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4- FRAGMENTOS DE NARRATIVAS: TRAJETÓRIAS DE

4.1 O ARARIBÁ

As lembranças mais antigas presentes nas narrativas são aquelas relativas aos avôs dos que hoje são a geração mais velha dentro do grupo. S. Bertolino, por exemplo, cujo pai veio do Araribá, lembra-se deste último lhe contar que seu avô era tropeiro no estado de São Paulo. “[Meu avô] lidava com tropa [...]. Tocava animal pela estrada, [...] fazia pouso na estrada, então, com aquela mercadoria que eles colocavam no animal para levar de uma cidade para outra. Ele viveu no Araribá [...] mas as pessoas contratavam ele para trabalhar nisso. [...] Ficava um mês, dois meses fora da casa, largava família e trabalhava assim. Andava, andava [...] aparecia de novo na casa, para ver a família [...]129”.

128 Para compor o capítulo trabalho também com entrevistas realizadas por Tommasino entre

os Guarani do Laranjinha em 1990. A transcrição completa de algumas destas entrevistas foi apresentada em meu trabalho anterior (2003), não sendo acompanhada na ocasião de uma análise propriamente dita. Justamente então, retomo-as aqui na tentativa de dar mais densidade ao material.

A fala de uma mulher guarani coletada por Dooley em 1990 na TI Pinhalzinho refere-se ao período em que os Guarani ainda viviam livres da tutela imposta a eles pelo Estado. Na época da entrevista, esta mulher (cujos pais tinham vindo do Araribá) tinha cerca de oitenta anos, tendo nascido então no final do século XIX. Segundo ela, “antigamente não havia nada disso. Não havia branco para cuidar de nós. Vivíamos sozinhos no mato. Então iríamos nos alimentar daquilo que meu padrasto matava: macacos, quatis, bugios-pretos, pacas, peixes. Mas agora, nem um pouquinho daquilo existe mais” (DOOLEY, 1991:46).

De início, então, faço um parêntesis para falar do Araribá, já que a história do grupo que vive no Laranjinha se relaciona tão diretamente com esse local. A TI Araribá localiza-se no município de Avaí, no estado de São Paulo, e as duas outras cidades bem próximas a ela são Bauru e Duartina. Tal como as áreas guarani aqui mencionadas no estado do Paraná, essa também se encontra cercada por propriedades particulares. O córrego Araribá, que dá nome ao posto, percorre toda a sua extensão (uma área de aproximadamente 1930 hectares) e o rio Batalha, afluente do Tietê, passa pelos fundos da área. Carvalho (1979), citando uma entrevista de Luiz Bueno Horta Barbosa, inspetor do SPI em São Paulo, ao jornal “O Comércio” em 1914, menciona que a criação do posto indígena data de 1911 (situação que só seria oficializada em 1918, com a publicação do decreto 2.871) e as terras, inicialmente destinadas a abrigar índios Guarani, teriam sido doadas pelo Governo do Estado.

Segundo Nimuendaju (1987), o “habitat original” desses Guarani que ali se estabeleceram seria na margem direita do baixo Iguatemi, no extremo sul do estado de Mato Grosso130. O referido autor

teria convivido com esses grupos no Mato Grosso, São Paulo e Paraná, e identifica-os como pertencendo a diferentes parcialidades ou, para usar o termo dele, “hordas”: Apapocúva, Tañyguá e Oguauíva131. No início

do século XIX, impulsionados por um movimento religioso, esses grupos partiram dessa região em direção ao leste, buscando, com seus profetas, a “Terra sem Mal”.

A partir da convivência com esses grupos, Nimuendaju (ibidem) consegue compor uma mapa que indica o território que os Apapocúva, Tañyguá e Oguauíva percorrem em sua migração pelo sudeste/sul do país. O mapa apresentado a seguir é uma reprodução/adaptação dele.

A narrativa abaixo apresentada, sobre o itinerário percorrido por esses grupos, está toda embasada nos dados apresentados por 130 Atual Mato Grosso do Sul.

