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A cidade termal : ciencia das aguas e sociabilidade moderna entre 1839 a 1931

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Mestrado em História

Jussara Marques Oliveira Marrichi

A CIDADE TERMAL: CIÊNCIA DAS ÁGUAS E SOCIABILIDADE

MODERNA ENTRE 1839 A 1931

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Bibliotecária: Marta dos Santos CRB nº 5892

Título em inglês: The thermal spa town: the science of the water and modern sociability between 1839 a 1931

Palavras chaves em inglês (keywords) :

Área de Concentração: Política, Memória e Cidade

Titulação: Mestre em História

Banca examinadora:

Data da defesa: 17-08-2009

Programa de Pós-Graduação: História

ii

Thermal spa town Civilizing process Sociability

Edgar Salvadori De Decca, Silvana Barbosa Rubino, Maria Lucia Abaurre Gnerre, Maria Stella Martins Bresciani, Cristina Meneguello

Marrichi, Jussara Marques Oliveira

M349c A cidade termal: ciência das águas e sociabilidade moderna entre 1839 a 1931 / Jussara Marques Oliveira Marrichi. - - Campinas, SP : [s. n.], 2009.

Orientador: Edgar Salvadori De Decca.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Balneários. 2. Processo civilizador. 3. Sociabilidade. I. De Decca, Edgar Salvadori. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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JUSSARA MARQUES OLIVEIRA MARRICHI

A CIDADE TERMAL: CIÊNCIA DAS ÁGUAS E SOCIABILIDADE

MODERNA ENTRE 1839 A 1931

Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Campinas, realizada sob a orientação do Prof. Dr° Edgar Salvadori de Decca.

Este exemplar corresponde à redação da Dissertação defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em 17/08/2009

Banca examinadora:

Prof. Dr° Edgar Salvadori de Decca Prof. Drª Silvana Barbosa Rubino Prof. Drª Maria Lucia Abaurre Gnerre

Prof. Drª Cristina Meneguello (suplente)

Prof. Drª Maria Stella Martins Bresciani (suplente)

Agosto/2009

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RESUMO

Esta dissertação analisa a origem das cidades hidrominerais brasileiras tomando como referência o processo de construção simbólico de suas águas medicinais atrelado à emergência e experiência da sociabilidade moderna em nosso país. Partindo do primeiro estabelecimento termal construído na América Latina no ano de 1931, na cidade de Poços de Caldas, sul do estado de Minas Gerais, buscou-se compreender o envolvimento e distanciamento do homem com relação às suas próprias emoções frente ao meio natural. Foi, portanto, através de uma visão muito particular centrada na teoria do processo civilizador de Norbert Elias, que a água quente e sulfurosa foi transformada em objeto de estudo histórico nesse trabalho. Buscou-se compreendê-la como forte processo civilizador na construção de cidades e também como instrumento direto de condicionamento e modelação de adaptação do indivíduo a modos específicos de comportamento, em um tempo-espaço onde ela tornou-se elemento central.

Palavras chaves: história - cidade termal – processo civilizador - sociabilidade moderna.

ABSTRACT

This dissertation analyses the origin of the Brazilian thermal spa towns having as reference the symbolic process of medicinal water linked to the emergence and the experience of modern sociability in our country. Starting with the first thermal spa place built in Latin America in 1931,in the town of Poços de Caldas, in the south of Minas Gerais, seeking to understand the involvement and distancing of men in relation to their own emotions toward the natural environment. It has been, therefore, through a very peculiar vision centered in the theory of the civilizing process of Norbert Elias ,that the hot

springs were transformed into the object of historical study in this paper. With the objective of

understanding them as a great civilizing process in the construction of towns as well as a direct way of

conditioning and modeling of adaptation of the individual to specific ways of behaving ,in a time-space

where they have become the central element.

Key-words: history - thermal spa town - civilizing process - modern sociability

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AGRADECIMENTOS

Há exatamente três anos tive o meu primeiro contato com a Unicamp. Fazer um mestrado, aliás, um mestrado em História e, diga-se de passagem, nesta reconhecida universidade brasileira, não era somente um projeto de vida. Era mais do que isso. Era um sonho anteriormente interrompido e muitas vezes inacessível. E em vários momentos questionaram-me porque eu não sonhava com coisas possíveis. E eu dizia: porque as coisas possíveis não são sonhos, são realidades. E o mestrado para mim, ainda não era uma realidade.

E é por isso que hoje, ao escrever as últimas linhas desta dissertação, não posso deixar de agradecer algumas pessoas especiais. Primeiramente ao amigo Fernando Antonio Abrahão que tanto me ajudou a realizar os primeiros contatos na universidade. Foi através dele que em 2006 ingressei na Unicamp como aluna ouvinte da Professora Olga Rodrigues de Moraes von Simpson, que ao saber do meu interesse pelo curso de História, logo indicou-me para a Professora Silvana Barbosa Rubino que também me aceitou como sua aluna ouvinte na disciplina de Tópicos Especiais em História I no primeiro semestre de 2006. Já disse isso certa vez à Professora Silvana Rubino, mas chegando ao fim deste mestrado faço questão de deixar documentado. Foi pelas suas aulas, pelo seu imenso conhecimento e também por sua inesgotável gentileza que segui adiante no primeiro semestre de 2006, quando na verdade, tudo parecia ainda mais difícil e complicado do que já era. Suas aulas me inspiraram pelo estudo do fenômeno urbano e hoje o resultado aqui se apresenta. Obrigada também pelas importantes considerações na banca de qualificação.

Ao casal de historiadores Eliane Morelli Abrahão e Fernando Antonio Abrahão, que me receberam agradavelmente em sua casa durante os meses de aluna ouvinte e também durante os dias do processo seletivo no segundo semestre de 2006, agradeço a amizade e a hospitalidade.

Ao meu orientador, o Professor Edgar Salvadori de Decca, um agradecimento todo especial. Obrigada por ter acreditado em mim naquele processo seletivo e confiado um trabalho tão importante diante de suas expectativas. Mas não é só isso. Obrigada principalmente pelas palavras de incentivo e amizade, pelas explicações às vezes desnecessárias e pelas inúmeras vezes em que me recebeu no seu gabinete de trabalho sempre atarefado. Obrigada principalmente pelas aulas particulares (que

privilégio!) e por fazer do meu sonho uma realidade hoje vivenciada. A aprovação no mestrado foi uma

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Aos queridos amigos: Rosaelena Scarpeline e família, e Marco Henrique Zambello, amigos atentos e prestativos, ouvintes e pacientes e leitores atentos do meu trabalho. O mestrado nos traz oportunidades e conseqüências. Mas ainda bem que nos traz os verdadeiros amigos, pessoas especiais que nos ajudam, quando na verdade, outros amigos não nos compreendem e acabam sumindo do mapa! O meu sincero agradecimento por tudo. Vocês me ajudaram muito e estiveram comigo em todos os momentos destes dois anos e meio de caminhada. Muito obrigada!

Agradeço também aos amigos do primeiro ano de mestrado: Simone Tiago Domingos, Juliano da Cunha Reginato e Adriana Lucena, pelos momentos agradáveis, cômicos e difíceis que compartilhamos juntos. E também aos amigos de Teoria da História e outras disciplinas ao longo desses anos entre eles, Flávia, Lizandra, Fernanda Tozzo, Henrique, Kelly, Rafael e Rosivaldo que também muito me ajudaram e logo se mostraram amigos desde o primeiro dia de aula. Às amigas Fernanda, Carolina e Ana Chaves pela paciência e conforto nos momentos difíceis.

Um sincero agradecimento à Professora Cristina Meneguello pelas observações durante a banca de qualificação e também pelo apoio constante e incentivo durante o curso de mestrado. À Professora Maria Stella Martins Bresciani pelo carinho, às Professoras Izabel Marzon e Cristina Lopreato e também aos Professores Daniel Faria e Marcos Tognon pelas aulas produtivas.

