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O Centro de Orientação dos Direitos Humanos /CODH

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A IGREJA E A LUTA PELA TERRA NA DIOCESE DE GUARABIRA-PB

2.2. A Igreja e a Luta pela terra na diocese de Guarabira

2.2.3. O Centro de Orientação dos Direitos Humanos /CODH

Nos vários municípios que compõe a diocese de Guarabira havia uma generalização das más condições de trabalho no campo e na cidade, da subordinação dos posseiros aos grandes proprietários de terra, da manutenção de uma estrutura fundiária extremamente concentrada, que não permitia a milhares de pessoas –

sobretudo nos finais de 1970 – sobreviverem com dignidade. Muitos migravam para o sul do país em busca de emprego, mesmo tendo de submeter-se a serviços precários. Outros, para manter suas famílias, se subordinavam às condições desumanas no corte da cana. Isso ficou claro nas falas dos vários interlocutores com quem pudemos conversar ao longo da pesquisa50, como também em alguns recortes jornalísticos da época. Em entrevista ao “Jornal do Brejo”, de 10 de abril de 1976, o bispo diocesano fala sobre a dura situação vivenciada na região:

Os maiores problemas são os decorrentes da estrutura fundiária injusta. O problema central mais gritante, portanto, me parece ser o da terra. A nossa gente que vive da agricultura, que nasce no campo, nele mora e trabalha, construindo a grandeza do país está frequentemente na miséria, sofre despejo, emigra para longe, é vítima afinal dos maiores desatinos em nossa sociedade que se torna, assim, desumana e anticristã (Dom Marcelo Cavalheira, Jornal do Brejo, 10 de abril de 1976. Grifo nosso).

Aqui, na minha Diocese é milagre o povo pobre viver. Não tem com que tomar café, almoçar, com que jantar[...] As providencias seriam a questão da reforma agrária, dos direitos do trabalhador, estabilidade no trabalho, recuperação dos salários, todos os direitos trabalhistas – e uma outra questão que depende também da reforma agrária, que é a oferta de trabalho[...] (entrevista com Dom Marcelo Cavalheira, Jornal Correio da Paraíba, 07 de fevereiro de 1988).

Além de denunciar essa condição da região, o bispo tenta mostrar a conivência da „justiça‟ com as elites que, financiadas com dinheiro público, provocam os mais graves problemas de expulsão do homem do campo. Frente ao crescimento significativo de expulsões da terra, em muitos casos, descumprindo o direito de posse de milhares de antigos moradores, a Igreja resolve articular um órgão que haja em defesa e na orientação do trabalhador, seja ele do campo ou da cidade.

Neste contexto, surge o Centro de Orientação dos Direitos Humanos (CODH) como estratégia projetada pela Igreja para pensar, ouvir e defender as causas do povo no âmbito episcopal de Guarabira. Essa organização teve certo pioneirismo na assistência e na orientação jurídica num momento em que o respeito aos direitos dos trabalhadores quase sempre eram descumpridos.

50 Uma frase proferida pelo Pe. Luis Pescarmona sintetiza essa situação da imigração ocorrida na região

da região de Guarabira, muitas vezes por terem sido expulsos da terra: “tínhamos ruas de cidades completas de viúvas de maridos vivos” (Entrevista com Pe. Luiz Pescarmona, novembro de 2013). Nesse caso significa que muitas mulheres estavam sem seus maridos, porque eles tinham migrado em busca de emprego, pois tinham sido expulsos da terra.