Nimuendaju (ibidem)132. Segundo ele, os primeiros a deixar o sul do

Mato Grosso teriam sido os Tañyguá. Sob a liderança do pajé-chefe Ñanderyquyní, eles teriam subido pela margem direita do rio Paraná, atravessando a região dos Apapocúva até chegar à dos Oguauíva, onde seu guia morreu, sendo sucedido por Ñanderuí. Sob a direção deste último, o grupo teria atravessado o rio Paraná, pouco abaixo da foz do Ivaí, subindo então pela margem esquerda deste rio até a região de Villa Rica, onde, cruzando o Ivaí, passaram para o rio Tibagi, que atravessaram na região de Morros Agudos. Sempre indo em direção ao leste, atravessaram o rio das Cinzas e o Itararé, chegando à cidade de Itapetininga e povoados próximos. Neste local, teriam sido explorados como mão-de-obra pelos colonos que já ali se encontravam mas, resistindo/opondo-se a isso, e mantendo-se fiéis a seu projeto original, fugiram/deixaram a região em direção ao sul, estabelecendo-se na Serra dos Itatins. Os Carijó, antigos habitantes do litoral, já há muito estavam extintos na região (no início do século XVII já tinham sido dizimados pelos paulistas) e, segundo Nimuendaju (ibidem), a chegada de novos índios à região desencadearia uma reação dos colonos, que organizaram expedições armadas contra os Tañyguá, que por sua vez teriam conseguido rechaçar tais expedições. Isso teria sido em 1835, e somente em 1837 os brancos finalmente estabelecem contatos amigáveis com o grupo, que recebe então do Governo uma légua quadrada de terra no região dos rios do Peixe e Itariri, para abrigar uma população de cerca de duzentas pessoas. Em 1885, devido a epidemias e à mestiçagem, os Tañyguá estavam reduzidos a apenas sessenta pessoas, e suas terras haviam sido invadidas pelos brancos. A despeito disso, Nimuendaju menciona que as

131 Esses são os três grupos principais cuja migração é mapeada por Nimuendaju (1987), que,

no entanto, não deixa de assinalar outras parcialidades/hordas, conforme será exposto mais adiante.

duas propostas que apresentou ao grupo no sentido de levá-los para o Araribá (em 1912 e 1913) foram negadas.

Pouco após a passagem dos Tañyguá, os Oguauíva também iniciam um movimento em direção ao leste. Essa caminhada teria sido igualmente interrompida na região de Itapetininga, por volta de 1830, quando então o grupo retrocede na direção oeste, estabelecendo-se entre os rios Itaquari e Itararé, em terras que pertenciam à fazenda Pirituba, de posse do Barão de Antonina. Por solicitação deste último, o Governo envia em 1845 um missionário para a região – Frei Montefalco – que funda no rio Verde a missão São João Baptista, atual Itaporanga.

Os Oguauíva recebem do Barão de Antonina uma parcela de terra entre os rios Itararé e Verde, mas, tal como acontecera aos Tañyguá, as terras acabam sendo invadidas pela população branca, e os documentos que comprovavam a doação desaparecem depois de alguns anos. Isso, somado às epidemias enfrentadas pelo grupo, faz com que, em 1912, concordem com a proposta feita por intermédio de Nimuendaju de se transferirem para o Araribá. De acordo com este último, a depopulação do grupo nesse território do rio Verde foi dramática: eram cerca de quinhentas pessoas em 1862, trezentos em 1871, e cento e cinqüenta em 1912. Nessa época, segundo Nimuendaju, o grupo já não era composto apenas por Oguauíva, tendo mesclado-se com pessoas de outros grupos – a saber: Apapocúva e Kayguá. Chegando ao Araribá, o grupo teria sofrido novamente com doenças, vendo-se reduzido a cem pessoas.

Ainda segundo Nimuendaju (1987), uma parte dos Oguauíva do rio Verde teria conseguido chegar ao mar, por volta de 1860, quando alcançam as imediações dos Tañyguá no Itariri, e em seguida a região da costa. Permaneceram aí vivendo no Bananal, nas cabeceiras do rio Preto. Em 1910 teriam tentado se estabelecer novamente no rio Verde, o que acabou não sendo possível, já que o grupo abandona o local, transferindo-se para o Araribá.