À Professora Maria Lucia Abaurre Gnerre por aceitar tão prontamente o convite em participar da minha banca de defesa.

Agradeço também à diretora das Thermas Antonio Carlos, Teresa Cristina Alvise, à amiga Elisa e a todos os funcionários que me ajudaram nestes anos de pesquisa, em especial Bruno, Bira, Evandilma e Alessandra. Aos amigos do Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas, entre eles, Lourival, amigo constante na busca de informações. À minha querida professora de francês, Iole Vitti, pelo ensino dessa língua.

Aos meus pais e irmãos pelo incentivo e por se preocuparem nos momentos de tensão, e às famílias Marques de Oliveira, Marrichi e Veronesi, pelo apoio e por entenderem os momentos de ausência. Ao meu sogro por ter feito o contato inicial junto ao seu amigo Fernando.

À Capes pelo apoio financeiro, imprescindível nesta pesquisa.

E por fim, um agradecimento afetuoso e especial para alguém que sonhou comigo e me incentivou em todos estes momentos, principalmente naqueles em que eu achava que nunca iria concluir este mestrado: meu marido Claudinho. Sem ele, sei que seria impossível!

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APRESENTAÇÃO

Esta dissertação tem um uma característica muito especial. Fruto de um desafio proposto a mim, logo no primeiro contato com o meu orientador, o historiador Edgar Salvadori de Decca, a narrativa ora apresentada refere-se a um total autocontrole das emoções humanas. Em 2007 quando ingressei na universidade como aluna regular, minha proposta inicial era estudar os motivos da transformação do espaço urbano de Poços de Caldas a partir da instalação de uma grande multinacional na década de setenta, e que como conseqüência, havia colaborado para a construção do primeiro conjunto habitacional naquela cidade, uma cidade das águas. Minha preocupação estava em dar voz e visibilidade àquelas memórias às quais denominamos subterrâneas e que por tantas vezes encontram-se silenciadas ou marginalizadas pela história e memória oficial de várias cidades. Minha proposta era entender um outro lado da história urbana dessa cidade a partir de memórias individuais, ou melhor, do ato de rememorar na perspectiva da própria experiência daqueles que narram a sua experiência

vivida1.

No entanto, a pesquisa tomou outro rumo diante do desafio lançado. A proposta de estudar a origem das cidades hidrominerais brasileiras tendo como referência o processo de construção simbólico de suas águas medicinais atrelado à emergência da experiência e sociabilidade moderna no país, apareceu naquele momento para mim, como o desafio de entender o tão discutido ofício do historiador. Afinal, eu estava iniciando um novo caminho na minha vida profissional. Era preciso entender a produção do conhecimento histórico enquanto narração do passado. Era preciso distância. E no meu caso particularmente, era preciso entender a polêmica discussão acerca da história e da memória para compreender os passos necessários na construção desta dissertação.

Assim, aceito o desafio, os anos seguintes passaram-se debruçados sobre livros e documentos pesquisados nos acervos do Instituto Cultural do Termalismo nas Thermas Antonio Carlos e também no acervo pessoal do médico Pedro Sanches de Lemos no Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas.

1 DECCA, Edgar Salvadori de. História, Acontecimento e Narrativa. In: PINHEIRO, Áurea da Paz (org). Cidade, História

e Memória. Teresina, 150 anos ANPUH. Teresina: EDUFPI, 2004. p. 20

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Assim, o trabalho que ora se apresenta, longe de querer escrever uma outra história da cidade de Poços de Caldas, ou então somente a história das águas de Poços de Caldas adquire proporções diferentes. Porque é através do primeiro estabelecimento termal construído no Brasil em 1931 na cidade de Poços de Caldas, (e aqui se explica porque a pesquisa toma o espaço urbano deste lugar como ponto inicial do trabalho) que à distância olhamos para o passado a fim de interrogar diferentes tipos de documentos que nos possibilitassem construir uma narrativa histórica onde a água quente e sulfurosa foi transformada em forte processo civilizador na construção de cidades e também como

instrumento direto de condicionamento e modelação de adaptação do indivíduo a modos específicos de

comportamento, em um tempo-espaço onde ela tornou-se elemento central. Assim, ao invés de narrar este acontecimento somente na perspectiva da memória (individual ou coletiva), buscamos o conhecimento histórico que se opera na perspectiva da distância2, contando aquilo que não vivemos, não experimentamos e, portanto, de fora daquilo que aconteceu3. Desta maneira, “A cidade termal: ciência das águas e sociabilidade moderna entre 1839 a 1931” seguiu apoiada na mudança de

sensibilidades que ocorreram nos homens principalmente a partir do século XVIII em relação ao meio natural. Em sua primeira parte “As Thermas e a vida balneária”, buscamos demonstrar como a remodelação urbana de Poços de Caldas parecia ser o fim de uma longa luta travada no tempo e no espaço por várias gerações de médicos que sonharam em ver em terras brasileiras imagens das cidades termais européias.

Tomando a Revista de Hydrologia e Climatologia Medicas4 de 1931 como documentação histórica, avaliamos o discurso médico que desde 1922 (época de sua fundação) tinha por finalidade inserir cidades de águas brasileiras na propaganda do turismo, tanto nacional quanto internacional, aumentando sua visibilidade e desenvolvendo estéreis lugares, que não passavam de pequenos aglomerados rurais no interior de nosso país. Amparada por contos5 e crônicas literárias6 e mais

2 DECCA, Edgar Salvadori de. Op.cit. p. 22 3 Idem, p. 22

4 Revista de Hydrologia e Climatologia Medicas. Anno 1, n°1, jan-março de 1931. Supplemento da Medicamenta.

Revista para médicos e pharmaceuticos. Director – proprietário Dr. Theophilo de Almeida. Anno X, número 106. Março de 1931.

5 NETTO, Coelho. Água de Juventa. 3 ed. PORTO: Livraria Chardron, de Lélio & Irmão, ltda. 1925 e também BILAC,

Olavo. Ironia e Piedade. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916.

6 MAIA, Carlos da (pseud.). Uma estação em Poços de Caldas, crônicas publicadas n’ O combate, de São Paulo, em

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especificamente pelo romance histórico de João do Rio, A correspondência de uma estação de cura7, escrito em 1917 e publicado pela primeira vez em 1925, tentamos demonstrar algumas temporalidades históricas que conviviam e se sobrepunham nas cidades termais do Brasil, como por exemplo: a medicinal e a do lazer. Enquanto a primeira pontuava como deveria ser uma estação de cura no país, a segunda definia imagens de uma cidade moderna e civilizada construída para a recepção de inúmeros curistas e turistas dispostos a participarem da vida das estações.

Na segunda parte da dissertação “As águas escondem tantos mistérios!”, a intenção foi buscar historicamente os possíveis sentidos simbólicos atribuídos às águas termais brasileiras no intuito de compreendê-los enquanto processo civilizador construtor de cidades, e hábitos comportamentais criados e instituídos em nosso país durante o período estudado. Buscamos compreender como e por que Poços de Caldas e outras cidades foram então construídas e chamadas hidrominerais ou termais. O ponto de partida se deu através da primeira notícia publicada em uma revista científica8 em 1839, quando o governo de Goiás encomendou pesquisas a um médico italiano a respeito das curas que se realizavam naquele lugar por águas consideradas medicinais, oficializando assim, o começo do estudo científico de nossas águas termais.

