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O aspecto festivo das avenidas, praças e clubs

Parte I AS THERMAS E A VIDA BALNEÁRIA

1.2 O aspecto festivo das avenidas, praças e clubs

Era sempre assim. As estações começavam em março e setembro e os jornais “A Justiça” de Pedro de Castro, “A Vida Social” de Tavares Hovelacque, noticiavam a reabertura dos principais cassinos da cidade: Gibimba Club, Radium, Polytheama, Club Globo, Club Grand Hotel, Bridge Club e o cassino do Grande Hotel Liberdade.

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COELHO, Op.cit. p. 13

Figura 7: Cine Theatro Polytheama em Poços de Caldas em 1911.

Por aqui passaram grandes celebridades da musica, do teatro e do canto, como o trágico italiano Gustavo Salvini, Cia Teatral Procópio Ferreira, Lizon Gaster, Companhia de Operetas Zaparoli, Alberto Capozzi, Troupe Lili Putianos e outros tantos.

Á noite, a cidade apresentava-se “adoravelmente encantadora com o intenso “footing” de suas principais avenidas e praças, e o ruído vertiginoso e incessante das musicas de seus jazz-bands, exóticas e barbarescas”156

complementavam a cidade médica, literata e sonora.

Havia vozes dissonantes nesse lugar. A primeira roleta trazida a Poços não “tinha bolandeira e era uma espécie de bojo, contendo trinta e três bolas, de onde se destacava o número premiado, que vinha rolar para cima do pano”157

. Distração simplista e bem diferente daquelas anunciadas nos referidos jornais. A partir dos anos vinte, a cidade hidromineral que tinha encontrado em suas diversões parte oficial das prescrições médicas desde o final do século XIX, era agora a cidade dos grandes espetáculos mundiais, como na apresentação da Mme. Gabriela Besanzoni-Lage158. Artista lírica de renome mundial, a cantora era considerada naquele tempo, o melhor contrato do presente, pois figurava como estrela de grande atração nos principais teatros líricos do mundo, como o Metropolitano de Nova York, o Scala de Milão, e o Municipal do Rio de Janeiro. Suas exibições custavam uma fortuna para as empresas teatrais.

156 Jornal Vida Social. Poços de Caldas 11 de janeiro de 1925. n° 373 Ano IX. Aspas do jornal. 157 MOURÃO, Mário. Poços de Caldas. Síntese Histórico-Social. 2 ed. 1952. Minas Gerais, p. 43 158

Jornal Vida Social. 08 de março de 1925. n°381. Ano IX

Figura 8: Jazz-Band do Cassino “Ao Ponto” em 1925. Vê-se na foto junto

com os músicos a presença do proprietário da casa de diversões sr. Nico Nuarte com o n°1 – o n° 2 identifica Ari Barroso. Fonte: Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas.

As jazz-bands159 da capital animavam e ensurdeciam veranistas e moradores. Os primeiros animados com o fox-trot se divertiam quase o dia inteiro nas casas de jogos e diversões, e os segundos apreciando a algazarra barulhenta da música alegre e triste das estações contemplavam a cidade, quando tudo ficava “quieto, silencioso, com suas manhãs branquinhas de geada, suas tardes amarelas, suas montanhas muito altas e muito verdes, suas praças desertas e seus hotéis vazios, como é bonito assim... Ao menos é mais da gente... Que graça a “cidade de todo mundo”.160

Nos anos vinte, Poços de Caldas havia se transformado em um dos principais centros diversões do país, ao lado de cidades como Santos, Rio de Janeiro e São Paulo. A diferença pairava exatamente no valor curativo das águas e nos instrumentos diretos de condicionamento ou modelação, de adaptação do indivíduo161 a modos específicos de comportamento, cuja situação nas estações das águas, faziam-se necessários. Como bem coloca Carlos da Maia, essa modelação do indivíduo às estações das águas, acontecia já no momento da partida da viagem, quando esses banhistas, impelidos pelas propagandas miraculosas e modernas dessa cidade, adaptavam-se a um estilo de vida, em que o vestuário tornava-se peça indispensável do espetáculo desse lugar, sempre centrado no sofrimento e prazer de seus visitantes. Antero Pedreira, personagem do romance de João do Rio, também não deixa de registrar esses indivíduos que “são os escravos da moda. Absolutamente figurinos, gravuras da Vie Heureuse162. Dá vontade de apalpá-los a ver se são mesmo de carne e osso.”163 Em algumas propagandas jornalísticas encontrei determinados hotéis que não exigiam trajes a rigor como condição obrigatória para a estada na estação164. Tanto na literatura quanto nas fontes impressas, as descrições, ou melhor, as imagens da cidade balneária eram escritas com uma elegância que fazia crescer o desejo de visitar essa localidade. É claro que esse jogo de imagens e emoções descritas nas cidades das águas, fazia parte de uma estratégia de convencimento ou de conhecimento das futuras cidades que outrora

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De acordo com Tiago Melo Gomes, as jazz-bands eram uma das grandes febres dos anos 20. O termo teria se alastrado com grande variedade no período do pós-guerra e referenciava-se às chamadas “danças modernas”, principalmente o fox- trot e o one-step, o charleston, o shimmy e o cake-walk. Cf: GOMES, Tiago de. Como eles se divertem (e se entendem)

teatro de revista, cultura de massas e identidades sociais no Rio de Janeiro dos anos 1920. Tese de doutorado em

História apresentada ao Departamento de História do IFCH da Unicamp em 2003.

