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3.1 A implementação da política de meio ambiente no Brasil 1 O contexto histórico e político

3.1.2 O Brasil na Conferência das Nações Unidas

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente - realizada em Estocolmo, em 1972 - contou com a participação de 1.200 delegados, representantes de 114 nações, sendo a maioria de nível ministerial. Apenas dois chefes de Estado compareceram: Olaf Palme, da Suécia, e Indira Ghandi, da Índia (STARLING, 1998).

Da participação do Brasil em Estocolmo restou a imagem negativa da representação do governo brasileiro que, conforme amplamente divulgado, convidou os poluidores a vir ao País para participarem da construção do progresso, apesar do relatório de autoria do Chefe da Delegação - Ministro José Costa Cavalcanti - descrever a importância da delegação brasileira nas fases preparatórias e de realização da Conferência e a incompreensão da imprensa, o que teria motivado seus ataques (CAVALCANTI, 1972):

Notou-se, desde o início da Conferência, uma tendência, manifestada, sobretudo na imprensa, de procurar atribuir a certos países uma atitude de intransigência que estaria pondo em risco as possibilidades de sucesso da reunião. A delegação do Brasil foi considerada por alguns um bom alvo para esses movimentos da opinião talvez em função de sua atuação firme e decidida durante o período preparatório, e pelo fato de haver o Chefe da delegação brasileira, ao discursar, ter apresentado as principais teses políticas dos países em desenvolvimento, tais como:

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 14 1- O princípio de que o ônus maior da despoluição e de controle da

poluição cabe aos países desenvolvidos, maiores responsáveis pela deterioração do meio ambiente.

2- A tese da soberania nacional sobre os recursos naturais, e da responsabilidade sobre o seu uso racional em contraposição à tese de administração internacional.

3- A tese da política demográfica como de inteira responsabilidade nacional.

4- A tese de que o desenvolvimento econômico é a melhor solução para os problemas ambientais dos países pobres.

5- A tese de que não se pode limitar a ação de um país à base do desconhecimento ou do conhecimento incompleto, só se admitindo nesses casos, como ação, a pesquisa e análise e o levantamento de novos dados.

6- A tese de que o principal problema com relação a recursos naturais não é necessariamente sua exaustão, mas, ao contrário, a insuficiência de demanda internacional para a oferta atual e potencial de matérias primas.

O forte nacionalismo brasileiro e a defesa intransigente de priorizar o crescimento dos países em desenvolvimento em contraponto às teses de criação de instituições internacionais para a gestão de recursos naturais considerados estratégicos para o Planeta colocaram o Brasil em destaque negativo.

O Ministro Costa Cavalcanti acusa, em seu relatório, além da imprensa, algumas delegações de tentarem apontar, injustamente, o Brasil como liderança negativa na Conferência.

Segundo esse relatório, houve quatro reuniões preparatórias: três em Nova York e uma em Genebra, no período de março de 1970 a março de 1972, analisando vasta documentação de 68 países, quando as principais preocupações da comunidade internacional eram relativas à racionalização do aproveitamento dos recursos naturais e com a poluição atmosférica e marinha, esta posta em relevo pelos sucessivos acidentes com petroleiros e com operações de perfuração da plataforma continental. Na opinião do Ministro Costa Cavalcanti havia também motivações de natureza estritamente política, pelo menos no que dizia respeito aos

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 15 Estados Unidos, que poderiam encontrar na campanha ambiental um derivativo apropriado para os insucessos da guerra do Vietnam e para os problemas sociais internos.

Um dos primeiros embates relatados refere-se à proposição de controle populacional como pressuposto ao equilíbrio ambiental, que a delegação brasileira viu com desconfiança, acreditando ser o objetivo dessa proposta procurar um equilíbrio demográfico satisfatório nos países desenvolvidos, mas, por outro lado, de promover indiscriminadamente o controle populacional do denominado Terceiro Mundo. Além disso, os modelos matemáticos utilizados foram alvo de polêmica, acusados de exagerarem o fator exponencial das taxas de crescimento demográfico e de sub-dimensionarem os recursos naturais disponíveis, não considerando devidamente tanto as reservas previsíveis como os efeitos das inovações tecnológicas (CAVALCANTI, 1972).

