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4 A teoria do campo da consciência

4.2. O campo temático

Todo sentido noemático é composto por um “tema”, que é o centro ou foco da relação intencional (o “visível” da percepção), e por suas circunjacências (surroundings) mais ou menos indeterminadas, as quais são compostas por “codados” (cogiven) que estão intencionalmente implicados no próprio tema. Por um lado, o tema diz respeito, precisamente, ao cogito enquanto “modo distintivo da intencionalidade”, conforme o prescreve Husserl em

Ideias I (HUSSERL, 1913/1976a; 2006). “O tema enquanto o noema do ato no qual nós

estamos ocupados com algo”, escreve Gurwitsch (1929/2009a, p. 215), “no qual nós ‘vivemos’, é dado neste modo distintivo”. As considerações anteriores a respeito da estrutura interna do noema pertencem, neste sentido, ao domínio do “tema”. A Gestalt é o tema unitário e internamente articulado, de modo a incluir não apenas o ato singular atual, mas, também, as

potencialidades que se desenham a partir dele. Por outro lado, a todo tema corresponde, ainda, um “também aí” (1929/2009a, p. 216), um contexto de vivências e de dados que se apresentam como seu “fundo” a partir do qual o próprio tema se destaca. Isto significa que toda ocupação experiencial está imersa em um contexto de significação que a acompanha. “Todo estado mental123”, afirma o autor, “tem o seu ambiente no sentido de que aquilo que é

experienciado através dele, seu noema, tem circunjacências, um ambiente noemático, também dado na experiência” (1929/2009a, p. 216). Estas circunjacências caracterizam-se como um “fundo” que é dado em conjunto com cada cogito atual, como o “campo perceptual” a partir do qual cada coisa percebida surge. Este campo perceptual pode ser concebido como o “horizonte externo”, diferenciando-se do “horizonte interno”: enquanto este último diz respeito às relações entre as referências virtuais de um mesmo objeto, todas compondo a tessitura de um tema unitário, o primeiro diz respeito às relações entre o tema e o seu entorno, que é habitado por outros objetos.

a) O contexto (horizonte externo)

A estrutura da vivência perceptiva deve incluir, portanto, o “tema” da percepção e o “campo” no interior do qual ele é dado. Retomemos o exemplo com o qual iniciamos a primeira seção do primeiro capítulo. Se, enquanto eu estou passeando com meu cão, eu estou pensando em um teorema matemático no modo intencional do cogito, isto se refere a meu “tema”. Ao mesmo tempo, mesmo que eu não esteja voltado cogitativamente para elas, eu tenho experiência de coisas que me são “codadas”, como as árvores, as flores da praça etc., ou, ainda, de outras pessoas, outros animais, etc., além de estados de meu próprio corpo. E os atos que se referem a este fundo objetivo experiencial podem, também, ser legitimamente chamados de intencionais. Pertencem, ainda mais, ao domínio daquilo que é codado as memórias e os desejos que surgem à consciência. Este campo de codados compreende, então, uma variedade enorme e heterogênea de objetos possíveis, compondo o fundo da consciência cogitativa. A fenomenologia da temática deve esclarecer este campo e determinar se aquilo que pertence a este fundo da consciência cogitativa é indiferenciado e possui o mesmo

caráter, se tais objetos têm o mesmo caráter fenomenológico de codado e se os atos

pertencentes a este campo possuem indiferenciadamente o mesmo tipo de intencionalidade, a saber, a de uma “intencionalidade não-cogitativa de fundo” (GURWITSCH, 1929/2009a, p.

123 “Estado mental” (mental state) corresponde, neste contexto, ao conceito de “vivência”. Para evitar qualquer

conotação psicológica que o conceito de “estado” pode sugerir, adotamos a tradução constante de “mental state” por “vivência” no que diz respeito ao texto de Gurwitsch.

