual é encarregada da política de difusão e de intercâmbio cultural internacional da França.

Foi do Itamaraty7a iniciativa de propor ao Governo francês, por intermédio de carta de 19 de dezembro de 2000, do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, a seu homólogo Francês, Hubert Védrine, a realização de uma temporada cultural do Brasil na França, que teria por núcleo central a Mostra do Redescobrimento: Brasil +

500 (AMARAL, 2008, p. 52).

Os assuntos fundamentais abordados sobre o Brasil foram: as cidades, as personalidades, a arte, os contrastes e os problemas sociais do Brasil. No qual os turistas, que vinham de todos os países e continentes para visitar as cidades francesas, puderam ver em território francês, uma imagem variada do Brasil daquela que provavelmente tinham (AMARAL, 2008).

Com o tema Brésil, Brésils, do singular ao plural, buscou-se divulgar a diversidade e a modernidade do Brasil, em todas as suas facetas: cultural, naturalmente, mas também econômica, social e turística. Tratava-se de levar a imagem de um Brasil moderno e dinâmico, que se orgulha de seu passado e suas várias raízes culturais, aos mais de 60 milhões de franceses, ao mundo da francofonia e aos 75 milhões de turistas que visitam anualmente o país, tirando proveito, ao mesmo tempo, do poder de ressonância de Paris e da França (AMARAL, 2008, p.52)

Sendo o Ano do Brasil na França, até então, o maior evento cultural já feito pelo Brasil, no exterior. As expectativas eram diversas em vários setores: social, cultural e principalmente econômico (AMARAL, 2008).

O evento mexeu com mais de 15 milhões de pessoas, com diversas atrações, realizadas em toda a França, que acarretaram impactos diretos, não somente para o intercâmbio cultural, mas da mesma forma, para as trocas comerciais entre ambos os países. O número de empresas francesas fixadas no Brasil era mais de 400, empregando aproximadamente 250 mil pessoas (AMARAL, 2008).

Montou-se uma comissão mista e especializada, com integrantes do Brasil e da França, para analisar e indicar as manifestações artísticas que seriam partes da programação do Ano do Brasil na França. Os projetos escolhidos compuseram o calendário oficial, mas nem todos foram financiados pelos governos brasileiros ou franceses. Os projetos não selecionados fizeram parte de um evento paralelo, com foco também no Brasil, mas sem sua colocação no calendário ou meios de comunicação formais do evento. Oficialmente, os projetos envolveram uma

7O Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) também é conhecido por Itamaraty, sendo um órgão do Poder Executivo, responsável pelo assessoramento do Presidente da República nas relações internacionais com os demais países.

dupla de parceiros: um francês, que costumava ser um local – museu, teatro, centro de arte contemporânea, entre outros - que ficava responsável pela comunicação e composição da apresentação, e um artista ou operador de empresa do Brasil, que dividiam os gastos da instalação. Assim, o governo do Brasil, por meio do Ministério da Cultura ou o de Relações Exteriores ofereceu recursos para a realização dos eventos, bem como algumas empresas brasileiras, como a Petrobras (AMARAL, 2008).

A dedicação que foi dada aos brasileiros em 2005 coloca a apresentação da criatividade, multiplicidade e modernidade cultural do país, que por sua convivência em paz e respeito diante da variedade de culturas, é visto pelo mundo como exemplo de paz, embora todos seus problemas internos de segurança. O ponto central na cultura foi o jeito encontrado por ambos os países para aguçar o interesse de franceses e visitantes que estivessem fazendo turismo à França pelo Brasil. Para o Brasil, especificamente, foi uma maneira de se mostrar como uma sociedade completa: econômica, política, industrial, turística, comercial, social, etc (AMARAL, 2008).

Exibições como batucadas e capoeira foram apresentadas junto com a música clássica e barroca. Os laços culturais derivados de nações africanas e europeias dividiram espaço com artistas atuais. Além disso, também foram colocadas em foco questões sobre economia, tecnologia, ciências, proteção ambiental e transformação social que o Brasil encara na atualidade. As mais de quatrocentas apresentações foram realizadas em três fases diferentes e com temas bem determinados: Raízes do Brasil, Verdade Tropical e Galáxias (BRASIL, 2005).

