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O BID E A ERA CLÁSSICA DO DESENVOLVIMENTISMO LATINO-

CAPÍTULO 1 O BID E A AMÉRICA LATINA

1.3 O BID E A ERA CLÁSSICA DO DESENVOLVIMENTISMO LATINO-

pode-se, grosso modo, afirmar que havia uma forte complementaridade entre a missão de desenvolvimento originalmente concebida para o banco e o consenso em torno das estratégias de desenvolvimento a serem postas em curso pelos países latino-americanos. Segundo Tussie (1995: 21; 79-80), esse mandato teria sido o de financiar projetos de investimentos e prover assistência técnica, com especial atenção aos países mais vulneráveis da região. Ao longo da história do banco houve um ciclo pendular na tentativa de equilibrar, de um lado, o apoio a propostas de financiamento de projetos economicamente viáveis e, de outro, prioridades como o alívio da pobreza e proteção ambiental. Conforme tabela abaixo, percebe-se que os FOE20 voltados especificamente para tais países tiveram montantes proporcionalmente consideráveis em suas duas primeiras décadas de funcionamento.

20 Inicialmente, a “soft window” (empréstimos mais facilitados) estava concentrada no “Social Progress Trust Fund” incorporado em 1965 pelo Fundo de Operações Especiais. (KRASNER, 1981: 306-307)

Sempre houve uma preocupação de evitar-se que as maiores economias da região monopolizassem os financiamentos do banco21, mas, no Capital Ordinário, essa era uma tendência persistente, do ponto de vista quantitativo absoluto, dada à magnitude das demandas desses países e de sua maior capacidade técnica de elaborar e submeter projetos. No entanto, deve salientar-se que do ponto de vista relativo (desembolso por país/ tamanho da economia), incluindo os dois fundos (Capital Ordinário e FOE) os países menores seriam os mais beneficiados (BARRIA & ROPER, 2004: 630). Ademais, de acordo com Griffith-Jones (1994), para os países menores e mais pobres são mais dependentes da ajuda exterior e, do ponto de vista do banco, são esses os países que mais demandam tempo e trabalho dos funcionários do banco.

Quadro 3 - Total de desembolsos do BID por fundo, de 1961 a 1979 (US$ milhões)

Ano Capital

Ordinário

FOE Outros Fundos Total

1961 2 3 1 6 1962 29 9 22 60 1963 60 15 66 141 1964 107 24 67 198 1965 83 29 70 182 1966 97 45 70 212 1967 113 70 70 253 1968 113 120 58 291 1969 139 192 63 394 1970 150 245 33 428 1971 180 249 12 441 1972 186 279 14 479 1973 224 312 11 547 1974 291 324 13 628 1975 328 371 13 712 1976 364 350 13 727 1977 391 392 49 832 1978 559 433 70 1062 1979 613 447 96 1156

Fonte: KRASNER (1981: 2-3) & BID, Relatório Anual, 1979, pp. 2-3

Influenciado especialmente pelos trabalhos da Cepal, o prognóstico estrutural- dependentista, amplamente difundido na América Latina, era o do imperativo da

21 Krasner (1981: 316) relata algumas dessas tentativas, sobretudo em relação ao Brasil, ao México e à Argentina.

industrialização como parte necessária à superação do subdesenvolvimento e da condição de dependência em função da deterioração dos termos de troca. No entanto, nesses países o processo de industrialização enfrentaria uma série de desafios, dentre os quais pode ser destacado, por exemplo, uma infraestrutura precária. Obras dessa natureza tendem a demandar altos investimentos e um tempo relativamente longo de retorno, o que costuma ser ainda mais difícil em locais com mercados de capitais pouco desenvolvidos e avessos a risco.

Além disso, outros investimentos em áreas como saneamento básico também não costumavam ser atividades comuns no setor bancário privado o que levou o BID, ao iniciar os financiamentos nessa área, a ser conhecido como “water and sanitation bank”. O primeiro financiamento do banco, por exemplo, foi o do tratamento de água e esgoto da cidade de Arequipa no Peru em 1961. Segundo Tussie (1995: 03; 49), o BID foi responsável por dois terços dos investimentos em água potável durantes os anos sessenta e setenta. Mesmo com o Banco Mundial entrando no setor nos anos oitenta, o BID continuou a liderar os investimentos desse tipo. Fatos análogos explicam outros apelidos dados ao banco como “university bank”, por causa de seu envolvimento em programas para o ensino superior, e “integration bank”, devido aos programas de integração regional.

Nessa época, vigorava a ideia de que, na falta de atores privados dispostos a aventurarem-se nesses tipos de empreendimento supracitados, caberia ao Estado essa responsabilidade. Contudo, para a maioria dos Estados latino-americanos, os recursos necessários para tamanho investimento estavam acima de suas capacidades imediatas.