A partir de teses médicas e estudos científicos surgidos em meados do século XIX foi possível encontrar documentação histórica suficiente para demonstrar a maneira como os indivíduos reagiram frente à descoberta das águas quentes. Através de diversos relatos foi possível perceber o envolvimento e distanciamento com relação às suas próprias emoções frente ao seu meio natural. Esse envolvimento e posterior distanciamento possibilitaram a ocorrência de diversas imagens mentais que ora configuraram-se em idéias de águas santas, ora na idéia de águas que lembravam o diabo. Foi, portanto, pela sociologia das emoções de Norbert Elias que a segunda parte da pesquisa pretendeu dar conta de explicar, de que maneira esse distanciamento e posterior autocontrole das emoções humanas diante de uma situação que se apresentava ameaçadora, levou o homem a um conhecimento popular a respeito das águas medicamentosas. E de que maneira esse conhecimento e maior envolvimento com as águas que curavam no interior do país, antecedeu o conhecimento médico sobre as águas medicinais a partir do século XIX no Brasil. Há de se dizer que o processo de entendimento de todas essas teses médicas que versavam sobre a cura hidrológica em nosso país, só foi possível graças ao entendimento

7 RIO, João do. A Correspondência de uma estação de cura. Romance de João do Rio. 3ª ed. Instituto Moreira Salles –

Casa da Cultura de Poços de Caldas: Scipione, 1992.

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do que veio a ser e como surgiu o Termalismo Científico nos países europeus a partir de meados do século XIX. Analisamos então, o surgimento da Hidrologia Médica na França, e a maneira como esse saber constituiu-se em ciência entre a segunda metade do século XIX e começo do século XX. Investigamos como essa circulação de idéias aportou em nossas terras e como o saber termal foi lido e compreendido pelos médicos brasileiros que acreditavam na cura pelas águas. Graças à biblioteca pessoal dos médicos, Pedro Sanches de Lemos e Benedictus Mário Mourão e de diversos manuais de hidrologia médica de meados do século XIX, compreendemos os diversos empregos da água medicinal aplicada no interior das estações termais e consequentemente, como esse emprego definiu o planejamento e construção das futuras cidades hidrominerais brasileiras.

Já na terceira e última parte da pesquisa, “Vinde, ó combalidos! Vinde que a fonte de juventa

vos espera!”9

, retomamos o estudo do espaço urbano de Poços de Caldas demonstrando uma rede de

hábitos comportamentais que propagavam um modelo específico de condutas conquistadas através da

cura hidromineral e que definiu a ocorrência e a emergência da sociabilidade moderna em nosso país.

Poços de Caldas, já eleita por um grupo específico da sociedade brasileira, inicia, portanto a remodelação urbana de seu espaço em torno das fontes termais. Assim, na última parte da dissertação nossa intenção foi demonstrar a água enquanto processo civilizador na construção de cidades e

também enquanto processo civilizador no autocontrole das emoções humanas diante do ritual das

águas termais, evidenciando a formação de um palco de tensões em que as emoções oscilavam entre antagonismos e tensões, desdobrando-se em ações que indicavam, limitavam e decidiam a liberdade de cada indivíduo na cidade termal.É também nesta última parte que pretendemos demonstrar como a imagem de uma cidade de cura transformou-se em imagem da cidade de vilegiatura com todas as suas possíveis diversões, tendo dentre várias conseqüências a assimilação da prática esportiva como elemento principal dentro da argumentação das estações a partir dos anos trinta do século passado. Sendo assim, é justo dizer que esta pesquisa só foi possível graças aos acervos citados anteriormente. O primeiro, localizado no Instituto Cultural do Termalismo, constituiu-se diante da doação feita pelo crenólogo Benedictus Mário Mourão no dia 22 de janeiro de 1992 ao espaço balneário onde ele passara toda a sua vida, estudando e clinicando a partir da água termal. Em março de 1986 a sua última contagem revelava um conjunto de 1260 obras referentes ao estudo do Termalismo no mundo moderno. Os livros, alguns sem datas, outros da metade do século XIX, tinham vindo das

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precursoras cidades termais européias como Vichy, Lyon, Caldas da Rainha, Mont-Dore, Cauterets,

Baden-Baden entre outras, e uma grande parte referia-se à história e formação das cidades

hidrominerais brasileiras também a partir da segunda metade do século XIX.

Benedictus Mário Mourão nasceu em Poços de Caldas, “a duzentos e cinqüenta metros de uma fonte termal”10

. Ainda jovem foi aluno de Renato de Souza Lopes no curso de Crenologia da Faculdade Nacional de Medicina, na Universidade do Rio de Janeiro. Doutorou-se pela mesma universidade em 1932 transformando-se em um dos mais renomados crenólogos brasileiros do século passado.

Ao longo de sua vida escreveu muitos trabalhos médicos e literários sobre as águas minerais. Proferiu aulas e conferências, freqüentou congressos nacionais e internacionais, “apresentando em todos comunicações, notas prévias ou trabalhos originais”11

. Participou de projetos de termas e de estâncias hidrominerais na qualidade de chefe de equipe no setor referente ao Termalismo, além de ter sido o consultor técnico “do FUMEST para a implantação do Balneário de Águas da Prata”12

, no estado de São Paulo. Trabalhou como assessor-científico em indústrias de equipamentos hidroterápicos tornando-se membro correspondente da Academia Nacional de Medicina, da Academia de Medicina de São Paulo e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Foi também diretor do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Termalismo. Aos setenta anos de idade, na justificativa de um dos seus maiores trabalhos científicos13, Benedictus Mário Mourão escreveu: “Talvez, como crenólogo, sem nunca ter desmerecido meus princípios e ideais, eu seja um dos últimos moicanos em nosso país”.14 O médico faleceu com pouco mais de noventa anos no início de 2007.

Parte da coleção pertencia à biblioteca de seu pai, o crenólogo, Mário Mourão. Nascido em 1877, amigo e colega de profissão de Pedro Sanches de Lemos, os dois acervos constituem hoje, quiçá, o maior acervo sobre as cidades hidrominerais brasileiras.

Foi assim, que sem pretender uma explicação geral e única sobre a origem e formação das cidades hidrominerais brasileiras, esta dissertação buscou na narração suporte para a construção de um conhecimento histórico a partir da sociologia das emoções de Norbert Elias, capaz de lançar um outro

10 MOURÃO, Benedictus Mário. Termalismo Médico no Brasil. 1982. Vol. I Parte I. p.13 11 Idem p.13

12

Ibidem p.13

13 Benedictus Mário Mourão escreveu a obra Termalismo Médico no Brasil, um composto de dois volumes que

contemplam 71 capítulos sobre a história do termalismo médico brasileiro. Juntos, os dois volumes chegam a 1492 páginas. Outro trabalho significativo chama-se Estâncias Hidrominerais, Turismo, Curismo e Assuntos Correlatos cujo primeiro volume data de 1971 chegando ao trigésimo volume em março do ano 2000.

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olhar sobre o desenvolvimento dos modos de conduta, de todo aparato social, cultural e intelectual que se formou a partir da água termal enquanto processo civilizador em meados do século XIX até o ano de 1931, espaço-tempo desta dissertação.

