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Os dados apresentados até aqui dimensionaram a importância cada vez maior que a automobilidade vem ganhando no cotidiano do brasiliense. O exponencial aumento do número de automóveis e motocicletas aponta para a presença cada vez mais rotineira destas máquinas de autolocomoção no cenário urbano da metrópole modernista, o que vem alterando significativamente o padrão e a própria estrutura da mobilidade urbana do Distrito Federal. No caso da automobilidade brasiliense, a participação do automóvel é bem maior que nas demais cidades brasileiras, ou seja, quando se fala em transporte individual no DF, pensa-se fundamentalmente no uso do automóvel.

No entanto, apenas a apresentação de dados quantitativos do aumento da frota automotiva não é suficiente para a compreensão de todas as dimensões que envolvem a predileção crescente pela automobilidade em Brasília. Os dados secundários aqui apresentados são importantes para indicar a generalização de uma cultura do automóvel, mas, embora descreva o quanto os brasilienses se deslocam por automóvel, transporte público, a pé e bicicleta, e quais são as razões que levam aos referidos deslocamentos, os dados quantitativos não informam nada a respeito do porquê se utiliza este ou aquele meio de transporte. Neste sentido, os dados secundários das pesquisas Origem-Destino (O-D), mesmo importantes para descrever os movimentos cotidianos pela metrópole brasiliense, não conseguem explicar as razões destes deslocamentos.

Nos últimos anos, Brasília alterou significativamente o padrão de mobilidade pelo espaço urbano da cidade; observou-se que houve uma migração substancial dos deslocamentos realizados por transporte público para o automóvel. Para compreender as razões que levaram a consolidação deste fenômeno, faz-se necessário procurar explicar o processo e os motivos que levaram à referida mudança no modo de se deslocar pelo espaço da metrópole brasiliense. Para tanto, faz-se necessário acessar os indivíduos que se valem da automotorização a fim de encontrar os motivos que levam os brasilienses a utilizar os automóveis para a realização dos deslocamentos cotidianos. Por fim, a pesquisa com os proprietários de automóveis no DF denota a importância da compreensão da relação homem- carro, na busca pela identificação das características da cultura do automóvel, que vem se consolidando a partir do aumento quantitativo de carros no DF há algum tempo.

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Os dados a seguir são resultado de uma pesquisa de cunho qualitativo com os motoristas de automóveis de Brasília. O objetivo foi identificar os elementos que explicassem a relação entre o brasiliense e seu automóvel, uma vez que apenas a constatação do aumento do número de automóveis nas ruas das cidades não é suficiente para a compreensão das razões que levam os indivíduos a comprar e se locomover mediante o transporte individual.

A fim de concretizar a dimensão subjetiva das razões do uso do automóvel, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com brasilienses proprietários de automóveis. As entrevistas foram conduzidas a partir de um roteiro disponibilizado em anexo do presente estudo e exploraram a relação indivíduo-automóvel. Os temas envolvendo o automóvel e a cidade de Brasília, na sua dimensão modernista, foram apresentados aos entrevistados, que foram estimulados a discorrer livremente sobre tais questões.

A pesquisa de campo identificou uma relação bem variada entre os indivíduos e seus automóveis. Esta relação vai desde a imagem do automóvel como artigo de necessidade, ou seja, um bem utilitário que facilita os afazeres da vida moderna com a rapidez, conforto e eficiência que esta requer, passando por uma imagem de signos de status ou símbolos de liberdade, até uma relação de complementaridade do ser social, na qual os carros cumprem papel essencial de agentes de um individualismo celetista.