“Na formulação e execução desses planos, um papel principal cabe ao Estado e às entidades públicas, responsáveis pela criação da infraestrutura econômica e de desenvolvimetno das indústrias básicas e pesadas. Outros componentes do modelo são a reforma agrária, a eletrificação rural e os programas de desenvolvimento urbano e rural integrado. Essa estratégia de planejamento é endossada pelos organismos internacionais com sede em Washington e constitui uma das bases conceituais do Programa Aliança para o Progresso. Por causa do influxo destas ideias, nascem, a partir de então, em toda a região, os ministérios ou conselhos nacionais de planejamento. Ao mesmo tempo, criam-se fundos nacionais de pré- investimento para tornar possível a formulação e avaliação de programas e projetos específicos de investimetno que definiriam o rumo do desenvolvimento. O BID presta seu apoio a esse processo.” (Brezina, 1999: 65)

Nesse sentido, fica evidente como os bancos de desenvolvimento eram instituições com potencial não desprezível de complementaridade para os planos desenvolvimentistas capitaneados pelos Estados latino-americanos. Nas primeiras décadas de funcionamento do BID, as relações do banco ocorriam preferencialmente com os respectivos governos nacionais/federais dos prestatários ou sob a garantia deles.

Ainda de acordo com Tussie (1995), nos anos sessenta os desembolsos do BID davam- se principalmente por meio da submissão e apreciação de projetos, os quais se concentraram da seguinte forma: 40% em agricultura, indústria e mineração, ou seja, no setor produtivo; 30% em infraestrutura (transporte, comunicação e energia); 25% em desenvolvimento social (abastecimento de água, esgoto, habitação e educação). Posteriormente, na década de setenta, o banco incentivou a criação de instituições que implementassem projetos e prestassem serviços, como forma complementar ao esquema de projetos específicos. Já na década de oitenta, ensaiou-se a destinação de metade dos recursos para projetos que beneficiassem grupos da baixa renda, mas a eclosão da Crise da Dívida redirecionou parte dos recursos para socorrer a balança-de-pagamentos de alguns países em dificuldades.

Alguns autores apontam que, apesar da forte complementaridade entre o que os prestatários demandavam e o que o BID oferecia, sua influência do ponto de vista político e econômico sobre esses países não pode ser superestimada. Tussie (1995: 3-4), por exemplo, ressalta que o excesso de liquidez dos anos setenta em função dos petrodólares tornava o acesso ao capital no mercado privado mais fácil e barato, sobretudo para os maiores países da região. Em outras palavras, o BID estava em meio a uma forte concorrência. Já nos anos oitenta, a influência limitada do BID se dava em função da própria escassez de recursos disponíveis por causa de uma posição menos colaborativa por parte do principal mutuário. Desde o Quarto Aumento Geral de Capital em 1976, os Estados Unidos apresentavam-se pouco generosos ou entusiasmados em contribuir com o banco, o que pode ser observado na estagnação da evolução do capital constituído do banco (paid-in capital),22 algo agravado no governo Reagan (1980-1988). Diante da maior crise enfrentada pelos países latino-americanos na segunda metade do século XX - a Crise da Dívida dos Anos Oitenta – os recursos do banco não eram suficientes para socorrer seus prestatários a contento e muitos deles estavam em dificuldades de honrar seus compromissos para com o banco. Além disso, segundo Vivares (2013: 58; 62) havia demonstrações por parte dos Estados Unidos de que um aumento de capital à altura do problema só seria concedido se mudanças fossem introduzidas como o maior poder de voto para os americanos e a “submissão” do BID às políticas do Banco Mundial. Ortiz Mena, então presidente do BID, cuja antipatia aos americanos não era segredo, recusou-se a aceitar a indicação de James Conrow do Tesouro Americano para a vice- presidência do banco, cargo tradicionalmente ocupado por eles. O episódio acabou com a

22 O capital constituído do banco reflete o agregado da contribuição de todos os investidores por meio da compra de ações da própria corporação.

renúncia de Ortiz Mena da presidência do BID em 1988. Araújo (1991) acredita que o BID chegou próximo à inviabilidade nesse período.

Quadro 4 - Evolução dos Aumentos Gerais de Capital do BID

Ano Capital Constituído (em milhões de dólares)

Fundos Originais 1959 400 Primeiro Aumento 1964 75 Segundo Aumento 1968 0 Terceiro Aumento 1970 400 Quarto Aumento 1976 428 Quinto Aumento 1980 600 Sexto Aumento 1983 675 Sétimo Aumento 1990 663 Oitavo Aumento 1995 1000 Nono Aumento 2010 1700

Fonte: Sítio Eletrônico do BID, acessado em 30/03/2014, disponível em:

http://www.iadb.org/en/capital-increase/idb-ordinary-capital-timeline,1893.html

No que diz respeito às relações com outras instituições financeiras internacionais, destaca-se, especialmente, aquela com o Banco Mundial, na qual parte da sua missão e estrutura organizacional foram inspiradas. À época da fundação, havia a preocupação por parte do Banco Mundial de que o BID ocupasse o seu espaço na América Latina. No entanto, nos primeiros anos de funcionamento, houve uma divisão informal dos setores priorizados por cada um deles. Apenas a partir de 1968, conforme se escasseavam os projetos economicamente viáveis, a sobreposição da oferta de serviços intensificou-se, algo agravado nos anos setenta com o aumento de recursos disponíveis no mercado privado. Já nos anos oitenta, em meio à Crise da Dívida e à diminuição dos recursos disponíveis do BID, diminuiu- se a concorrência e aumentou-se a importância relativa do Banco Mundial (Araújo, 1991: 24- 26).

Gráfico 1 - BID e Banco Mundial – Empréstimos totais aprovados em milhões (1961-1988)

Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Araújo (1991)

1.4 O BID NA ERA NEOLIBERAL: UMA AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO SEM O