À literatura coube a “procura de uma coerência imaginada baseada na descoberta de laços e nexos, de relações e conexões entre os dados fornecidos pelo passado.”15 Imaginada ou fictícia, dependeu é claro, “parcialmente, dos próprios dados, mas também da plausibilidade de uma significação possível, imaginada pelo escritor/historiador de tal maneira que o leitor”16 fosse capaz de

reconstruí-la a partir desta narrativa. Sendo assim, a construção desse mundo ou “mundos reais”, de realidades possíveis, a sua plausibilidade, dependeram também, do contexto histórico real no qual eles

foram produzidos e na maneira de como seriam reproduzidos por vocês, nossos leitores.17

15 DECCA, Edgar Salvadori de; LEMAIRE, Ria (org). Pelas Margens – Outros caminhos da História e da Literatura.

Campinas, Porto Alegre: Ed. da Unicamp, Ed. da Universidade – UFRGS, 2000. p. 10

16 Idem p.10 17

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 01

Parte I - AS THERMAS E A VIDA BALNEÁRIA ... 23

1.1 A estação das águas ... 29

1.2 O aspecto festivo das avenidas, praças e clubs... 35

1.3 Entre a cura e o prazer ... 39

1.4 Vim tomar banhos de enxofre, só tomei banhos de pó ... 48

Parte II - AS AGUAS ESCONDEM TANTOS MISTÉRIOS! ... 53

2.1 As fontes milagrosas ... 55

2.2 Os primeiros relatórios ... 62

2.3 O termalismo científico ... 72

2.4 Relatos de cura, novos prazeres e desprazeres ... 83

Parte III – VINDE, Ò COMBALIDOS! VINDE QUE A FONTE DE JUVENTA VOS ESPERA! ... 95

3.1 Imagens e memórias fotográficas das cidades hidrominerais Brasileiras entre final do século XIX e início do século XX ... 95

3.2 A água enquanto processo civilizador e a apropriação do espaço urbano ... 110

3.3 Poços de Caldas: a conquista dos espaços através da água termal ... 113

3.4 Sociabilidade e formas de alteridade na cidade de cura ... 118

3.5 O espaço balneário: do terapêutico ao lúdico ... 127

3.6 A viagem científica e as grandes obras: “Um pedaço da Suissa na Terra Brasileira” ... 131

3.7 O esporte como elemento determinante dentro da argumentação da Estação ... 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 147

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Dr. Delfim Moreira quando presidente do estado de Minas Gerais visita

Poços de Caldas no ano de 1919 ... 2

Figura 2: Um banho público de homens na Grécia ... 4

Figura 3: Dama grega em sua toillete... 5

Figura 4: Thermas de Bath na Inglaterra ... 12

Figura 5: Reprodução do quadro a óleo de F. E. Taunay encontrado no catálogo da exposição de pintura da Escola de Belas Artes no ano de 1862, representando o descobrimento das águas thermaes de Pirapetininga (Goiás)... 17

Figura 6: Propaganda da inauguração das Thermas Antonio Carlos em 1931 ... 23

Figura 7: Cine Theatro Polytheama em Poços de Caldas em 1911 ... 35

Figura 8: Jazz-Band do Cassino “Ao Ponto” em 1925 ... 36

Figura 9: Cidades de Verão. Poços de Caldas. A famosa estação de águas de Minas... 44

Figura 10: Inauguração da primeira Thermas em Poços de Caldas em 27 de abril de 1919 .. 48

Figura 11: Planta feita pelo Dr. João Maurice Faivre para orientar os pontos notados dentro de seu trabalho sobre as causas da gota e da morféa indicando as fontes de águas termais em 1842 em Goiás ... 56

Figura 12: Gravura da lagoa denominada “Santa” encontrada na Vila Rica de Nossa Senhora da Conceição do Sabará em 1749 ... 59

Figura 13: Análise Química das águas de Caxambu de 1873 a 1894... 63

Figura. 14: Estátua da abundância encontrada em Néris ... 64

Figura 15: Banho da deusa Vênus ... 68

Figura 16: Gravura representando o Rei Davi quando ele se apaixona por Betsabée em seu Banho ... 68

Figura 17: Ranchos de madeira onde os curistas tomavam seus banhos de águas termais no final do século XIX e início do século XX ... 69

(16)

Figura 18: Ranchos de capim e banhistas em Caldas do Cipó na primeira metade do

século XX ... 71

Figura 19: Congresso de Medicina realizado no ano de 1900 em Paris para discussão das estações hidrominerais e climáticas da França ... 72

Figura 20: Max-Durand-Fardel ... 74

Figura 21: Michel Bertrand ... 74

Figura 22: Cura florestal em Arcachon, 1910 ... 76

Figura 23: Após o banho carbo-gasoso, a doente entra em sua cadeira alugada e retorna ao hotel onde descansará por uma hora ... 76

Figura 24: A doente desce em uma maca para sua banheira individual onde ficará por uma hora. Tratamento realizado nas Thermas de Néris, planalto central da França ... 77

Figura 25: Cauterets no século XVIII ... 79

Figura 26: Fonte e pavilhão das águas em Vichy no século XVIII ... 81

Figura 27: Trajes de banho ... 81

Figura 28: Banhos de vapor local em Aix 1910 ... 82

Figura 29: Ducha massagem em Aix 1910 ... 82

Figura 30: Saint-Armand: doentes tomam seus banhos de lama no interior da rotunda, 1910 ... 82

Figura 31: Piscinas de água mineral em Bains-les Bains, 1910 ... 82

Figura 32: Dr° Pedro Sanches de Lemos e Dr° Rui Barbosa quando da sua segunda visita a Poços de Caldas em 1910 ... 94

Figura 33: Balneários de Caxambu no final do século XIX ... 95

Figura 34: Fonte Viotti no final do século XIX ... 96

Figura 35: Restaurante da Empreza em Caxambu ... 96

Figura 36: Planta de Caxambu em 1894 ... 97

Figura 37: Família imperial em Poços de Caldas em 1886 ... 97

Figura 38: Poços de Caldas em 1887 ... 98

Figura 39: Estabelecimento balneário Pedro Botelho construído em Poços de Caldas no ano de 1886 ... 98

Figura 40: Grupo de banhistas em Caldas do Cipó em 1924 ... 99

(17)

Figura 42: Grupo de banhistas na barra do arroio do Mel em 1927 ... 100

Figura 43: Governador Raul Soares visitando Poços de Caldas no início dos anos vinte ... 100

Figura 44: Cascata das Antas em Poços de Caldas em 1920 ... 101

Figura 45: Cassino ao Ponto em Poços de Caldas em 1925 ... 101

Figura 46: Folder de Poços de Caldas no ano de 1931 ... 102

Figura 47: Baile de carnaval no salão do Hotel Lealdade em Poços de Caldas no ano de 1929. 103 Figura 48: Curistas e coche em 1920 3m Poços de Caldas ... 103

Figura 49: Médicos presentes á inauguração das velhas “Thermas” em 1919 ... 104

Figura 50: Cine Teatro Politeama. Lira Musical Santa Cecília em março de 1910 ... 104

Figura 51: Rui Barbosa em piquenique na caixa d’água em 1908 ... 105

Figura 52: Operários na remodelação urbana de Poços de Caldas em 1931 ... 105

Figura 53: Fotografia tirada no início do tratamento ... 106

Figura 54: Fotografia tirada após 35 dias de tratamento ... 106

Figura 55: Sala de mecanoterapia na primeira metade do século XX ... 137

Figura 56: Abdução e adução de membros superiores na primeira metade do século XX ... 137

Figura 57: Elevação e abaixamento dos membros superiores aparelhos Zander ... 137

Figura 58: Flexão e extensão da cabeça aparelhos Zander ... 138

Figura 59: Flexão dos músculos das costas aparelhos Zander ... 138

Figura 60: Poços de Caldas e o espaço urbano remodelado em 1932 ... 141

Figura 61: Dr. Pedro Sanches de Lemos em seu consultório por volta de 1901... 145

(18)

Não é verdade que tudo termina. Tudo começa. (Provérbio árabe)

(19)

INTRODUÇÃO

Esta dissertação visa compreender a origem das cidades hidrominerais brasileiras tomando como referência o processo simbólico de suas águas medicinais atrelado à emergência e experiência da sociabilidade moderna no país. Assumo desde o início a pretensão de estudá-las sob o ponto de vista da teoria do processo civilizador de Norbert Elias e da relação do homem com o seu meio natural, tema já muito bem colocado por grandes historiadores como Alain Corbin18, Keith Thomas19 e Simon Schama20.

Poços de Caldas, cidade localizada no estado de Minas Gerais, será o ponto de partida para se entender como pessoas comuns, médicos, arquitetos e literatos atribuíram valor às águas minerais brasileiras entre os anos de 1839 a 1931 a ponto de construir cidades chamadas hidrominerais no interior do nosso país. Essa atribuição de valores às águas medicinais acabou por modelar, condicionar e instituir comportamentos principalmente diante de dois grupos muito específicos da sociedade brasileira: uma burguesia industrial ligada à agricultura cafeeira e um grupo formado por jornalistas, intelectuais, funcionários públicos e profissionais liberais.