Foram realizadas 25 entrevistas entre o mês de novembro de 2011 e o mês de janeiro de 2012, nos locais de maior movimento de pessoas e automóveis do DF, de acordo com os principais motivos que levam os indivíduos a se locomoverem pelo espaço da metrópole modernista a partir dos dados da pesquisa O-D, de 2009: trabalho, estudos, saúde e lazer. Os motoristas que se deslocavam por motivo de acesso ao trabalho foram entrevistados no Setor Comercial Sul (SCS) e na Esplanada dos Ministérios; já os automobilistas que se moviam na busca por lazer foram abordados pela pesquisa no shopping Pier 21 e shopping Park Shopping. Os motoristas que buscavam serviços de saúde foram abordados nos Setores Hospitalares Locais Sul (SHLS) e Norte (SHLN). Por fim, os indivíduos motorizados que se deslocavam motivados pelo acesso aos estudos foram entrevistados na Universidade de Brasília (UnB) e no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), instituições de Ensino Superior localizadas no bairro Asa Norte, e na Universidade Paulista (UNIP), instituição também de Ensino Superior localizada no bairro Asa Sul.

A concentração das entrevistas no Plano Piloto do DF se deu não apenas pela constatação empírica de concentração das atividades urbanas e produtivas em tal, mas também com o intuito de identificar não apenas a relação indivíduo-automóvel, mas como o

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referido processo se relaciona com a metrópole modernista personificada e materializada na sua expressão máxima – a área tombada que compreende o desenho do urbanista Lúcio Costa. As entrevistas realizadas com os automobilistas que se deslocavam a trabalho e na busca por serviços de saúde se deram em horário comercial, de segunda-feira a sexta-feira, em virtude de o referido horário ser o melhor momento para a abordagem. Partindo do princípio da maior facilidade do encontro de possíveis entrevistados, a abordagem aos automobilistas na busca de lazer se deu nos fins de semana, e aos estudantes, no período noturno ou horário comercial – no caso dos estudantes da Universidade de Brasília.

Das 25 entrevistas efetivadas, procurou-se uma proporcionalidade entre homens e mulheres e entre os motivos dos deslocamentos. Assim, foram identificados 10 entrevistados como sendo automobilistas a trabalho, 7 entrevistados dirigiam por motivos de educação, 4 entrevistados encontravam-se na busca por lazer/compras, e outros 4 entrevistados foram abordados na condição de busca aos equipamentos de saúde. A partir de tais parâmetros, a abordagem se deu de forma aleatória aos motoristas que chegavam ou saiam destes polos geradores de viagem, local de trabalho, escola, hospitais e centros de compras.

A abordagem aos entrevistados se deu de forma direta, com uma apresentação do pesquisador como aluno do programa de Pós-Graduação em Sociologia da UnB, e uma rápida explicação do que se tratava a pesquisa. A maioria dos abordados se mostraram receptivos ao pesquisador e concederam as entrevistas, com duração média entre 15 e 30 minutos. Alguns se mostraram com menos pressa e prolongavam as suas argumentações, outros, justificando atraso para os compromissos respondiam de modo mais objetivo, mesmo com os estímulos para que falassem um pouco mais sobre os temas apresentados. No entanto, houve aproximadamente 10 recusas, cujas principais justificativas eram o fator tempo ou então respostas simples, tais como: “Não precisa pesquisa pra saber do carro em Brasília, não! Aqui foi feito pra isso mesmo e o povo só tem é que comprar [...]”, ou então: “Carro aqui é necessidade! Tem nada a ver com isso de cultura do automóvel, não! Isso se faz pela necessidade, pela sobrevivência [...]”, ou ainda: “Como é que você não quer que o povo ande de carro? Olha o transporte público! Você já andou de ônibus aqui? Se andasse, não precisava nem dessa pesquisa!” Estas justificativas também apareceram nas falas daqueles que aceitaram participar da pesquisa, conforme se apresentará a seguir.

Nas análises das falas dos entrevistados, tem-se a alteração dos nomes dos indivíduos que colaboraram com a pesquisa, visando preservar as identidades dos participantes da pesquisa, além de criar um cenário no qual os mesmos colaboradores ficassem mais a vontade

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para falar a respeito dos temas abordados. Alguns entrevistados alertados sobre tal questão, disseram não se importar que seus nomes fossem divulgados, mas mesmo assim, optou-se pela utilização de nomes fictícios para todas as transcrições que se seguem.