Por volta de 1870, um movimento migratório em direção ao leste também é levado a cabo pelos Apapocúva, chefiado pelos pajés Guyracambí e Nimbiarapoñy. Segundo Nimuendaju (ibidem), o primeiro teria feito duas tentativas de alcançar o mar, enfrentando, em ambos os casos, a resistência das autoridades brasileiras133. Ele teria

vivido algum tempo com seu grupo no aldeamento do Jataí (onde teria feito oposição aberta a frei Castelnuovo), deslocando-se posteriormente 133 Tal como já mencionado anteriormente, os esforços dessas autoridades eram justamente no

sentido de sedentarizar os grupos indígenas, já que seus deslocamentos colocavam problemas às diferentes instâncias administrativas (estados, municípios, etc.).

para a região do rio das Cinzas, onde Nimuendaju o conheceu. No Jataí, o grupo de Guyracambí teria se dividido, e uma parte dele volta para o rio Verde, agora sob a chefia de Araguyraá, ali permanecendo com os Oguauíva até 1892. Segundo Nimuendaju (ibidem), Araguyraá é acusado de feitiçaria pelos Oguauíva, sendo obrigado a deixar o rio Verde, dirigindo-se com seu grupo para a região de Bauru. Lá, encontram-se com remanescentes de outro grupo, cujo chefe era Yvyraí. Através da atuação de um capuchinho, frei Sabino, são convencidos a fundar uma colônia na desembocadura do rio Dourados com o Tietê. Justamente nessa ocasião, o outro grupo Apapocúva acima mencionado, liderado por Nimbiarapoñy, vinha subindo o rio Tietê, sendo convidado a ficar no aldeamento que estava para ser fundado – o que recusam. Nimuendaju menciona ainda a presença de outro grupo na região da foz do rio Dourados, chefiado por Ñeegueí, mas que teria sido dizimado por uma epidemia de febre.

O grupo de Nimbiarapoñy, que recusara o convite de frei Sabino, continua então sua subida pelo Tietê, por ali avançando para o leste até alcançar o litoral. No entanto, convencendo-se da impossibilidade de alcançar a Terra sem Mal através do mar, ele retorna com seu grupo para o interior. Na volta ao Iguatemi, o grupo é dizimado por uma epidemia de sarampo. Nimbiarapoñy foi um dos poucos que conseguiu voltar e, reunindo um novo grupo de adeptos, parte com eles novamente em busca da Terra sem Mal, percorrendo a região do Ivinhema e uma grande parte do estado do Paraná, onde vem a morrer em 1905, no alto Ivaí, sendo sucedido na liderança pelo pajé Antonio Tangará. Este último conduz o grupo em direção ao leste, primeiro para o rio Verde, e de lá para Piraju, de onde, em 1912, Nimuendaju os conduz (um pequeno grupo de cerca de trinta pessoas) para o Araribá.

Mas voltando à questão acima mencionada de um aldeamento na desembocadura do rio Dourados com o Tietê, o que se seguiu foi que a tentativa de frei Sabino de fundar tal aldeamento fracassa, e os índios novamente abandonam o local, sofrendo grande depopulação: o grupo de Yvyraí, que teria voltado para o rio Verde, acaba morrendo em decorrência de uma epidemia de varíola; e o grupo de Araguyraá, deslocando-se rios Tietê e Batalha acima, sofre grandes perdas com surtos de febre. Esse último grupo acaba por fixar-se, em 1896, no ribeirão do Lontra, afluente da margem direita do rio Feio, enfrentando, pouco depois, dificuldades por conta dos conflitos entre colonos e índios Kaingang na região. Fogem para Bauru, mas parte do grupo tenta retornar ao local em 1902, acompanhando uma expedição que explorava

o rio Feio. Nessa ocasião, seu líder Araguyraá e um missionário são mortos pelos Kaingang, fazendo com que o grupo abandone o local mais uma vez, passando a ser chefiado pelo filho do antigo chefe, Joguyroquý, que funda com o grupo uma nova aldeia, agora na foz do rio Avari, no médio Batalha. Nessa região, sofrem novamente com doenças como febre, disenteria e sarampo, além da exploração que passam a sofrer por parte dos colonos. Nimuendaju afirma ter encontrado esse grupo próximo da extinção em 1907 quando, devido ao avanço da estrada de ferro Noroeste, o grupo abandona o Avari, e algumas famílias aceitam se deslocar com ele rio acima, para o Araribá – local que, nas palavras do próprio Nimuendaju (ibidem:13), se converteria “em asilo para os numerosos remanescentes dispersos da tribo Guarani”. Vários grupos dispersos nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Paraná teriam sido levados para lá por ele. Grupos que estavam morando no entorno da região onde foi criado o posto indígena também foram encaminhados para lá, como os que estavam em Itaporanga, Pirajú, Salto Grande e Bauru.

