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A cana-de-açúcar, Saccharum officinarum, é uma gramídea que constitui um importante alimento e fonte de bioenergia, além de ser um componente significativo da economia de muitos países em regiões tropicais e subtropicais.21, 36

Na agricultura brasileira, o cultivo da cana-de-açúcar tem grande destaque22 devido à crescente produção de açúcar e etanol de primeira geração (etanol 1G) e tem como consequência a geração de subprodutos de valor econômico. Dentre estes destaca-se o bagaço de cana-de-açúcar, o qual tem sido objeto de grande interesse para estudo de sua composição e consequente utilização.37

10 O bagaço de cana-de-açúcar é um subproduto fibroso resultante da moagem para extração do caldo da cana-de-açúcar e é o maior resíduo da agroindústria brasileira. De cada tonelada de cana moída obtêm-se cerca de 250-300 kg de bagaço de cana contendo 50% de umidade, ou seja, aproximadamente 30% do que entra no processo produtivo torna-se resíduo que precisa ser destinado e/ou reaproveitado, pois tal subproduto constitui um problema para a indústria em relação à sua estocagem além de ocasionar um problema ambiental e de saúde.38

Após a extração da sacarose e outros nutrientes, o bagaço de cana ainda contém muita matéria orgânica, sendo uma possível fonte de energia e de outros produtos de química fina. Sendo assim, grande parte do bagaço de cana é utilizado como combustível para as caldeiras das próprias usinas, em substituição à lenha ou óleo combustível. Ainda assim, sobra um excedente equivalente a 20-30% do total gerado, e por ser um material fibroso e com um baixo valor nutritivo é pouco utilizado pelos ruminantes quando in-natura, mas pode ser destinado à outras aplicações como produção de etanol de segunda geração (etanol 2G), papel e celulose, etc.21, 38

Como enfatizado e detalhado anteriormente, o bagaço de cana é um material lignocelulósico e, portanto, rico em polissacarídeos, como a celulose e as hemiceluloses, comumente encontradas nas paredes celulares das células vegetais e a lignina, encontrada em maior quantidade na lamela média. Esses compostos são considerados majoritários, pois compõem mais de 75% da biomassa vegetal e conferem resistência mecânica à planta, sendo o restante da biomassa composta por substâncias como proteínas, extrativos orgânicos (taninos, flavonoides, terpenos e etc) e sais minerais.

Devido ao seu baixo custo e sua elevada abundância em território brasileiro, o bagaço de cana é um resíduo agroindustrial que deve ser reaproveitado.39 O bagaço in natura já possui capacidade de adsorver corantes e metais40, 41, porém, a modificação química agrega valor a este resíduo, permitindo melhorar expressivamente a sua capacidade adsortiva. Outros trabalhos de modificação química de bagaço de cana-de-açúcar podem ser encontrados na literatura1-3, 6, 7, 13 e corroboram com a ideia central de que é totalmente factível a transformação desta biomassa em um produto de maior valor agregado e com uma excelente aplicabilidade ambiental.8 A Tabela 2 apresenta uma compilação de alguns estudos encontrados na literatura que utilizaram o bagaço de cana in natura ou modificado para remover corantes e metais de soluções aquosas.

11 Tabela 2: Alguns estudos de adsorção de metais e corantes empregando o bagaço de cana-de-açúcar in natura ou modificado como adsorvente de metais e corantes.

Matriz Agente de modificação Adsorvato qe (mmol/g) pH Referência

Bagaço de cana-de-açúcar

Anidrido trimelítico (AT)

Co+2; Cu+2; Ni+2 0,950; 1,121; 1,295 5,75; 5,5; 5,75 3

Anidrido ftálico (AF) 0,462; 0,845; 0,701 42

Anidrido succínico (AS) Co+2; Cr+3 1,920; 1,190 6,4; 5,9 1

Dianidrido piromelítico, FeCl2/FeSO4 Pb +2; Cd+2 1,200; 1,100 5,0 43 NaoH / HCl Hg+ 0,180 4,0 44 In natura Cu+2 0,108 5,0 41 Acido cítrico 0,187 NaOH 0,496 NaOH/ácido cítrico 0,392 Dianidrido do EDTA Zn+2 1,610 a 6,3 45 0,695 b Cu+2 0,884 3,0 7 1,049 5,3

12 Bagaço de cana-de-açúcar AS Cu+2; Cd+2 e Pb+2 1,794; 1,744; 0,912 5,5-6,0; 6,5- 7,5; 5,0-6,0 13 AS/etilenodiamina 2,187; 1,459; 0,912 AS/tetraetilenotetramina 2,093; 2,784; 1,511 Bagaço de cana-de-açúcar mercerizadoc Dianidrido do EDTA Cu+2 0,932 3,0 7 1,210 5,3 Bagaço de cana-de-açúcar mercerizado duas vezes Dianidrido do EDTA Cu+2, Cd+2 e Pb+2 1,116; 0,925; 1,149 3,0 7 1,457; 1,325; 1,607 5,3 AS 2,914; 2,281; 2,413 6 Bagaço de cana-de-açúcar