160 Jornal Vida Social. 11 de maio de 1924. n° 338 Ano VIII. Depoimento do morador G. Ferreira. Aspas do autor. 161 ELIAS, Op. Cit. 95

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“Revista mundana francesa (Vida Feliz) que disputava com a Gazette du Bom Ton (Gazeta do Bom Tom) a ditadura das elegâncias art noveau /art déco.” In: RIO, Op. cit. p. 124

163 RIO, João do. Op.cit. p. 7

164 Propaganda do Palace Hotel na Revista Medicamenta. Ano X, n° 113,p. 123 onde se lê: Poços de Caldas: os maiores,

mais luxuosos e confortáveis palácios da América do Sul. Abertos todo o ano. Lindíssimos parques – estação de cura, repouso e diversões. Absoluto conforto, sem exigência de traje de rigor.

iam sendo construídas. Ainda no começo do século XX, não havia no Brasil o que se podia chamar de uma cidade hidromineral.

Existiam fontes que curavam, ranchos e banheiras de madeira que acomodavam e médicos e literatos que juntos chamavam a atenção dos governantes para a remodelação dessas vilas ou cidadezinhas do interior, que já eram afamadas pelas curas das suas águas santas ou milagrosas.

Na literatura, autores renomados que visitavam “às Caldas” iniciavam sempre o seu romance ou suas crônicas com a graça pitoresca que dava feição ao lugar. Era como se o leitor, na posição de viajante pudesse ver em muito pouco tempo, instantes de vários lugares descritos na paisagem e nas coisas sabidas e inúteis do caminho que levaria à cura e ao prazer. As paisagens, os montes, as cascatas, os rios, as lagoas e os vales, faziam parte de tudo que pudesse atrair o desejo de visitar aquela cidade, ainda campo, onde as últimas novidades da modernidade como a “campanhia e a luz electrica, os banheiros com água corrente em todos os quartos e hygienicas installações sanitárias, salas de danças com orchestra, durante o dia e a noite e mobiliário de primeira ordem”165 fossem os únicos motivos que pudessem entreter curistas e veranistas, e até curiosos nessa viagem erudita. Importante colocar que tanto em Santos, como no Rio ou em São Paulo, era possível encontrar esse cabedal de divertimentos como os cabarés, os teatros e os cassinos. Mas em Poços de Caldas, para, além disso tudo, havia mais. Havia uma água que como cura comprovada ou álibi terapêutico, proporcionava àqueles que chegavam o prazer de desfrutar de um novo corpo de sensações, onde o próprio corpo configurava-se como elemento central.

As banheiras, cabines individuais, ofereciam aos curistas e veranistas no momento privativo de seu banho, a possibilidade de desfrutar de sensações que só a água sulfurosa poderia oferecer. Desde os tempos de Olavo Bilac, o banho sulfuroso já era descrito de uma maneira poética, quase mítica. Bilac dizia:

Ao lado do Hotel da Empreza, as thermas rumorejam, cheias da multidão jovial dos banhistas. É a hora, entre todas amável, em que os corpos, enferrujados pelo excesso do trabalho ou do prazer se vão entregar á acção do banho unctuoso e callido, cuja caricia voluptuosa faz lembrar a do olhar da Sulamita, segundo o

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ardente poeta do Cântico dos Cânticos: “é doce...porém tão doce, como se um óleo nos fosse escorrendo pela pelle...”166

Mas como Poços de Caldas não era apenas uma cidade que nascia através do sofrimento de vários doentes, tão logo, tornou-se freqüente a propaganda metaforizada de outros poetas, entre esses, àquele Coelho Netto, que a comparava à “água da Juvencia”, cujo banho de enxofre provocava a sensação “da macieza de um banho de leite”.167

Assim, como água de cura e de juventude, os banhos antes indicados apenas por médicos cresciam em notoriedade, graças às palavras proféticas desses literatos, que ao visitarem a estação da cura, deixavam e levavam consigo, as mais agradáveis, inebriantes e esquisitas sensações daquele banho quente.

Esse sentimento deleitoso de bem-estar despertado nas pessoas que usavam essas fontes de águas termais,já era recorrente nas inúmeras lendas de fontes poéticas e curativas da mitologia grega. Aganipe, Patras, Hebe e Juno168 enquanto lendas significavam o poder simbólico de suas águas metamorfoseadas nas figuras da juventude, da beleza, da criação divina e do restabelecimento da virgindade. A lenda da fonte Hipocrene ou fonte do cavalo, é aquela que explica o surgimento das fontes termais e suas virtudes terapêuticas, quando Pégaso, o cavalo alado, acerta um coice no monte Hélicon. Após a patada mitológica segundo a lenda, o monte fez jorrar séculos afora, essa água quente repleta de poderes curativos.

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