217). Na interpretação de Gurwitsch (1929/2009a), o campo de codado deve incluir toda a problemática do tempo fenomenológico, com as suas três dimensões, a saber, o “agora” originário (que inclui a totalidade das vivências que possuem a forma de originaridade do “agora”), o “há pouco” (que inclui todas as vivências codadas no “agora vivenciado”, através das quais o índice de “passado” é carregado) e “porvir” (o índice de “futuridade”). Veremos isto melhor adiante.

Para esclarecer a estrutura desta ambiência do tema, o uso de ainda outro exemplo, fornecido pelo autor, deve nos ser útil. Suponha-se que eu tenho diante de mim um pote de tinta, que é meu tema, e que ele aparece no interior de um campo no qual também estão dados a minha caneta tinteiro e um papel, todos dispostos sobre minha mesa. Entre estes três objetos, há “relações materiais”, isto é, relações de implicação que os fazem pertencer a um mesmo contexto. O pote de tinta pertence, efetivamente, ao campo circundante e demonstra estar ligado a ele como seu ambiente natural. O pote de tinta e seu meio circundante estão entrelaçados um ao outro de maneira não-acidental, de tal modo que, mesmo que eu opere uma abstração com relação ao primeiro item, ainda assim, ele permanece ligado às suas circunjacências. Segundo Gurwitsch (1929/2009a), os componentes destas “bordas” (fringes) entram na própria estrutura do campo perceptual no qual o tema se encontra e, assim, pertencem, essencialmente, à própria consciência cogitativa. De acordo com o autor, os componentes pertencentes às “bordas” da consciência não podem ser variados livremente, como se estes componentes marginais pudessem ser substituídos por outros diferentes daqueles dados atualmente sem acarretar qualquer alteração do cenário temático. O tema é, pois, inseparável do contexto no qual ele está situado hic et nunc. O pote de tinta é o pote de tinta no interior do contexto funcional da caneta tinteiro e do papel. Se o ambiente é alterado, o pote de tinta pode, certamente, ainda ser tema para minha consciência, mas, então, como o

mesmo pote de tinta em um novo contexto. A estrutura da percepção requer, pois, que um

tema esteja situado no interior de um contexto (o “horizonte externo”). Por conseguinte, a percepção de uma coisa sem um contexto, de uma coisa “pura e simplesmente”, separada de qualquer ambiente, é uma impossibilidade de princípio. E o mesmo vale para outras classes de vivências, como a recordação, a expectativa, a fantasia, e outras. Quer dizer, a relação entre

tema e contexto é invariável e necessária apesar das variações quanto às maneiras de

apresentação do objeto a ser considerado (objeto rememorado, esperado, fantasiado etc.). Esta é uma lei de essência.

b) Relevância

O contexto da consciência temática, tecido pelos diferentes “codados”, não é homogêneo e totalmente indiferente para com o tema. A análise inicial que distingue o tema desta sua ambiência deve ser aprofundada. É preciso analisar os componentes do contexto e as relações que eles mantêm entre si e com o tema. A este respeito, Gurwitsch (1929/2009a) distingue um “subdomínio” da ampla esfera de codados ao qual ele dá o nome de “campo

temático”124. Se a esfera mais ampla é consideravelmente “aberta” e “indeterminada” por

todos os seus lados, o campo temático designa uma esfera que é relativamente mais fechada e determinada do que a anterior, mas que, ainda, diferentemente do próprio tema, não é plenamente determinada e preenchida125. Segundo o autor (GURWITSCH, 1929/2009a, p.

236), é possível distinguir entre aquilo que estamos lidando, seja de maneira “primária” (tema) ou “incidentalmente” (campo temático), e aquilo de que nós também estamos conscientes, mas como algo que meramente acompanha o tema, como “codado” sem ter qualquer conexão material com ele. O “campo temático” corresponde apenas ao codado que possui relação material com o tema, ou, dito de outra forma, que possui relevância para o tema. Isto conduz, particularmente, a interrogar a natureza fenomenológica deste campo que circunda o tema.