Esses dois segmentos da sociedade brasileira passaram a freqüentar Poços de Caldas principalmente a partir dos anos 20 do século passado e colaboraram por fazer dessa cidade, a famosa

estação de cura no Brasil, ao mesmo tempo em que favoreceram o surgimento de novas sensibilidades

ao retratarem algumas experiências que foram vastamente ampliadas dentro desse lugar. Cidades termais foram sem sombra de dúvidas, cidades da cura e cidades do prazer, mas o auge do seu sucesso não permaneceu por muito tempo. Enquanto época, esse auge não foi para todos.

18 CORBIN, Alain. O Território do Vazio. A praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 19 THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo. Companhia das Letras, 1988.

20

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As cidades como todo artefato da modernidade, parecem ter vida útil, não porque algum evento catastrófico seja capaz de destruí-las ou danificá-las em parte, como acontece com os fenômenos naturais ou com os ataques terroristas. As cidades possuem vida útil porque elas dependem de sentimentos, esses, às vezes tão frequentemente contraditórios porque são humanos; e são formadas, construídas ou originadas a partir de diversas temporalidades históricas que podem existir ao mesmo tempo. Nesse sentido, a cidade enquanto época é um estado provisório de uma sensibilidade humana que se constrói e que se materializa em hábitos, costumes e técnicas capazes de sobreviverem ou não às mudanças do tempo, do pensamento e do comportamento, cuja interpretação só encontra sentido no estado atual da sociedade, quando pesquisadores no geral voltam-se para trás a fim de levantar questões essenciais, outrora indispensáveis para sua própria elucidação.

Figura 1: Dr. Delfim Moreira quando presidente do estado de Minas Gerais visita Poços de Caldas no ano de 1919.Os números assinalados identificam os acompanhantes: 1)Cornélio Tavares Hovelacque (Promotor de Justiça Interino) 2) Dr. Washington Luiz (Presidente do Estado de São Paulo) 3) Dr. Delfim Moreira (Presidente do Estado de Minas Gerais) 4) Policarpo Magalhães Viotti (Prefeito da Estância) 5) Dr. José Bezerra (Presidente

do Estado de Pernambuco) 6) Coronel Honório Dias (Fazendeiro no Município de Cascata) 7) Souza Leão (Usineiro no Estado de Pernambuco)

Fonte: Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas. Coleção: J. Ranauro

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As cidades hidrominerais brasileiras, ainda pouco estudadas no meio acadêmico nacional, encontraram seus interlocutores principalmente na arquitetura21, na antropologia22 e no turismo23. Mas foi exatamente a partir de meados do século XIX até a segunda metade do século passado que essas cidades brasileiras despontaram nos estudos referentes à balneoterapia, à hidrologia médica, à crenologia moderna, ou melhor, à antiga prática romana do Termalismo.

Termalismo deriva de termas, substantivo feminino no plural, que deriva do grego thermai e do latim thermae, dizendo respeito a banhos quentes. 24 O singular therma tem a mesma definição, contudo, não é muito empregado. Thermas é uma expressão que atravessou séculos e sempre indicou o uso de águas quentes como tratamento medicinal. O uso de águas quentes como parte de tratamentos terapêuticos remonta à Antiguidade. A água, como a maioria de outras medidas curativas, como a terra, o fogo e o ar provêm em grande parte, de costumes religiosos. 25 “Segundo os dois mais antigos sistemas religiosos conhecidos, o sumário-babilônico e o egípcio”26, a origem de todas as coisas existentes na Terra proveem da água. Tanto na mitologia quanto na religião ou na etnologia, a água sempre esteve carregada de um forte sentido simbólico, principalmente na relação entre o homem e o mundo natural.

Já a palavra banho provém de balneíon, que em grego exprime lazer, diversão, desvanecimento

dos pesares e angústias. 27 Desde os tempos de Homero, o divertimento das pessoas nas termas gregas significou o esquecimento de suas preocupações.

21

FRANCO, Amanda Cristina. Cidades de cura, cidades de ócio – a influência de concepções estrangeiras no urbanismo de três estâncias paulistas: Águas de Lindóia, Águas da Prata e Águas de São Pedro 1920-1940. Escola de Engenharia de São Carlos. Departamento de Arquitetura e Urbanismo, 2005.

22 MARRAS, Stelio. A Propósito de Águas Virtuosas. Formação e ocorrências de uma estação balneária no Brasil. Belo

Horizonte: UFMG, 2004.

23 MORAES, Adriana Gomes. O turismo nas estâncias termominerais – o caso da estância termomineral em Santo

Amaro da Imperatriz e Águas Mornas. TURYDES, vol. 1, n.2, março 2008.

24 MOURÃO, Benedictus Mário. Posicionamento Terapêutico do Termalismo Médico. Definições e Conceitos. In: II

Seminário Brasileiro de Termalismo. 17 a 20 de novembro de 1983. Poços de Caldas. MG. pg. 01

25 BUESS, H. Da história da hidroterapia. In: Actas Ciba 4. Ano XV, n° 4, abril de 1948. p.90 (Crenoterapia Separatas e

Ensaios vol II – Biblioteca Instituto Cultural do Termalismo , 1992)

26 Idem, p. 106

27 MOURÃO, Benedictus Mários. A água mineral e as termas: uma história milenar. Associação Brasileira das Indústrias

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Figura 2: Um banho público de homens na Grécia. In: CABANÉS, Docteur. Moeurs intimes du Passé. (Deuxième Série). La vie aux Bains. Paris: Librarie Albin Michel, 1908. p.35

Segundo Benedictus Mário Mourão28, deve-se aos Caldeus, habitantes da Caldéia na antiguidade, a iniciativa dos balneários públicos e a divulgação dessa técnica para a Pérsia e o Egito. Os egípcios transmitiram aos gregos as práticas termais e estes as enriqueceram a partir de sua mitologia. Já em Roma, o hábito de banhar-se vem desde a época de Pompeu (107-48 a. C), sendo Agripa, genro de Otávio Augusto, o responsável pela construção da primeira casa de banhos para uso popular em Roma. As termas romanas possuíam piscinas térmicas e frias para banhos coletivos, centenas de cabines pessoais e numerosas salas de repouso. Havia salas para massagens que acompanhavam a aplicação de óleos perfumados, salas para ginásticas e plásticas corporais com variados equipamentos para exercícios e amplos refeitórios. Em sua grandiosidade contemplavam bibliotecas onde os poetas declamavam e os eruditos expunham seus pensamentos. As galerias, eram via de regra, ostentadas com estátuas, tapeçarias e várias obras de arte. A parte externa destinava-se a estádios, peristilos, galerias para passeios, academias e pequenas exedras para os filósofos. As termas eram rodeadas de jardins e árvores frondosas.

28

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Era no Capsari que os romanos descansavam em confortáveis divãs, motivavam reuniões onde

os usuários discutiam seus problemas e rendiam preito a Baco29.

Ao longo dos séculos, a utilização de águas minerais, em especial as quentes, como meio preventivo e curativo foi cultivada pelas antigas civilizações, e a experiência transmitida por tradição chegou à modernidade através de sucessivas gerações. Portanto, foi assim que um interesse medicinal de meados do século XIX buscou nas representações gregas e romanas do termalismo, um modelo simbólico como forma particular de representação do passado, revelando como determinadas ações e sensibilidades diante do meio natural foram ressignificadas ao longo dos anos.

Figura 3: Dama grega em sua toillete.