O próprio Nimuendaju, no entanto, menciona que os Guarani não abandonaram totalmente seus antigos locais de ocupação. No final da primeira década do século XX ele menciona a presença de duas aldeias Apapocúva no Iguatemi, bem como a existência de um terceiro grupo que, fugindo dos coletores de mate paraguaios, deslocara-se do Iguatemi para a margem esquerda do rio Paraná, estabelecendo-se na foz do Ivaí. Ainda no Mato Grosso, menciona grupos Apapocúva que, deixando o Ivinhema, onde sofriam com as constantes escaramuças dos Ofaié-Chavante, estabeleceram-se num local chamado Potrero Guaçu, entre os rios Brilhante e Dourados.

No estado do Paraná, na mesma época, menciona a existência de uma aldeia Apapocúva, chamada Itapeva, localizada no rio das Cinzas. Nesse mesmo rio, menciona a presença de grupos menores que, separando-se do grupo acima referido, estabeleceram-se perto de Jacarezinho.

A existência de grupos vivendo foram dos aldeamentos oficiais já tinha sido mencionada no capítulo dois. Mas gostaria de ressaltar aqui que, no caso desses grupos – por exemplo os que são aqui mencionados a partir de Nimuendaju – sua presença nesses locais, ocupando determinados territórios que não estavam oficialmente destinados a eles, se deu através de muitos embates/conflitos. Esses espaços significavam autonomia, mas tal autonomia era mantida através de um estado constante de guerra principalmente contra os não-índios – que, nessa

época, já exerciam grande pressão no sentido de ocupar os territórios indígenas, mas também com outras etnias que, igualmente, estavam sofrendo pressão sobre seus territórios.

E, portanto, tal como podemos deduzir das afirmações do próprio Nimuendaju (1987), os Guarani que aceitaram se deslocar para o Araribá (e isso pode ser estendido a outros grupos, em outras regiões), não o fizeram por livre e espontânea vontade, mas porque essa situação permanente de conflito com os não-índios tornava extremamente difícil a sobrevivência física dos grupos. E à medida que estes grupos foram vivenciando uma situação de tutela no interior dos postos/áreas indígenas, regidos, nessa época, por uma política de integração desses grupos na sociedade branca, eles engendrariam também eles uma política própria, bem como as estratégias para colocá-la em prática134.

No território onde atualmente temos o estado de São Paulo, onde se localiza o Posto Indígena Araribá, há que se mencionar também, ainda nesse início de século, a presença e resistência dos grupos Kaingang que, vivendo num panorama muito parecido com o já descrito para os grupos Jê no Paraná e Santa Catarina135, eram ali alvo de

constantes morticínios por parte da sociedade branca, revidando estes ataques de forma igualmente violenta.

De acordo com Carvalho (1979), nessa primeira década de 1900 no estado de São Paulo a população Kaingang não chegava a 1000 pessoas, os grupos estando concentrados principalmente na margem esquerda dos rios Feio e Aguapeí. As tentativas de contato dos missionários capuchinhos, cuja atuação foi subsidiada pelo governo do estado até 1915 (quando então foi suspensa), não tiveram nenhum êxito. Segundo Horta Barbosa (1913, apud Carvalho, 1979), o reconhecimento dos rios Feio e Aguapeí pela Comissão Geográfica e Geológica do estado só foi possível graças às armas, com perdas para ambos os lados – brancos e índios.

Em 1904, a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil recebeu, através do decreto nº 5.266, a concessão para construir uma estrada de ferro que, partindo de Bauru, chegasse ao sul do Mato Grosso – justamente uma região de circulação/parada de vários grupos 134 Tommasino (1995), por exemplo, apresenta uma análise interessante a esse respeito quando

analisa os movimentos indígenas na região na década de 1980 – movimentos que, segundo ela, teriam mostrado que os grupos indígenas foram capazes de contrapor uma “política indígena” frente à “política indigenista” que a eles imposta. Atualmente, a retomada de antigos territórios (mencionada no capítulo anterior) é um exemplo disso.