Pode-se observar ainda, quais deveriam ser as prioridades na visão oficial do governo brasileiro à época, em trechos do relatório como “[...] as situações que se poderiam considerar como problemas ambientais típicos são encontrados quase exclusivamente nos países desenvolvidos e, em suas formas mais notórias, se associa a determinadas condições de desenvolvimento industrial.”

A delegação brasileira acabou por assumir uma posição de liderança entre os países em desenvolvimento, defendendo as prioridades de crescimento, exploração de recursos naturais e industrialização, ainda que o relatório cite “... isto sem prejuízo de uma atenção para com os problemas ambientais que seja realmente compatível com as aludidas prioridades, tanto a curto como a médio e longo prazo.”

A política econômica do governo defendia a tese de que era preciso primeiro fazer crescer o “bolo” para depois reparti-lo e, nesse sentido, o governo acreditava também que as prioridades eram o desenvolvimento do parque industrial e a expansão da fronteira agrícola, considerando secundárias as externalidades decorrentes da poluição e do esgotamento dos recursos naturais.

Dessa forma, a proposta de congelamento do processo de desenvolvimento do chamado Clube de Roma e publicações como The Limits to Growth (1972) de um grupo do

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 16 Massachusets Institute of Technology – MIT e The Blueprint for Survival (1972), elaborado por cientistas ingleses, foram consideradas pela delegação brasileira como ameaças permanentes para os países que dispunham das maiores reservas naturais, pois se acreditava que isso poderia significar esforços para internacionalização de grandes áreas virgens do planeta.

A participação brasileira era marcada pela atitude de atenção e cautela a fim de evitar que fatores externos interferissem negativamente no processo de desenvolvimento. “Uma posição de equilíbrio em que nem se ignorem os problemas ecológicos, nem se lhes dê importância excessiva, fez-se pois necessária e inspirou a atuação da Delegação do Brasil à Conferência” (CAVALCANTI, 1972).

Os representantes brasileiros passaram a liderar nas reuniões preparatórias a tese de que a Conferência deveria ser essencialmente conceitual, desejando afastar a possibilidade de endosso formal a qualquer tipo de projeto de convenção, alegando a falta de experiência para a codificação internacional na área do meio ambiente. Na questão relativa ao aproveitamento de recursos naturais, os interesses nacionais, em termos econômicos e de segurança eram tão prioritários, que qualquer abertura para uma sistemática com previsão de consulta, em termos ambientais, para projetos considerados de desenvolvimento, era simplesmente inaceitável. “Foi, aliás, precisamente a posição cautelosa e atenta, mas também construtiva, do Brasil que modificou praticamente a concepção da Conferência, de modo a orientá-la no sentido dos interesses dos países em desenvolvimento.” (CAVALCANTI, 1972).

A Conferência ocorreu em Estocolmo no período de 5 a 16 de junho de 1972, assumindo características políticas e conceituais, retirando propostas de ação internacional que previam controles com coordenadas científicas e ajustamentos em ações nacionais, tendo sido aprovadas mais de uma centena de recomendações, agrupadas em seis temas.

No Tema I, que tratou de planejamento e administração de núcleos humanos para melhoria da qualidade ambiental - foram aprovadas 18 recomendações. O Brasil votou contra duas delas: a que chamava atenção dos Governos para a necessidade da consulta bilateral ou

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 17 regional quando as respectivas condições ambientais ou planos de desenvolvimento possam ter repercussões em um ou mais países vizinhos, e a que propunha a ampliação da assistência a Governos pela Organização Mundial de Saúde - OMS e outras agências, no campo do planejamento familiar e da pesquisa no campo da reprodução humana, para evitar as conseqüências da explosão demográfica sobre o ambiente humano. Entretanto ambas foram aprovadas.