In: CABANÉS, Docteur. Moeurs intimes du Passé. (Deuxième Série). La vie aux Bains. Paris: Librarie Albin Michel, 1908. p.37

Especialistas que foram no estudo e aplicação do Termalismo, Etiene Chabrol30, Maurice Villaret e Justin-Besançon31 dividiram a história do termalismo em seis períodos específicos32. A

29 MOURÃO, Op.cit.p. 26

30 CHABROL, Etiene. L’Évolution du Thermo-Climatisme. Paris. Masson et Cie. Editeurs, 1933.

31 VILLARET, M. & JUSTIN-BESAÇON, L. Clinique et Thérapeutique Hidroclimatiques: les origins et le evolution de

hydroclimatologie. Paris: Masson & Cie. Editeurs, 1932 apud MOURÃO, Op. cit: A água mineral e as termas: uma história milenar.p. 13

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análise efetuada por esses crenólogos franceses ligava a evolução das práticas termais através de um paralelo entre os greco-latinos e a relação do ser humano com o seu meio natural. Na década de 30, época em que escreviam, Chabrol, Maurice Villaret e Justin-Besançon enfatizavam a recente descoberta da natureza33 pelos homens a partir da prática dos esportes, do culto à beleza e de uma alimentação equilibrada. Do período místico-religioso ao período clínico-científico do termalismo, o homem esteve indubitavelmente envolvido com o seu meio natural. Entretanto, durante grande parte da Idade Média, as termas foram alvos constantes de imensas hostilidades por parte da Igreja Católica, que via nos estabelecimentos termais e seus banhos quentes, a porta de entrada para a descoberta do prazer do próprio corpo. Sendo o prazer do corpo considerado algo pecaminoso, os banhos, vistos como

infames e profanos34, foram relegados à sombra. Reabilitados pela aristocracia, principalmente a francesa, quando os príncipes dirigiam-se às águas e por uma nova burguesia que surgia em Bath35, na

32 Período pré-histórico: do qual há provas arqueológicas evidenciando que o homem utilizava águas quentes na Idade da

Pedra Polida.

Período primitivo ou (místico-religioso): nesse período atribuía-se às águas minerais poderes sobrenaturais ou acreditava-se que as curas eram realizadas por interferência ou influência de alguma divindade.

Período empírico: de duração multissecular, nascido na civilização helênica, na época da medicina hipocrática sendo depois transportada para Roma. Prosseguiu durante toda a Idade Média e Renascença, terminando com a Química Moderna. Período da Hidrologia Médica: Iniciado nas primeiras décadas do século XIX, época em que as águas minerais começam a ser analisadas quimicamente e os médicos termalistas tentam firmar as indicações clínicas com base nos achados analíticos. Período clínico-científico: tempo de rigorosas observações clínicas com o aperfeiçoamento das indicações termais e especialização das estâncias hidrominerais. Nesse período a físico-química contribui para a descoberta de microelementos como os gases raros e a radioatividade que passam a interferir diretamente no entendimento da cura pelas águas. Criam-se cadeiras de hidrologia médica em várias faculdades na Europa. Multiplicam-se as cidades hidrominerais e a fase empírica é substituída pela etapa clinico-cientifica.

Período atual (década de 30 quando Chabrol, Villaret & Bensaçon escreviam): Há um progresso nas concepções científicas e no aperfeiçoamento de equipamentos e técnicas hidrotermais, além da instalação de grandes parques termais. No Brasil, esse é o período de auge das cidades hidrominerais a partir da inauguração das Thermas Antonio Carlos em Poços de Caldas, estado de Minas Gerais. Para maiores informações confira: MOURÃO, Op. cit: A água mineral e as termas: uma história milenar. Pp. 14-15

33

Essa reaproximação da natureza tem suas origens em um fenômeno observado desde o século XVIII na Europa quando “as estéticas do pitoresco e sublime aparecem nas obras de artistas como Turner, Constable e Gainsborough”, segundo PORTO, Daniele Resende. O Barreiro de Araxá – projetos para uma estância hidromineral em Minas Gerais. Dissertação apresentada à Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Arquitetura e Urbanismo. São Carlos, 2005.

Essa reaproximação da natureza aparece principalmente como fuga do processo de metropolização e dos efeitos decorrentes da Revolução Industrial. Atividades como excursões ao campo, às montanhas e às praias, além da prática de exercícios ao ar livre, banhos de sol e mar surgem como novas sensibilidades desenvolvidas pelo homem frente aos benefícios do meio natural.

34 QUINTELA, Maria Manuela. Saberes e práticas termais: uma perspectiva comparada em Portugal (Termas de São

Pedro do Sul) e no Brasil (Caldas da Imperatriz). In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 11(Suplemento 1): 239-60, 2004. pesquisado em: 15/08/2007

35 Bath teria adquirido fama através de suas águas medicinais desde o século XVII, época em que a localidade começa a

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Inglaterra do século XVIII, as termas readquiriram alguma visibilidade, graças à sua dimensão de cura associada à religiosidade.

A partir do século XIX quando novas sensibilidades36 misturam-se a desejos até então não

aprovados na esfera da coletividade, é que temos a grande moda do retorno às estações termais. Novas

atividades como temporadas alternadas na cidade e no campo e a prática de exercícios para o corpo e para o espírito surgem como tentativas emancipadoras de comportamentos considerados até então,

convencionais. Contemplar a paisagem e envolver-se com ela passará a integrar produtos de uma

cultura onde o comportamento humano revelará riquezas do homem enquanto sujeito histórico. Transformada em práticas sociais, e apoiada principalmente, numa tradição construída a partir de

persistentes mitos e inelutáveis obsessões frente ao meio natural, essa cultura será a responsável por

redefinir estratégias de diferenciação social a partir do controle de algumas emoções humanas.

No debate historiográfico, essa apreensão simbólica da natureza valeu-se do “uso de categorias de outras ciências mais ligadas à análise do meio natural, como instrumentos para o trabalho dos historiadores”37

, no sentido de perceber e identificar essa atmosfera emocional dotada de significações capazes de suscitar questões, cujas respostas levariam à análise do surgimento, manutenção ou desaparecimentos de comportamentos humanos frentes ao meio natural; e que por ventura foram sendo codificados em práticas sociais (coletivas ou individuais).

Nesse sentido historiadores como Alain Corbin38, Keith Thomas39 e Simon Schama40 concretizaram uma nova maneira de pensar a prática historiográfica a partir do surgimento dessas novas sensibilidades, entre as quais, àquelas relacionadas aos animais, às plantas e também às paisagens naturais, que ocorreram na Inglaterra entre o século XVI e o final do século XVIII.

bath e bains, são termos recorrentes nos nomes de muitas cidades que se originaram das águas medicinais. Esses termos proveem das palavras latinas aqua (água) e baneum (banho).

36

De acordo com Michelle Perrot, é a partir do século XIX na Europa, que por toda a parte ocorrerá “um forte aflorar do indivíduo nas idéias e nos costumes”, independentemente do meio social ou do lugar em que se vive. Desejos como: “dormir sozinho, ler tranquilamente seu livro ou seu jornal, vestir-se como bem entender, ir e vir à vontade, consumir livremente, freqüentar e amar quem se deseja...” aparecerão como novas sensibilidades humanas nesse período, em que o indivíduo se afirmará “como valor político, científico e sobretudo existencial”. Cf: Bastidores In: PERROT, Michelle (org).

História da Vida Privada 4 – Da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Companhia das Letras, 1991.