O autor analisa a “atitude” (Einstellung) envolvida em um ato amplo de pensar sobre um tema teórico a fim de demonstrar esta esfera de pertencimento do tema. A atitude consiste, neste caso, em uma perspectiva que reorganiza todo o campo de consciência, que tem por base toda uma constelação de “atos adicionais e subsidiários que indicam a direção em que se move o […] pensamento” (GURWITSCH, 1929/2009a, pp. 221-222). Atitude não envolve, então, neste contexto, a conotação psicológica de “disposição”. Com isto, Gurwitsch (1929/2009a) busca demonstrar que o pensamento sobre algo não consiste, meramente, em “fixar” este algo sob o olhar, mas que aquele ato envolve uma série de pensamentos subsidiários que mantêm uma relação íntima com o tema. E esta ideia é fundamental para a interrogação em curso. Tome-se o seguinte exemplo: estou a pensar sobre, particularmente, a

124 Segundo Gurwitsch (1929/2009a, p. 254), esta é uma diferenciação que não foi feita por Husserl. Esta versão

é contestada por Arvidson (2006), que, por meio de remissões a textos póstumos de Husserl, sobretudo ao texto “Sobre a síntese passiva” (HUSSERL, 1966a), demonstra que esta distinção já havia sido feita pelo autor alemão. Isso, contudo, conforme o próprio Arvidson (2006) o nota, não retira a originalidade da compreensão de Gurwitsch, que descreve, com grande precisão, os componentes e as leis destes três domínios, além de retirar da análise fenomenológica o peso de qualquer princípio egológico, como veremos no próximo capítulo.

125 Há momentos em que Gurwitsch (1929/2009a) identifica o campo temático com uma orla sem fronteiras: “O

campo temático não tem fronteiras e não pode tê-las – ele compreende indeterminações de todo o tipo […]” (p. 229). Mas, como veremos adiante, o autor demarca, de maneira nítida, um limite entre o campo temático e aquilo que está fora dele (e que, como veremos mais adiante, é chamado de “margem da consciência”). O que demarca este limite é, precisamente, a relevância do dado para o tema.

teoria freudiana do recalque. Em conjunto com este pensamento, ocorrem-me outros pensamentos como a conexão no interior da qual esta teoria surge no sistema teórico de Freud, as suas conexões e consequências históricas, entre outras coisas. Eu posso ter este pensamento ao estar interessado no contexto da teoria psicológica de Freud como um todo e, assim, as “conexões motivacionais internas” entre esta teoria e outras doutrinas de Freud me ocorrem em conjunto. Certamente, é preciso distinguir entre lidar com a teoria do recalque à luz de sua conexão e de sua motivação interna com outras teorias de Freud e considerar, em particular, a própria conexão interna entre estas teorias. O tema é diferente para cada caso. Todavia, o que é principal, aqui, é o fato de que os “pensamentos subsidiários” na consideração da teoria freudiana do recalque se relacionam com o tema de maneira diferente quando a considero de uma perspectiva, como à luz de sua conexão com outras doutrinas do sistema psicológico de Freud, ou de outra, como do ponto de vista de seu significado histórico. Nestes casos, contudo, não se trata de uma “digressão” em relação àquilo que estava em consideração e que já não estaria mais. Trata-se, pelo contrário, de uma variação que mantém em perspectiva, como “horizonte”, o próprio tema. Certamente, alguns pensamentos podem se manifestar de maneira súbita ao eu estar lidando com tal tema e perturbar o processo temático. Por exemplo, ao estar lidando com o tema anterior, posso me lembrar que tenho um compromisso daqui a trinta minutos e que tenho de me aprontar o mais depressa possível. Casos como estes não possuem relação material com o tema e, por isto, não pertencem, stricto sensu, ao campo temático. Ainda, outros podem me ocorrer sem serem perturbações, como, por exemplo, a consciência de que há um “mundo natural circundante” disponível enquanto penso. Segundo Gurwitsch (1929/2009a), é preciso distinguir, no interior das circunjacências de um tema, entre aqueles codados que “pertencem ao tema”, e que, por isto, participam da atitude por mim adotada, e aqueles outros codados que não pertencem a ele.

