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O assentamento Pe Luiz Pescarmona e as novas relações de trabalho

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A LUTA PELA TERRA EM ALAGOA GRANDE-PB E O PAPEL DA IGREJA NA FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO PE LUIZ PESCARMONA

4.5. O assentamento Pe Luiz Pescarmona e as novas relações de trabalho

Atualmente, o assentamento possui cerca de 393 hectares, sendo que cada assentado possui um lote equivalente a nove hectares. O total das 29 famílias cultivam uma diversidade de produtos cuja finalidade principal consiste na alimentação familiar e na venda de excedentes para as feiras locais e regionais. Além dos lotes, existem áreas destinadas à preservação permanente, obedecendo à legislação ambiental que estabelece o limite mínimo de preservação de 20% das propriedades em áreas do bioma caatinga. Existe ainda uma área comunitária destinada aos assentados, que podem utilizá-la para o plantio. (Figura 12).

A melhoria nas condições de vida dos assentados é perceptível tanto nas falas destes sujeitos quanto nas formas visíveis na paisagem do próprio assentamento. São bons exemplos dessas melhorias, elementos materiais, como: moradias, eletrificação, antenas de televisão – em quase todas as casas –, que demonstram uma articulação cada vez maior entre o campo e a cidade (Figuras 13 e 14); mas também elementos importantíssimos referentes à autonomia do trabalho que os camponeses possuem ao disporem de terras próprias para trabalhar.

Figura 13. Agrovila do Assentamento Pe. Luiz Pescarmona, com destaque para a eletrificação rural.

Figura 14. À direita. Casa de assentada do Pa. Pe. Luiz Pescarmona. Destaque para a cisterna de cimento à direita que representa a garantia de água para beber na localidade.

Figura 15. Lote do Assentamento Pe. Luiz Pescarmona, com destaque para a plantação de feijão.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Figura 16. Quintal da casa de assentada do Pa. Pe. Luiz Pescarmona. Destaque para a diversidade de culturas desenvolvidas pelos assentados.

Thompson (1998), ao analisar as transformações ocorridas na disciplina de trabalho a partir da emergência do capitalismo industrial, na Inglaterra, observa que com o advento da industrialização ocorreu uma forte modificação nos ritmos e nas jornadas de trabalho, bem como um incentivo tanto material quanto subjetivo para que se desenvolvesse um consumo produtivo do tempo. Em suas palavras: “na sociedade Capitalista madura, todo tempo deve ser consumido, negociado, utilizado; é uma ofensa que a força de trabalho meramente “passe o tempo” (THOMPSON, 1998). Entretanto, essas mudanças não significaram que formas de gestão do tempo fundamentadas nas necessidades humanas tenham sido banidas completamente a partir da racionalização do tempo promovida pela indústria. são exemplos disso, no contexto das relações de trabalho no assentamento, os camponeses que de certa forma regulam seu tempo de trabalho pelos afazeres cotidianos, expressando certa autonomia na gestão de suas vidas. Essa forma de regulação das atividades, que Thompson vai chamar de orientação pelas tarefas, representa uma maneira eficaz nas sociedades camponesas. Para este autor:

É possível propor três questões sobre a orientação pelas tarefas. Primeiro, há a interpretação de que é mais humanamente compreensível do que o trabalho de horário marcado. O camponês ou trabalhador parece cuidar do que é uma necessidade. Segundo, a comunidade em que a orientação pelas tarefas é comum parecer haver pouca separação entre o trabalho e a vida. As relações sociais e o trabalho são misturados – o dia de trabalho se prolonga ou se contrai segundo a tarefa – e não há grande senso de conflitos entre o trabalho e passar o dia. Terceiro, aos homens acostumados com o trabalho marcado no relógio, essa atitude para com o trabalho parece perdulária e carente de urgência (THOMPSON, 1998, p. 271-272. Grifo nosso).

Conseguimos perceber alguns elementos similares aos descritos por Thompson (1998) em nosso estudo. Ao estar no assentamento rural, caminhei até a casa do trabalhador camponês, Antonio Lima, que parecia ter acabado de chegar do roçado. Ele me recebeu com muito entusiasmo e topou realizar a entrevista sobre a história da luta pela terra. Com seu jeito simples e com roupas suadas do trabalho na roça, o camponês me relatou durante quase uma hora e meia sobre os acontecimentos que lhe marcaram a vida até chegar ao assentamento. A forma com que seu Antonio falava, sem pressa e nenhuma preocupação, mostra, a nosso ver, uma enorme independência no controle do seu tempo de trabalho, pois no momento em que conversávamos – quase duas horas da tarde –, qualquer trabalhador formal já deveria estar se preparando para retomar a jornada diária de trabalho.

Como vimos na descrição do cotidiano do camponês, a regra do tempo industrial não serve para compreender o tempo dos camponeses com quem conversamos, pois o fato de ter uma terra e trabalhar nela garante essa autonomia do tempo de trabalho. Portanto, a ideia trazida por Thompson (1998) acerca do entrecruzamento das relações sociais cotidianas e o trabalho, bem como da quase inexistência de conflitos entre o trabalhar e o passar do dia, nos ajuda a compreender práticas diárias desenvolvidas pelos camponeses em questão.

Essa constatação também foi realizada por pesquisas em outras regiões do Brasil, como demonstrou Bombardi (2004), para quem o trabalho no mundo camponês representa um maior controle do tempo e do espaço pelo trabalhador. Neste sentido, para o camponês o trabalho não é entendido como sinônimo de dominação ou de alienação, mas como possibilidade concreta de reprodução social das famílias. Desse modo, o tempo desprendido responde, antes de mais nada, às necessidades de sobrevivência, em detrimento da lógica puramente comercial do sistema capitalista.

Portanto, com base nos exemplos expostos de envolvimento dos religiosos católicos na luta dos trabalhadores, pensamos que a luta pela terra não se encerra com o ganho da terra como evidencia a luta diária de sobrevivência dos camponeses no assentamento em questão e que pode ser sintetizada pela seguinte fala de um trabalhador assentado: “a luta pela terra é difícil, porque vem cadeia, vem prisão, mas a luta na terra é muito pior ”95.

A luta dos trabalhadores marca apenas uma etapa para que o acesso a terra não seja negado, num país onde a concentração fundiária que ainda permanece alarmante. Essa experiência dos camponeses que se rebelaram contra o poder estabelecido tanto dos proprietários quanto da justiça revela o esforço de superação de uma condição de subserviência. O ganho da terra representa, por isso, uma substituição de uma propriedade da terra compreendida enquanto negócio, para uma propriedade entendida sobre outra racionalidade: terra de trabalho, que constitui em um território de vida.

Ao participar desse processo de articulação dos trabalhadores para a conquista da terra a Igreja Católica cumpriu o papel de um verdadeiro movimento social e pôde estar presente na maior parte dos conflitos existentes. A reconstrução da história territorial da luta pela terra em Alagoa Grande-PB, com ênfase para o assentamentos Pe. Luiz Pescarmona permitiu-nos identificar a ação em defesa dos oprimidos do campo,

que a Igreja e os religiosos mantiveram articulados com sindicatos, federações, políticos, jornalistas, entre outros. Os documentos e os depoimentos obtidos pela pesquisa mostram claramente a organicidade dos padres em meio aos camponeses, o que nos permite compreender a importância que esta ala renovada da Igreja Católica teve/tem para as conquistas territoriais.