135 Conforme os já mencionados trabalhos de Tommasino (1995), Mota (1998) e Santos

indígenas e que, na época, constava nos mapas como “zona desconhecida e habitada por índios” (CARVALHO, 1979). No entanto, foi a região escolhida como ponto de partida para a referida estrada de ferro por ser o ponto final (naquela época) da estrada de ferro Sorocabana e da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. E, justamente, durante as obras de expansão da estrada de ferro Noroeste os trabalhadores teriam sofrido inúmeros ataques dos Kaingang, o que criou uma situação de pânico generalizado entre trabalhadores e colonos na região, de forma que, em alguns períodos, as obras chegaram a ser paralisadas e, em outros, avançaram apenas porque contaram com a proteção de soldados mandados pelo governo (CARVALHO, ibidem).

Os Kaingang foram massacrados em sua tentativa de conter o avanço da linha ferroviária através de seus territórios, pois sua ação desencadearia reações não apenas por parte dos investidores e grupos econômicos interessados nela, mas também do próprio governo federal. Isso porque a estrada de ferro Noroeste não apenas atendia aos interesses expansionistas da economia paulista, como também tinha uma importante função estratégica: a mobilidade criada por ela permitiria ao governo federal estender sua ação político-militar até as fronteiras meridionais e centrais do país.

À medida que os Kaingang eram “empurrados”, o avanço da linha férrea era seguido por um aumento da população branca na região – não apenas nacionais, mas também imigrantes sendo atraídos para lá.

Além da depopulação sofrida em conseqüência dos embates bélicos, os Kaingang, à medida que se viram restritos a espaços cada vez menores e obrigados a um contato cada vez maior com a sociedade envolvente, passaram a sofrer também com as epidemias, causadas principalmente por gripe e sarampo.

A “pacificação oficial” ocorreria em 1912 e, segundo relatório de Horta Barbosa, os Kaingang somavam então uma população de cerca de 700 pessoas, distribuídas em seis grupos distintos (cf. citado em Carvalho, 1979) – população que se veria reduzida, alguns anos depois, “a uns míseros restos do que era em março de 1912” (ibidem) por conta das epidemias.

No final da segunda década do século XX, uma epidemia de gripe espanhola atingiria brancos e índios em várias regiões do Brasil, causando, no caso desses últimos, grande depopulação mesmo entre os grupos mais arredios e nos locais mais afastados (Ribeiro, 1977).

E, justamente, em 1919 os Guarani seriam atingidos por essa gripe, que dizimou sua população, provocando um esvaziamento quase

total do Posto Indígena Araribá. Nos anos seguintes, diante desse quadro e da ameaça de intrusão da área do posto pela população branca, o SPI, na figura de Rondon, decidiu trazer para o local os Terena, que foram deslocados do Mato Grosso (CARVALHO, 1979).

Isso porque nos aldeamentos/postos indígenas onde os Terena já se encontravam, sua dedicação à agricultura e o bom rendimento de suas roças, além de seu engajamento em outras atividades produtivas (tecelagem, olaria, além de sua inserção no mercado de trabalho regional, onde vendiam sua força de trabalho como vaqueiros, operários, etc.) parecia indicar que eles seriam uma “boa influência” para os grupos indígenas de São Paulo – notadamente os Kaingang – dada a política de pacificação/assimilação desses grupos levada a cabo pelo SPI na época. De fato, Carvalho (ibidem) menciona que não apenas os Terena, mas os grupos Aruak de forma geral, tiveram ao longo de seu contato com as frentes colonizadoras um “tratamento diferencial”, sendo sempre engajados na tarefa de amansar/civilizar outros grupos indígenas.

A fixação do grupo no estado de São Paulo teria ocorrido primeiramente no Icatu (área kaingang), estendendo-se posteriormente para Vanuire (também kaingang) e o Araribá, onde chegaram por volta de 1930, passando a ser a etnia dominante, já que os Guarani tinham sofrido intensa depopulação. As duas populações sempre conviveram entre si de forma pacífica. Há que se mencionar também a presença Kaingang no Araribá – ainda que pequena – através de casamentos/alianças.

Atualmente, a área total da terra indígena Araribá está divida em áreas distintas, ocupadas cada qual por uma das etnias (a parte guarani sendo chamada de TI Nimuendaju). Durante minha pesquisa, era recorrente entre os entrevistados que já tinham morado no Araribá a idéia de uma “superioridade” dos Terena, “mais trabalhadores que os Guarani” – conseqüentemente sua “parte” do Araribá sendo mais produtiva e sua população detendo melhores condições econômicas.

Dos grupos Tañyguá, Oguauíva e Apapocúva teriam saído as principais frentes migratórias em direção ao leste e que, tal como já