Raízes do Brasil, a primeira fase, fez homenagem ao historiador e jornalista Sérgio Buarque de Holanda (1902–1982), cuja obra, Raízes do Brasil, mostra uma macro- interpretação do processo de idealização da sociedade brasileira, destacando, ainda mais, a principal herança cultural da colonização portuguesa do Brasil, assim como as influências indígenas e africanas. O Ano do Brasil na França foi aberto por essa fase em março de 2005 em espaços marcantes de Paris, tais como no Grand Palais, edifício consagrado que, frequentemente, recebe exposições em suas galerias. Houve a mostra “Le Brésil Indien”, no Dapper Musée, que é especializado nas culturas africanas e caribenhas. Aconteceu a exposição “Brésil, Héritage Africain” sobre os legados africanos na cultura brasileira. E na Cité de la Musique, que é um museu da música, aconteceram exposições e

concertos que originou uma investigação musical das raízes brasileiras, baseada na música popular brasileira (BRASIL, 2005).

De forma grandiosa, “Le Brésil Indien” marcou a abertura oficial do Ano do Brasil na França com a presença de chefes do governo francês, do então ministro brasileiro Gilberto Gil, toda a imprensa de brasileira e francesa, o filósofo e antropólogo Claude Lévi-Strauss, o ex-ministro Jack Lang, a ministra da Espanha Carmen Calvo, Manoel Francisco Pires da Costa da Fundação Bienal de São Paulo, várias figuras da área cultural, além de muitos visitantes. Essa exposição falou dos fortes contatos indígenas na cultura do Brasil ao longo dos anos, desde antes da descoberta do país até os dias contemporâneos. Através de objetos como máscaras, ornamentos, cerâmicas, plantas, penas e plumas, fotografias, ambientes com sonorização, vídeos e documentos de etnias foi mostrado em um grande panorama da cultura indígena brasileira (BRASIL, 2005).

A exposição “Brésil, Héritage Africain” deu o enfoque das raízes africanas na cultura brasileira, dado pelo trabalho do grupo que teve tanto colaborações brasileiras quanto francesas. A meta da mostra foi de fazer clara a relação entre as artes africanas e as produções brasileiras, sem depreciar a influência do cristianismo nelas. A exposição juntou desde a cultura africana até a cultura afro-brasileira, incluindo protestos religiosos como candomblé, obras de arte sacra, figura de santos negros e estátuas de Nossa Senhora do Rosário, protetora dos escravos. Fora isso, foram exibidas obras de artistas atuais que agregam diferentes graus temáticos e símbolos do mundo africano (BRASIL, 2005).

A riqueza da música popular brasileira foi evidenciada pelos eventos musicais que ocorreram na Cité de La Musique. A exposição MPB “Musique Populaire Brésilienne” apresentou a ligação entre som e imagem, personificando a MPB e objetivando suas três bases mais marcantes: baião, samba e choro. A exposição deu principal destaque a duas épocas características da história brasileira, o governo do presidente Juscelino Kubitschek e a ditadura militar, mostrando como a música é capaz de ser um impulso social, se tornando porta-voz de uma comunidade. A exposição também mostrou a atualidade, o que os novos músicos têm produzido para valorizar e voltar a história da música brasileira. Esses músicos contemporâneos foram uma das atrações de apresentações que também ocorreram na Cité de la Musique no contexto de Raízes do Brasil (BRASIL, 2005).

Verdade Tropical, a segunda fase do Ano do Brasil na França, teve como aspiração livro homônimo, autobiográfico, do cantor brasileiro Caetano Veloso. Esse livro foi à diretriz para a reunião de algumas apresentações culturais brasileiras, principalmente aquelas com raízes ao tropicalismo, aos festivais de canção dos anos de 1960 e 1970 e à ditadura militar. Essa fase do Ano do Brasil na França, no qual era verão francês, salientaram a diversidade de manifestações culturais brasileiras, principalmente as apresentações de rua. Os eventos programados acontecem, em sua grande parte, nas ruas das cidades francesas, exatamente para aproveitar as temperaturas amenas e os conceitos das manifestações em foco. Valorizaram-se as plataformas essenciais móveis da cultura brasileira, tais como carnavais, trios elétricos e concertos ao ar livre, assim como os que ocorrem com assiduidade nos litorais do Brasil. “Samba Parade” foi um desses eventos que aconteceu em cinco regiões distintas da França, passando por cidades como Paris e Toulouse, demonstrando, além de mais de mil músicos e dançarinos, exposições, oficinas, atividades esportivas, cursos para inicio na gastronomia e cursos de percussão brasileira. Em Cannes, em julho, aconteceu desfiles dos melhores trios elétricos de Salvador, Rio de Janeiro e Recife, que agruparam milhares de pessoas que tiveram a chance de conhecer um pouco mais do carnaval de rua do Brasil (BRASIL, 2005).