Ácido de Meldrum Violeta cristal 1,858 7,0 2

Dianidrido do EDTA

Azul de metileno 0,712

8,0 46

Violeta de

13 Anidrido succínico Azul de metileno 1,683 8,0 47 Violeta de genciana 3,418

Ácido fosfórico Vermelho

metileno 0,041 7,0 48 Dianidrido do EDTA Azul de metileno 0,415 8,0 49 In natura 0,126 In natura Rodamina B 0,148 5,0 – 10,0 50 Azul de metileno 0,108 In natura Vermelho do congo 0,055 5,0 -10,0 40

a Zn+2 advindo de uma solução sinteticamente contaminada; b Zn+2 advindo de um efluente real; c Bagaço de cana mercerizado é um bagaço previamente tratado com uma solução de

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1.1.2.4.1 Importância da modificação do bagaço de cana com um e dois tipos de anidrido cíclico de ácido carboxílico

Trabalhos de modificação química de materiais com mais de um agente de modificação vêm atualmente ganhando destaque, como exemplo, tem-se o trabalho de Almeida et al. (2016)51 que modificaram a superfície da quitosana produzindo um novo adsorvente que foi sintetizado por quaternização do grupo amino da quitosana seguido de esterificação dos grupos hidroxila com dianidrido do EDTA (EDTAD), o qual proporcionou características catiônicas e aniônicas ao material e propiciou a inserção de funções amina quaternária e funções ácido carboxílico, permitindo a remoção por adsorção de cátions metálicos como Co+2, Ni+2 e Cu+2 e oxiânios de Cr+6 de soluções aquosas sinteticamente contaminadas.51

Os ésteres de celulose heterossubstituídos misturados (mixed cellulose esters) também vêm sendo estudados e são particularmente de interesse em vários campos, pois a combinação de dois ou mais tipos de grupos acila inseridos na mesma matriz celulósica confere propriedades adicionais em comparação com os ésteres de celulose homossubstituídos. Como exemplo, tem- se os acetatos de celulose que são polímeros com propriedades plastificantes para processamento por moldagem térmica, enquanto que o acetato propionato de celulose e o acetato butirato de celulose são materiais termoplásticos por si mesmos.52 Também já foi demonstrado que ésteres de celulose misturados contendo grupos acetila e acila apresentam melhores propriedades mecânicas que os ésteres de celulose simples.53 Segundo Vaca-Garcia et al (2001), todas estas características dependem não apenas da natureza dos agentes substituintes, mas também no grau individual de substituição.52

Como a celulose é o componente majoritário do bagaço de cana-de-açúcar27 e essa seria, portanto, a parte majoritariamente modificada, o raciocínio empregado para os mixed cellulose

esters pode ser usado para o bagaço de cana também. Sendo assim, no presente trabalho o bagaço de cana-de-açúcar foi modificado usando dois anidridos cíclicos de ácido carboxílico, o anidrido succínico e o anidrido ftálico. Desta forma, sabe-se que as funções inseridas provenientes de ambos os agentes modificadores são funções ácido carboxílico, mas o que vai influenciar nas propriedades quelantes do material sintetizado será o valor de pKa de cada função ácida liberada na esterificação, fazendo com que cada hidrogênio ácido seja ionizado em um determinado valor de pH. Sendo assim, o diferencial desse trabalho de modificação química está no que concerne ao efeito eletrônico de cada um dos grupos ligantes inseridos na matriz do bagaço de cana, os quais podem permitir que o processo adsortivo de espécies catiônicas ocorra em uma faixa de pH mais ampla. Como no caso desse trabalho, o intuito é a produção de um novo material adsorvente, não está se avaliando as propriedades físicas, como

15 avaliaram Vaca-Garcia et al. (1998)53, mas sim sua aplicabilidade ambiental, não descartando a possibilidade de investigações de tais propriedades em trabalhos futuros. Além disso, o anidrido succínico possui cadeia alifática, o que permite liberdade conformacional à molécula e o anidrido ftálico possui um anel aromático que o faz perder liberdade conformacional. Desta forma, a hipótese lançada é que a inserção de dois anidridos na matriz produz um material mais seletivo com possibilidade de formar mais complexos com íons metálicos devido à liberdade conformacional do anidrido succínico, e, a presença do anél aromático no anidrido ftálico permitiria a adsorção de espécies como os corantes não só por meio de atrações eletrostáticas, mas também por meio de interações π-π entre os anéis.