37

OLIVEIRA, Marcela Marrafon de. Paquequer, São Francisco e Tietê: as imagens dos rios e a construção da

nacionalidade. Dissertação de Mestrado em História apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2007, p.8

38 CORBIN, Op.cit. 39 THOMAS, Op.cit. 40

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Keith Thomas em seu livro publicado em 1983 reconstruiu este momento histórico ao tratar da mudança de sentimentos e comportamentos do homem frente ao meio natural. Ao investigar uma nova sensibilidade nos indivíduos que defendiam as plantas e os animais, o historiador demonstrou como o início da era moderna tornou-se importante ao definir um sistema de classificação entre homens e animais num contexto de grandes transformações. O uso da natureza que até então era definido e defendido por uma visão antropocêntrica a serviço da vida humana adquire novo rumo através da emergência de sentimentos de nostalgia pelo jardim e pelos animais de estimação, pela observação de pássaros e também no gosto pelas flores e animais silvestres. Ao buscar historicamente o contato afetivo do homem com o mundo natural, Keith Thomas acaba dando visibilidade à mudança de sentimentos e comportamentos definidos por categorias mentais criadoras dos discursos sobre a natureza, e de pensamentos e ações sócio-culturais por meio dos quais descrevemos e vivenciamos o mundo natural nos dias de hoje.

Uma linha divisória havia sido lançada. A instituição das boas maneiras a partir do manual de Erasmo41, a moderação do corpo a partir do controle dos impulsos físicos, a própria maneira de vestir, comer, andar e até mesmo rir, havia nascido de um longo período de observação do mundo da natureza, cuja observação envolveu “a utilização de categorias mentais com que nós, os observadores, classificamos e ordenamos a massa de fenômenos ao nosso redor, a qual de outra forma permaneceria incompreensível.”42

E é desta maneira que o historiador observa que “apreendidas essas categorias, passa a ser bastante difícil ver o mundo de outra maneira. O sistema de classificação dominante toma posse de nós, moldando nossa percepção, e desse modo, nosso comportamento”.43

Neste sentido, Simon Schama em Paisagem e Memória, também trabalhou com o tema da natureza enquanto objeto histórico ao retratar a sua atuação e a “maneira como o homem a apreendia”.44

Para tanto, utilizou-se de paisagens naturais como as águas, as rochas e as matas no sentido de revelar a trajetória de como os mitos do passado a partir de algumas lembranças e representações acabaram influenciando nossa visão sobre o mundo natural. Ao retomar antigas

41 ROTTERDAM, Erasmo. De civilitate morum puerilium, 1530 apud ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol 1.

Uma historia dos Costumes. Trad. Ruy Jungmann, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p.68

42 THOMAS, Op. cit. p. 62 43 Idem, p. 62

44

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cosmologias, o historiador demonstrou a rica mistura de mitos, topografia e história na reconstrução de lembranças que inauguraram e ressignificaram aspectos de nossa visão moderna sobre a natureza.

Trabalhando com as paisagens naturais enquanto conceito e construção cultural, Schama destacou “lembranças e representações que compõem a memória social sobre elementos como a mata, a água e a rocha, e que, na maioria das vezes, não decodificamos de imediato”.45

Já Alain Corbin em sua obra publicada em 1988, teve como objeto de estudo recriar o desejo da beira-mar que se elevou entre 1750 a 1840 na Europa Ocidental. Seu interesse estava em examinar de que maneira e através de que mecanismos os homens de cada época e de cada categoria social, interpretaram os esquemas antigos e os reinterpretaram a um conjunto corrente de representações e práticas. Utilizando diversos tipos de documentação histórica como relatos médicos, obras literárias e de pintura e diários de viagem, Corbin procurou entender previamente o feixe de representações que fundaram o medo e a repulsa perante a beira-mar na época clássica, para então ser capaz de compreender as mudanças de sensibilidades que se operaram no período estudado. Entre as muitas possibilidades de acesso à construção do imaginário coletivo sobre a praia ocidental, o historiador optou por seguir os discursos e imagens de um litoral que lidava com os imaginários sociais dos homens ao longo das datas estudadas. Ao buscar nos poetas franceses do fim do século XIV, nos religiosos dos séculos XVII e XVIII e nos diferentes discursos do XIX, Corbin evidenciou o exercício do olhar literário que sonhava e reconstruía a apreciação da praia sob a forma de um texto. Desta maneira, nas mudanças paradigmáticas das representações do litoral, Alain Corbin permitiu-se captar uma das profundas motivações da viagem turística: o desejo de experimentar essa nova relação com a natureza, o prazer de usufruir de um ambiente convertido em espetáculo e exteriorizado nos vários tipos de textos, discursos e práticas do mar e de suas praias. Do milagre das águas proporcionado pelo abrigo do álibi terapêutico descrito nos autores da ciência médica, construiu-se uma nova economia das sensações e uma nova maneira de experimentar o corpo e aliviar as ansiedades nascidas da perda do vigor, da debilitação, da poluição e das imoralidades dos citadinos. Foi assim que o autor demonstrou como uma série de discursos e práticas do mar e de suas praias gerou comportamentos cuja configuração constituiu uma narrativa histórica.

Assim, a história com uma nova forma de olhar a natureza (agora como objeto histórico e não somente como tema de estudo das ciências naturais) tem propiciado ainda que lentamente, um

45

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acentuado impacto sobre outras maneiras de compreender as percepções humanas diante de pressupostos naturais.

Essa mudança de percepção que alterou sobremaneira nosso comportamento frente aos fenômenos da natureza, também foi a responsável por instituir no século XIX dois pontos indispensáveis para o entendimento dessa pesquisa: a instituição da higiene íntima46 e o controle das emoções humanas com relação ao meio natural, fatores responsáveis pelo reaparecimento das cidades hidrominerais européias e pela construção das cidades hidrominerais brasileiras.

Em fins do século XIX e início do século XX, as cidades de águas européias alcançaram o seu auge médico, social e mundano. Fundaram-se sociedades profissionais, surgiram obras especializadas, estabeleceram-se doutrinas de interpretação sobre a ação química das águas minerais e multiplicaram-se as estâncias hidrominerais.

Cidades termais como Bath, Vichy e Baden-Baden passaram a ser consideradas modelo de civilidade para médicos e poetas que as visitavam durante a temporada das águas. Esse modelo de civilidade adaptado a novos costumes em que o corpo e seus desejos exprimiam a busca de um direito

à felicidade47 pressupunha a escolha do próprio destino48, principalmente porque a necessidade de um

tempo e um espaço para si próprio estimulava ambições, liberdade e novos prazeres. Essa felicidade vez por ora reverberava-se na cura pretendida, outras tantas significava a experiência do eu privado na medida em que proporcionava emoções diante de uma individualidade ao redor das fontes, de onde o banho medicinal em cabines individuais e suas prescrições terapêuticas exigiam um autocontrole das emoções humanas.

Assim, diante de algumas vertentes que interpretaram esse processo histórico de encontro do homem com o mundo natural e que analisaram novas sensibilidades entre o desejo e a curiosidade encontrados nos sistemas perceptivos e discursivos que organizaram antigos testemunhos, optamos por trabalhar com a sociologia das emoções de Norbert Elias por alguns motivos especiais:

46 Alain Corbin em “Bastidores” demonstra como os progressos da higiene íntima revolucionaram “a vida privada e as

condições da função.” A descoberta dos mecanismos de transpiração e o sucesso da teoria infeccionista acentuam os “perigos da obstrução dos poros pela sujeira, portadora de miasmas”. Diante disso e de uma maneira própria de

diferenciação das classes menos abastadas e principalmente de tudo que lembrasse a animalidade, as elites verão na questão do impulso e desejo pelas práticas higiênicas, o fator do progresso, entendido naquele tempo como novas exigências sensíveis que “rejuvenescem a civilidade”. Cf: CORBIN, Alain. Bastidores.In: PERROT, Op.cit. p. 442

47 PERROT, Op. Cit. P.419 48

(29)

Pensando em sua teoria do processo civilizador, as cidades hidrominerais européias e brasileiras formaram uma figuração social específica diferente do resto da sociedade, constituindo “um dispositivo central, ao mesmo tempo laboratório de comportamentos inéditos e lugar de elaboração de novas normas”49

, a partir de um meio natural (a água termal). Esta sociedade constituída através de um processo civilizador da água termal criou uma figuração social dinâmica entendida enquanto,

formação social, cujas dimensões podem ser muito variáveis (os jogadores de um carteado, a sociedade de um café, uma classe escolar, uma aldeia, uma cidade, uma nação), em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um modo específico de dependências recíprocas e cuja reprodução supõe um equilíbrio móvel de tensões.50

Onde Elias preferiu pensar que a liberdade de cada indivíduo estava inscrita nesta cadeia de interdependências que ligava um homem aos outros homens limitando o que lhes era possível decidir ou fazer. Neste sentido, a modificação das sensibilidades que ocorreram nos homens do período estudado nesta dissertação, só foi possível graças a esse encontro do homem com o mundo natural, momento em que o estreitamento das relações interindividuais implicaram “um controle mais severo das emoções e dos afetos”51

e que caracterizaram o homem ocidental na idade moderna.