Verdade Tropical apresentou além dos eventos ao ar livre, a primeira exposição individual de Tarsila do Amaral na França desde 1926, corroborando o caráter tropicalista, e assim modernista, da segunda fase. A exposição Tarsila do Amaral, “o nascimento do modernismo no Brasil” alcançou mais de quarenta obras, entre pinturas, desenhos e documentos, vindos tanto de coleções particulares quanto de órgãos públicos. Essa exposição quis mostrar os traços do modernismo brasileiro através das obras de uma das artistas mais importantes do país. A influência da artista foi tão impactante que a exposição mostrou também obras de artistas franceses que conviveram com Tarsila nos anos 1920 (BRASIL, 2005).

Galáxias foi a terceira fase do ano de homenagens, em referência ao livro do poeta e tradutor brasileiro Haroldo de Campos. O tema central dessa terceira fase foi à expansão de desenvolvimento no Brasil nos últimos anos, colocando o país em vista no cenário mundial, tanto cultural quanto na economia. Essa explosão foi ilustrada em cenas de dança contemporânea, teatro e artes visuais (BRASIL, 2005).

As manifestações de dança contemporânea do grupo de Bruno Beltrão aconteceram em diversas apresentações diferentes durante todo ano de 2005 em sua turnê pela França, tendo tido destaque o espetáculo Telesquat, apresentado em Paris. Enrique Diaz, diretor brasileiro, é outra personalidade de destaque nos eventos englobados na terceira fase do Ano do Brasil na França. Diaz levou a mais de dez cidades da França várias apresentações dirigidas por ele. Foram mostrados “Não olhe agora” do grupo Coletivo Improviso, feitos por doze atores e bailarinos, e Hamlet Melodrama, ambos desenvolvidos e apresentados pelo grupo Cia. dos Atores. Ernesto Neto, artista plástico, também teve suas obras apresentadas na França. Expoente da arte contemporânea brasileira, Ernesto Neto levou à França suas obras inusitadas e marcadas pelo uso comum de todos os tipos de matéria prima – desde tecido até bolinha de chumbo - para mostrar aos franceses a primeira linha e criatividade da arte contemporânea brasileira. Merepe, Marcos Reis Peixoto, outro artista plástico brasileiro, também foi exaltado na França por suas obras, que agregam o cotidiano brasileiro, principalmente baiano, seu estado natal, usando de materiais simples como papelão e isopor. Galáxias marcou a parte mais atual da evolução cultural do Brasil, que teve começo em Raízes do Brasil e passou por Verdades Tropicais. Essa fase caminhou para o futuro e mostrou um Brasil contemporâneo, moderno e criativo (BRASIL, 2005).

Em dezembro de 2005, aconteceu, em São Paulo, a cerimônia de fechamento do Ano do Brasil na França. Na ocasião foi revelado, pelos organizadores, um relatório com os resultados numéricos mais expressivos do Ano do Brasil na França. Segundo o relatório, o Brasil foi recebido por 161 cidades francesas em 436 eventos. Mais de 1.900 artistas brasileiros, destes músicos, dançarinos e atores, palestrantes e diretores de cinema. Houveram ao todo 224 exposições, 867 espetáculos de música e dança, 1.298 exibições audiovisuais, sendo 31 mostras de cinema com 429 exibições de filmes, além de 83 eventos de literatura e colóquios. No total do evento, o número de participantes foi de aproximadamente 15 milhões de visitantes (BRASIL, 2005).

Desta forma, analisou-se positivo o balanço final do evento, já que os as metas iniciais foram atingidas: promover a cultura brasileira na França e estreitar as relações entre os dois países. Significando, portanto, um passo importante para a consolidação da diplomacia cultural brasileira sendo que foi possível apresentar o Brasil de forma precisa para o país europeu, exaltando, especialmente, seus

aspectos culturais, pois registrou-se um aumento de 27% de turistas franceses no Brasil e mais de 450 milhões de dólares em produtos brasileiros exportados para a França. (BRASIL, 2013a)

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