Segundo Dom Marcelo Cavalheira o CODH de Guarabira representou muito mais que uma simples assessoria jurídica nos moldes tradicionais do direito, pois tinha como premissa básica a orientação pedagógica e não assumir “paternalistamente as causas do povo” (Jornal o São Paulo, 1988). Para ele, a experiência realizada em Guarabira, visava, além de uma ajuda imediata, contribuir para a formação de uma classe trabalhadora comprometida com seus direitos e com sua emancipação da condição de subordinação em que se encontravam a maior parte dos trabalhadores do campo:

[...] sentimos, com o povo, a necessidade de um Centro de orientação dos Direitos Humanos (CODH) para ajudar no encaminhamento jurídico de uma grande quantidade de casos de injustiça e de infração das leis trabalhistas, quer no campo quer nas cidades. Chamamos o nosso Centro de Orientação, porque pretendemos orientar pedagogicamente, e não assumir paternalisticamente as causas do povo. Contamos para isso com uma equipe variada, além de três advogados. Os problemas mais gritantes são os da terra e os do solo urbano. Torna-se cada vez mais aguda a questão da estrutura fundiária em nosso Estado, com a modernização do campo, a concentração de terra e os projetos governamentais como o Proálcool. É claro que a igreja é incompreendida, mas a força da justiça a favor da vida é apaixonante. Essa força, para nós aqui, é maior que as ameaças do sistema de morte que nos cerca. Nossa fé vence o sofrimento [...] (Jornal o São Paulo, 1998).

De acordo com Tosi (1988, p. 164), o CODH foi criado em 1979, sendo integrado por quatro (4)51 advogados que prestavam assessoria jurídica – sobretudo na área trabalhista e agrária – a vários sindicatos de trabalhadores rurais do Brejo e a grupos de trabalhadores de áreas de conflito, acompanhadas pela Pastoral Rural. Deste

51 Existe uma controvérsia no número de advogados que participaram inicialmente do CODH. Alguns

citam três, outros citam quatro, porém pensamos não ser esta uma questão de grande importância. De acordo com uma entrevista que realizamos com um dos fundadores: “O centro inicialmente era formado por voluntários, quando começamos o centro em 1979, tinha uma estrutura bem pequenininha. Eu mais Ricardo e a gente fazia um trabalho voluntário. Nem eu (Camilo) era advogado ainda. Eu era estagiário e Ricardo também. Começou com dois estagiários e uma secretária que ficava a semana lá para atender os casos. Com o crescimento do trabalho a gente resolveu contratar uma primeira advogada contratada mesmo, com salário pago. A gente era um projeto que era financiado por uma instituição, a diocese não tinha condição de bancar. Aí nós contratamos Maria de Fátima Barbosa [...] Maria de Fátima começou a ser a advogada contratada e eu continuei como voluntario. Eu ficava no movimento sindical e trabalhava como voluntário nos direito humanos. Em 1984, as coisas começaram a crescer de tal forma que a gente resolveu, juntamente com D. Marcelo, a ampliar a equipe. Ai foi feito um novo projeto de ampliação e passou a ter três advogados. Teve a oportunidade de ter quatro advogados. Era eu, Maria de Fátima, Maria Isabel [...] e (pausa)[...] eram três [...] mas teve um momento que ficaram quatro [...] Não me lembro exatamente dessa dinâmica, porque já faz tempo um pouquinho, né? (risos)”(entrevista com Camilo Pereira, janeiro de 2014).

modo, teve uma atuação pioneira no setor de assistência jurídica, desenvolvendo uma prática inovadora na defesa dos direitos dos trabalhadores que superava a visão estreitamente legalista do direito, normalmente praticada pelos advogados da estrutura sindical (FETAG).

Acreditamos serem equivocadas algumas leituras52 que mostram a ação do CODH como uma mera forma de orientação informativa sobre os direitos dos trabalhadores, que teria a simples missão de informar a um grupo, os caminhos ou os órgãos aos quais deveriam recorrer para cobrarem seus direitos. Pensamos que diante do trabalho libertador assumido pela Igreja de Guarabira, sob a responsabilidade de Dom Marcelo Cavalheira, o Centro de Orientação – como algo projetado pela Igreja – também assumiu tal característica, de não se reduzir ao mero assistencialismo jurídico. Prova disso é a maneira como as ações dos CODH vão ser desenvolvidas com o agravamento dos problemas sociais, como discutiremos a seguir.