No Tema II – Administração dos recursos naturais - a polêmica ficou por conta do apoio do Brasil ao Japão contra a moratória irrestrita de 10 anos para a pesca da baleia. O Japão defendeu a restrição apenas às espécies que estivessem ameaçadas, mas sem sucesso. O Brasil justificou-se dizendo estar informado sobre três espécies de baleia com superpopulação. Na questão das águas, o Brasil viu com desconfiança a proposta de criação de comitês de bacias hidrográficas internacionais e emendou com sucesso “ou outro mecanismo apropriado”. No tópico energia, o Brasil envolveu-se em uma polêmica com a Austrália: esta havia proposto que além da realização de exames sistemáticos após a execução de projetos com aproveitamento de recursos naturais, também se tornassem obrigatórios exames prévios à execução.

Com grande trabalho de explicação aos australianos para mostrar-lhes a inviabilidade de qualquer projeto caso perdurasse sua emenda, conseguiu o Brasil afinal que a própria Austrália reabrisse o assunto quando da aprovação do Relatório da Segunda Comissão, e introduzisse emenda substitutiva que não apenas diluiu inteiramente o perigo de sua emenda anterior, mas também deixou claro que esses exames prévios à implementação de projetos só seriam feitos quando viáveis em conjunto com Governos interessados (CAVALCANTI, 1972).

O Tema III referiu-se à identificação e controle de poluentes de amplo significado internacional. As recomendações aprovadas nesse Tema, de modo geral, coincidiam com o pensamento da delegação brasileira, pois versavam no sentido de aprofundar o conhecimento no campo da poluição, por meio de pesquisas científicas e no estudo de padrões para a proteção do organismo humano, especialmente de poluentes encontrados no ar, nas águas e nos alimentos.

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 18 No Tema IV – Aspectos Educacionais de Informação, Sociais e Culturais dos Assuntos de Meio Ambiente – foram aprovadas várias recomendações sobre programas de capacitação, levantamento, difusão e intercâmbio de informações e de sensibilização da opinião pública, inclusive a adoção do dia cinco de junho como o Dia Internacional do Meio Ambiente. Nesse tema, a única proposta que gerou polêmica, e não foi aprovada, foi a de criação de uma Universidade Internacional sobre Meio Ambiente, apresentada pelo Panamá com apoio da UNESCO. A proposta foi considerada pouco eficiente. Ressalta-se, ainda, a recomendação IV-111 que versa sobre a elaboração de relatórios periódicos dando conta da evolução das condições do meio ambiente, destacando a importância de programas com indicadores.

Para o Tema V – Desenvolvimento e Meio Ambiente – prevaleceu a tese da representação brasileira de soberania nacional, tendo as recomendações sido restringidas à cooperação regional, transferência de tecnologia e financiamentos internacionais.

Em Estocolmo, o maior problema consistiu no fato de que a absoluta maioria das decisões a serem tomadas para a compatibilização entre desenvolvimento e meio ambiente pertencia à esfera da soberania nacional. A decisão de não se tocar em recomendações de caráter nacional esvaziou esse problema de seu significado, simplificando sensivelmente os debates (CAVALCANTI, 1972).

O Tema VI que tratou das conseqüências institucionais das propostas de ação no plano internacional, segundo o relato do Ministro Costa Cavalcanti, prevaleceu inteiramente a orientação desejada pela delegação brasileira. O texto base foi elaborado por representantes das delegações da Suécia, Brasil, Estados Unidos e Quênia. As principais recomendações foram para a criação de programa que veio a ser o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com sede em Nairobi, Quênia, e fundo internacional.

Como conclusão do relatório da participação da delegação do Brasil em Estocolmo em 1972, foi proposta a criação de uma Comissão Permanente para Assuntos de Meio Ambiente, à qual competiria apreciar a aplicabilidade ao caso brasileiro das recomendações aprovadas.

Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG 19 No Anexo 1 são apresentadas cópias de três versões dos Princípios da Declaração sobre o Meio Ambiente, aprovados em Estocolmo em 1972; a primeira, em português, divulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais em 1975; a segunda, também em português, divulgada pelo governo brasileiro (Ministério do Interior, Secretaria Especial do Meio Ambiente, 1982) e a outra, em espanhol, pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA (1982). Estranhamente a versão do Governo Federal se interrompe no Princípio 23, quando a original se estende até o 26.