Assim, nesta nova formação social que buscava a civilidade a partir de um meio natural, a

maior distância social se manifestava na maior proximidade espacial52, dando um traço fundamental e

original a uma sociedade que vivia manipulada e modelada a partir de suas expectativas, sensibilidades e emoções nascidas e reinterpretadas pela água medicinal. E é por isso que em vários momentos esta dissertação se aproxima da obra O território do vazio de Alain Corbin, historiador que também viu no processo civilizador de Norbert Elias, uma chave explicativa interessante para pensar e analisar o envolvimento do homem com o mundo natural, ao demonstrar como a frequentação das praias pela alta aristocracia acabou ditando moda ao estabelecer signos que permitiam ler a ordem social em espaços construídos em meio ao mundo natural e posteriormente reservados para a competição social.

49 ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

50 Idem, p. 13 51 Ibidem, p. 19 52

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Sobre uma teoria da civilização nas cidades de águas brasileiras

O que faz o encanto da célebre estância é que para “distrair o banhista e envolver-lhe o espírito, a civilização, a arte e a natureza deram-se as mãos.” 53

Seria demasiadamente racional reafirmar como diziam os antigos romanos: acquae condunt

urbes. Mas cair no campo do puramente racional, tal qual a historiografia positivista do início do século

XX seria como nos dias de hoje interpretar a relação do homem com o mundo natural, sob o ponto de vista daquela doutrina cartesiana do século XVII. Ou quem sabe talvez, imaginar as cidades apenas como materialidade erigida pelas ações do homem, ações humanas sobrepostas a uma natureza cultivada.

Indubitavelmente, a cidade é materialidade, mas ela também é sociabilidade e sensibilidade. E como sensibilidade transforma-se em imagens, sons e literatura e mistura-se às convenções, às multidões, aos mitos.

As cidades hidrominerais brasileiras que tiveram o auge do seu sucesso no período compreendido entre os anos de 1920 a 1946 compreendem a significação de um processo histórico mais amplo a ser discutido.

53 LEMOS, Pedro Sanches de. Notas de Viagem – Na Alemanha, na Suissa e na França. 1902. p. 23. Aspas do autor.

Discorrendo sobre Baden-Baden, uma das mais afamadas cidades hidrominerais do século XIX na Alemanha. Figura 4: Thermas de Bath na Inglaterra. In:Fotografia encontrada em: CHABROL, Etiene.

L’Évolution du Thermo-Climatisme. Paris.

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A hidroterapia, ou terapêutica pela água como método científico, originada no século XIX e difundida em várias partes do mundo, só foi possível graças a uma modificação das sensibilidades que ocorreu na Inglaterra entre o século XVI e o final do século XVIII.

Com efeito, foi entre 1500 e 1800 que ocorreu uma série de transformações na maneira pela qual homens e mulheres, de todos os níveis sociais, percebiam e classificavam o mundo natural ao seu redor. Alguns dogmas desde muito estabelecidos sobre o lugar do homem na natureza foram descartados nesse processo. Surgiram novas sensibilidades em relação aos animais, às plantas e as paisagens.54

Tudo se dirigia para um grande enigma: a atuação da natureza e a maneira como o homem a apreendia.55

A água, considerada o primeiro elemento da vida, desde a antiguidade havia alcançado um forte sentido simbólico. Platão já comparava seu fluxo à circulação do sangue pelo corpo56, de maneira que acreditava que a natureza e os corpos humanos teriam sido construídos segundo a mesma misteriosa lei

universal da circulação, que governava todas as formas de vitalidade57.

A apreensão da natureza pelo homem obedecia a uma persistente imaginação da realidade em que cultos e mitos ligados à natureza faziam parte das relíquias da Antiguidade.

Do ponto de vista da sociologia histórica que investiga o processo civilizador no Ocidente, e que tem na figura do sociólogo alemão Norbert Elias, seu maior expoente, a relação do homem com o mundo natural é vista através de dois momentos históricos específicos. O historiador Edgar Salvadori de Decca em artigo58 que analisa a obra e os referenciais teóricos de Elias se posiciona de uma maneira bastante interessante. Para ele, as análises sociológicas do pensamento elisiano convergem para um ponto teórico, “segundo o qual, todo o pensamento social se move entre posições marcadas pelo envolvimento emocional ou então pelo distanciamento com relação às emoções.”59

54 THOMAS, Keith. Op.cit.p.18 55

SCHAMA, Op.cit. 252

56 SCHAMA, Op.cit. P. 253 57 Idem, p. 253

58 DECCA, Edgar Salvdori de. Envolvimento e Distância na Obra de Norbert Elias. In: Introdução à Sociologia da

Cultura. Max Weber e Norbert Elias. São Paulo: Avercamp, 2005. p. 73

59

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Norbert Elias ficou conhecido por fazer uma história dos sentimentos60, encontrando nas fontes literárias um documento privilegiado de conhecimento61 e um interesse notável nas formas de sentir e imaginar as atitudes humanas como tema de um estudo específico.

Sua obra que trata do processo civilizador do Ocidente, sua constituição, suas causas primevas e suas forças motivadoras, tem nas palavras do próprio autor: “como tema fundamental os tipos de comportamento considerados típicos do homem civilizado ocidental.”62

Elias parte do princípio que as estruturas sociais, as estruturas da personalidade, “o comportamento e a vida afetiva dos povos ocidentais mudou lentamente após a Idade Média”63. Para o autor, a compreensão do processo psíquico civilizador só seria possível se pensado a longo prazo. Pois, para ele, foi no decorrer dos séculos que o padrão de comportamento humano mudou muito

gradualmente em uma direção específica.64 Em sua visão, esta mudança teria ocorrido no rumo de uma

“civilização”65

gradual, mas somente a experiência histórica seria capaz de tornar mais claro o que

esta palavra realmente significa.66

Tendo a teoria elisiana como norte dessa pesquisa e retomando o pensamento do historiador Edgar Salvadori de Decca, esse duplo enlace de envolvimento e distanciamento com relação às emoções, seria o ponto essencial para pensarmos a relação do homem com o seu meio natural; processo histórico longo, em que sentimentos de medo e perigo contribuíram decisivamente para o surgimento de dois tipos específicos de sociedades:“as sociedades pré-científicas e as sociedades científicas”.67

Essas sociedades, relativamente diferenciáveis, teriam sido fundamentais para pensar o modo como “são constituídos os conhecimentos sobre a natureza e os conhecimentos das ciências humanas.”68

Em fins do século XVIII quando o Velho Continente já apresentava uma visão do mundo aparentemente nova e desencantada dos poderes da natureza, e sustentada principalmente pelos ideais iluministas da Grande Revolução, o Brasil, em meio a muitas águas, onças, veados, antas, araras,

60 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Op.cit. pg. 9 61 Idem pg.9

62 Ibidem pg. 13 63

Ibidem, pg 14

64 Ibidem pg. 14

65 Ibidem pg p. 14. Aspas do autor 66 Ibidem, p. 14

67 DE DECCA, Op. Cit. p. 74 68

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