O depoimento de um advogado – que foi um dos fundadores do CODH –, vai nesta linha de raciocínio e enxerga que embora o CODH tenha surgido com a finalidade de orientação, posteriormente, diante das circunstâncias, começa a atuar em defesa dos trabalhadores:

Eu participei da arquidiocese como agente pastoral, Dom José Maria Pires me convidou, e eu tinha todo um desejo de continuar a ajudar na luta dos trabalhadores rurais, dos operários. E foi nesse desejo que Dom Marcelo me convidou para fazer parte. Eu ainda era acadêmico de direito em 1979, Dom Marcelo ainda era bispo auxiliar de Guarabira, me chamou e a gente criou o CODH que foi o segundo na Paraíba53.

Dentro de uma visão de que direitos humanos não seria pra defender simplesmente os direitos humanos, sozinho, um grupo de elitistas, de advogados, de profissionais que teria condição de defender o povo. Aí por isso que a gente colou Centro de Orientação dos Direitos Humanos- CODH, porque a gente entendia que as pessoas teriam que participar nessa defesa e não entregar para um advogado defender sozinho. Daí a razão do nome, a gente não botou Centro de Defesa dos Direitos Humanos, a gente botou CODH. Então, o procedimento era de orientar, de fazer com que a pessoa tomasse conhecimento dos direitos dele. Agora em casos de defesa, aí a gente podia fazer a defesa, a postulação. Inicialmente a gente era um centro de orientação. Depois se viu que só orientar não se chega a lugar nenhum [...] E por isso que a gente começou a também fazer a defesa (Entrevista com Camilo Pereira, janeiro de 2014. Grifo nosso).

52 Ver Barbosa (1992, p. 43).

53 O 1º foi o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) formado a partir de 1977 pela arquidiocese

Esse processo de constituição do CODH se deu em um momento de esquecimento quase que total do Estado para com os problemas e os direitos dos trabalhadores do campo e da cidade na região de Guarabira. Talvez por esta razão tenha sido tão significativa à contribuição do Centro, conforme podemos acompanhar no depoimento a seguir:

O centro surgiu quando não tinha nenhum órgão estatal de assistência nem de atenção às pessoas que buscavam seus direitos [...] Justiça do trabalho não existia na região. Quer dizer o centro surgiu exatamente para isso! Para apoiar, orientar e encaminhar as questões das pessoas. Como lá em Guarabira a coisa mais gritante era a questão do trabalho e a questão da terra, trabalho urbano e trabalho rural. Até 1986, antes da chegada da justiça do trabalho à maioria absoluta dos comerciários de Guarabira recebiam inferior ao mínimo e não tinham nenhuma garantia [...] Mas nós escolhemos terra e trabalho, porque era a coisa mais que estavam carente de orientação. Incluindo terra aqui a questão da reforma agrária [...](Entrevista com Camilo Pereira, janeiro de 2014. Grifo nosso).

A grande importância do CODH constituiu em prestar assessoria jurídica e contribuir pedagogicamente para que a classe trabalhadora pudesse reivindicar na justiça o cumprimento de seus direitos, como no caso do direito à terra pelos posseiros e dos direitos trabalhistas aos assalariados da cana. Sem dúvida suas ações apontaram um caminho, onde antes não existia, para que a classe trabalhadora se defendesse da forte opressão imposta pelos proprietários.

Nos vários conflitos existentes na região de Guarabira o Centro de Orientação pôde atuar articulado com um outro Serviço da Igreja, conhecido como a Pastoral Rural (posteriormente CPT), surgido pela ampliação da demanda de acompanhamento das áreas em conflito. Muito mais ligado à questão da terra, a Pastoral Rural contribuiu significativamente como mais uma forma da Igreja se fazer presente no meio do povo do campo.