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CAPÍTULO 3 CAPACIDADE ESTATAL E A MODERNIZAÇÃO DE ESTADO

3.1 STATE-BUILDIND: A CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE ESTATAL

3.1.4 Observando a Capacidade Estatal

Como comentam Kjaer et al (2002), a capacidade estatal em si não é uma característica tangível, mas suas consequências e pré-condições como crescimento econômico e arrecadação fiscal podem ser observadas. Ao revisar uma série de trabalhos que versaram

157 A metacategoria cujos programas serão analisados nessa tese é a de Modernização do Estado. No entanto, alguns marcos teóricos como o conceito de “Interdependência Governada” de Weiss, útil para compreender a parceria entre empresariado e Estado, encontraria um terreno profícuo na análise dos programas da metacategoria de Competitividade.

sobre a conceituação e a mensuração da capacidade estatal, Hendrix (2010) conclui que três fatores são responsáveis por 90% da caracterização multidimensional do conceito. O primeiro fator, correlacionado positivamente, seria a “legalidade racional” à Weber, isto é, quanto maior a presença e a efetividade de um Estado de direito (rule of Law) tanto maior é a capacidade estatal. O segundo fator, correlacionado negativamente, é a presença de uma autocracia rentista, ou seja, uma elite governante de natureza extrativa que não apenas parasita a riqueza gerada pela matriz econômica dinâmica, mas também, muitas vezes, lança mão de políticas que a inibem ou punem-na (algo análogo ao “Estado predatório” de Evans). O terceiro fator, também correlacionado negativamente, é o neopatrimonialismo, a saber, a persistência na contemporaneidade da não diferenciação entre interesses públicos e privados por parte dos agentes da Administração Pública. No que se refere aos critérios mais utilizados em pesquisas acadêmicas para a mensuração da capacidade estariam dois: (1) aqueles relacionados à qualidade burocrática e; (2) aqueles relacionados com a capacidade de arrecadação.

Entre os índices mais conhecidos e citados do primeiro tipo está a “escala de weberianismo” elaborado por Rauch & Evans (1999), voltado para mensurar a qualidade burocrática. A referência do índice tem a ver com a preocupação weberiana sobre o papel das estruturas de autoridade burocrática em facilitar o crescimento econômico. A escala foi construída com base em características como o recrutamento (seleção) meritocrático dos servidores e a carreira previsível no serviço público com possibilidade de ascensão. O pressuposto é de que uma burocracia qualificada é um pré-requisito central de um Estado capaz. Os dados foram fornecidos por especialistas em vários países. Os autores encontraram uma relação diretamente proporcional entre a qualidade burocrática e crescimento econômico no período entre 1970 e 1990.

Gráfico 21 – Relação entre crescimento econômico e Estado weberiano

Fonte: Rauch e Evans (1999)

Em perspectiva parecida, DeRouen & Sobek (2004), preocupados com a relação entre qualidade burocrática e duração e resultado de guerras civis, utilizam-se do International Country Risk Guide do Political Risk Service Group (PRSG) que varia em uma escala de zero a seis, baseada na opinião de especialistas sobre três características da burocracia dos países: (1) recrutamento e ascensão meritocrática na carreira pública; (2) isolamento da pressão política; e (3) capacidade de prover serviços durante as mudanças de governo.

Já Fearon (2005), ao estudar a questão da capacidade estatal em contextos de ameaça de guerras civis e de maldição dos recursos naturais em países cuja economia gira em torno da exportação de commodities, preferiu utilizar como parâmetro de mensuração o risco de expropriação e não cumprimento de contratos, também elaborado por especialistas da PRSG. A credibilidade das instituições é observada a partir da capacidade dos governos de firmarem compromissos com os investidores privados e cumpri-los, ou seja, se os investidores confiam naquele governo é porque acreditam em sua capacidade de sustentar contratos.

O segundo tipo de índice operacionaliza a capacidade estatal por meio da observação de sua capacidade de arrecadação (sob a forma de impostos, taxas, contribuições, etc) ou, de forma mais ampla, a capacidade do Estado de acessar os recursos societais. De acordo com Lieberman (2002: 92): “Tax collection is ultimately the product of policy making, the monitoring of economic activity, the administration of complex laws, and judicial and punitive enforcement. For scholars, varied levels of tax revenue reflects variations in these state processes”. Thies (2010), por exemplo, ao estudar questão similar a de Fearon (2005),

parte da premissa de que a evolução do Estado anda pari passu com a evolução da arrecadação159 e utiliza como parâmetro quatro medidas: (1) participação do governo – uma medida da quantidade de recursos da sociedade consumidas pelo governo, mas cujo foco está nos gastos do que na arrecadação; (2) receita total – inclui tanto as receitas sob a forma de impostos como aquelas sob outras formas; (3) carga tributária – receita dos impostos como porcentagem do produto interno bruto; (4) capacidade política relativa – uma medida que compara a arrecadação de fato de um país com a arrecadação esperada para um país com aquele grau de desenvolvimento e de recursos.

A principal crítica ao uso da capacidade de arrecadação de um Estado como parâmetro para a mensuração da capacidade estatal pode ser mais bem entendida levando-se as considerações de Fukuyama sobre a diferenciação entre as dimensões do escopo e da força, mencionadas anteriormente. Se a carga tributária ou o percentual de arrecadação em relação ao PIB fossem sinônimos de capacidade estatal, o Brasil teria uma capacidade estatal maior do que a dos Estados Unidos. Uma arrecadação grande, em termos tanto proporcionais quanto absolutos, não implica uma reversão automática em quantidade e qualidade de serviços oferecidos aos cidadãos. Além disso, os países diferem muito na concepção sobre o ideal de organização econômico-política, a saber, o lugar do Estado na economia. Por exemplo, nos países de tendência mais liberal como os Estados Unidos, pressupõe-se um escopo de atuação estatal mais reduzido do que aquele dos países escandinavos, que têm Estados de bem-estar social mais desenvolvidos, de modo que é compreensível que os últimos tenham cargas tributárias maiores que o primeiro. Mesmo assim, a capacidade fiscal-arrecadatória de um Estado de levantar recursos frente à sociedade para manter o seu funcionamento e prestar serviços a ela certamente é um parâmetro importante e plenamente justificável do ponto de vista lógico.

Nessa tese, os dois pré-requisitos básicos da capacidade estatal apontados por Hendrix (2010), a capacidade fiscal-arrecadatória e a qualidade e os incentivos ao funcionalismo público, serão os conceitos-guia que estruturarão a análise dos programas do BID, ou seja, investigar-se-á se e como esses programas interferiram nesses aspectos, a partir de uma perspectiva institucionalista discursiva.

3.2 AS REFORMAS DO SETOR PÚBLICO E A MODERNIZAÇÃO DE ESTADO