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7.2 A ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

7.2.1 O automóvel como utensílio que permite a manifestação da modernidade

As entrevistas realizadas procuraram entender o porquê do uso do automóvel pelos brasilienses; a argumentação recorrente foi a explicação a partir da equação meios-fins. As exigências da modernidade – de rapidez e eficiência – se apresentam como questões fundamentais aos deslocamentos existentes no espaço urbano, contribuindo decisivamente para que os indivíduos modernos optem por utilizar no meio urbano, formas compatíveis de trânsito com as necessidades da modernidade; e, para o brasiliense, a forma que melhor corresponde a esta necessidade moderna é o automóvel.

A matemática dos automobilistas entrevistados se pautou no ganho de tempo que se tem com o uso do automóvel. As justificativas pela escolha de utilização do carro se apresentam como uma ação racional do tipo meios-fins, onde a facilidade e a rapidez são elementos fundamentais e também os mais lembrados pelos brasilienses para a utilização do

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automóvel. No entanto, mesmo com a predominância da rapidez e eficiência que a modernidade exige, os motoristas também afirmam que o carro, além de mais rápido, é mais seguro e, às vezes, é mais barato que outros meios de transporte.

O automóvel significa pra mim a melhor opção pra me deslocar. É mais fácil, mais rápido, mais cômodo e seguro. Até sei que existem outras formas pra se deslocar e que são até mais ecologicamente e tal e daí até podem ser melhores e mais recomendadas como a bicicleta, o metrô, o ônibus. Mas pra que usar esses meios de transporte se eles perdem em tudo para o carro. (Marcos, 35 anos, servidor público, proprietário de um Ford Fiesta, ano 2009).

Outro valor da modernidade presente no discurso dos brasilienses quando o assunto são as justificativas da utilização do automóvel é a questão da liberdade – um dos aspectos mais caros da modernidade e da própria conformação do individualismo moderno. Origina-se daqui a ideia de que o automóvel permite realizar percursos com maior liberdade de escolha e, fundamentalmente, com maior independência dos horários das viagens, se comparado com o transporte público. Os automóveis são colocados aqui como meios de transporte que, além de eficientes, também permitem a manifestação plena do individualismo moderno, uma vez que os motoristas independem de questões externas para realizar os deslocamentos diários. A liberdade de ir e vir a qualquer momento do dia ou da noite, bem como a liberdade de itinerários, mostram-se como aspectos bastante valorizados quando os brasilienses são indagados a comentar sua relação com os veículos automotores.

O carro é pra mim o mais eficiente meio de transporte. Com ele vou pra qualquer lugar a hora que quero e volto quando quero também. Não da pra ficar perdendo tempo em ônibus lotado que você não tem ideia de quando vai passar. E quando passam, você só fica esperando a hora deles quebrarem. (Juliano, 48 anos, Analista de Sistemas, proprietário de um Fiat Idea 2010).

A defesa do individualismo motorizado também transparece quando os entrevistados são estimulados a comentar a respeito das recentes medidas de implantação, pelo governo, de faixas exclusivas para ônibus nas vias mais movimentadas. O relato que se segue é uma amostra da essência do individualismo motorizado no brasiliense, que pressupõe a necessidade de oferecer garantias para que este se manifeste livremente, sem interferências de nenhuma ordem. Em tal processo, medidas de favorecimento do transporte público se chocam com o interesse dos automobilistas, uma vez que os próprios valores e promessas da utilização do automóvel são colocados em cheque na medida em que os motoristas veem restringir o espaço reservado aos seus carros na cena urbana brasiliense.

Olha, eu acho essas ideias de faixa pra ônibus ruim porque pra mim que anda de carro agora tá muito mais engarrafado que antes, piorou e muito e se o governo tá

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pensando que o povo vai passara andar de ônibus ele tá muito enganado porque isso não vai acontecer porque o povo gosta de andar no seu carro, é muito melhor você ir pros lugares e o povo já acostumou e depois que acostumou pode esquecer. Pode vir até teletransporte que o povo não deixa o carro em casa. Tá certo que as faixa vão ajudar quem anda de ônibus e ônibus aqui é tão ruim é tão complicado que o povo até merece andar mais rápido, tem que ter incentivo mesmo, mas o governo tem que arrumar outra solução porque beneficia uns e prejudica outros, tem que pensar num jeito de ajudar todo mundo o motorista de carro e o passageiro do ônibus. Porque eu que e muitos que estão acostumados com a mordomia do carro não vamos deixar o carro em casa não. (Walrmir, proprietário de um Honda Civic, 2010).

Alguns entrevistados desaprovam as medidas em prol do transporte público pelo fato de terem sido prejudicados com a retirada de uma faixa de circulação que antes era compartilhada entre carros e ônibus. A expectativa de que o carro não cumpra o seu devir na modernidade brasiliense é fundamental para a postura das pessoas em relação às medidas de incentivo ao transporte público. Os argumentos apresentados destacam tais medidas em prol de coletividades como entraves à própria promessa moderna que criou a diferenciação com a invenção do indivíduo na sua singularidade. Assim, não apenas a promessa em relação ao automóvel, mas a todo o processo que envolve a modernidade enquanto valor intrínseco fica ameaçado com as medidas que beneficiam as noções de coletividade. As reações em relação à faixa exclusiva na via Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), que destinou uma via de rolamento somente para a utilização dos ônibus, evidenciam a preocupação com os impactos da promessa de rapidez dada somente ao automóvel – visto como artigo individual e signo de diferenciação – chegar também aos ônibus. Se o modo individual deixa de ser o mais rápido, a promessa do próprio automóvel enquanto expressão da modernidade também é colocada em questão.

Esse negócio de faixa exclusiva funciona só pra quem anda de ônibus porque pra mim que ando de carro fui prejudicado, porque o governo pelo menos poderia botar uns ônibus melhor porque tinha até a chance de algumas pessoas irem pro ônibus, mas com os ônibus de hoje eu fiquei muito prejudicado porque o engarrafamento agora mais que dobrou e aí desse jeito do que adianta eu usar o meu carro? Eu uso carro pra poder andar mais rápido, agora com essa lentidão toda não adianta. O jeito é sair mais cedo pra não atrasar. – Entrevistador: Mas você pode ir de ônibus pra chegar mais rápido... – Olha, até que podia ser, mas prefiro acordar mais cedo, não troco meu carro por essas lata de sardinha dos ônibus não, não tem a mínima condição, ir espremida com aquele bando de gente lá, sem conforto nenhum, não dá.. (Monalisa, 29 anos, proprietária de um Kia Ceratto, ano 2009).