O campo temático pode ser definido, então, como o contexto daqueles conteúdos que possuem uma relação intrínseca, de pertencimento material, ou, o que dá no mesmo, de

relevância, para com o tema. Ele consiste, conforme Gurwitsch (1929/2009a), em “um

conjunto de objetos materialmente relacionados” (p. 225), um “quadro [framework] de sentido” (p. 225), no interior do qual o tema está inserido e no interior do qual ocupa um “lugar especial e privilegiado” (p. 225). “O que pertence ao campo temático”, afirma Gurwitsch (1929/2009a, p. 236), “foi destacado [singled out] da totalidade de itens codados com o tema em questão”. Há itens de que temos consciência (awareness), mas que não entram no campo temático porque não possuem relação material com o tema. Por exemplo, ao

mesmo tempo em que penso sobre um teorema matemático, tenho uma sensação de frio. Neste caso, não há qualquer relação material entre “pensar sobre um teorema matemático” e “sentir frio”. Há apenas uma “coincidência” entre as duas vivências, uma presença simultânea, mas de caráter extrínseco. O tema é o “centro” do campo temático e é em torno deste centro que o próprio campo temático se organiza. Com efeito, “o tema domina o campo da consciência, o centraliza e o dirige” (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 226). A função que o codado desempenha no campo temático depende, portanto, inteiramente de sua relevância para o tema. Tomando-se, aliás, a distinção de E. Rubin entre “figura” e “fundo”126 (apud

GURWITSCH, 1929/2009a, p. 219), é possível afirmar que o fundo (isto é, o campo temático) é organizado em torno da figura (isto é, o tema). Ainda que as investigações de Rubin sejam relativas à esfera da percepção visual, segundo Gurwitsch (1929/2009a), é possível generalizá-las para além desta esfera e conceber os seus conceitos de “figura” e de “fundo” como sendo idênticos aos conceitos de “tema” e de “campo temático”.

A relação entre o tema e o campo temático exclui, portanto, por princípio, a forma de

conexão somativa (“e-soma”), cuja essência é a de uma conexão horizontal (equipolência) e

que, por isto, não leva em consideração a relevância dos elementos circundantes para o tema – todos possuem a mesma significação. O campo temático não consiste em um “conglomerado de conteúdos” (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 224), como, por exemplo, uma sacola ou uma caixa cujos itens poderiam ser adicionados ou subtraídos a qualquer momento. Isto evita, para Gurwitsch (1929/2009a), alguns pseudoproblemas como aqueles que dizem respeito à determinação do “alcance da consciência” (range of consciousness) ou de sua “estreiteza” (narrowness of consciousness), pois, com a teoria do campo da consciência, todo dado “entra nela”, no sentido de “ser vivenciado”, mas deve ser qualificado entre as suas três dimensões e as suas maneiras de ligação. O tipo de conexão entre o tema e o campo temático deve ser entendido, então, pelo contrário, como a de uma “conexão gestáltica” (Gestaltverbindung) (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 224), de modo que cada constituinte da relação pertence a ela de acordo com as suas propriedades intrínsecas e os seus conteúdos

materiais. Em cada caso, esta forma de conexão é especificada de acordo com as relações

materiais individuais mantidas entre o tema e o campo temático, de modo que o tema ocupa uma posição determinada no interior do campo temático, e não apenas está nele presente de uma forma genérica. Esta posição (e, também, a perspectiva e a orientação) do tema é

indicada pela própria estrutura do campo temático, de acordo com as suas relações de relevância127.

c) A conexão gestáltica entre tema e campo temático

A relação entre o tema e o campo temático deve ser descrita, então, em termos de conexão gestáltica, de leis de estrutura, mas uma de tipo diferente daquela que é própria à estrutura interna do tema e que já analisamos anteriormente128. Na verdade, este segundo tipo

de conexão, entre tema e campo temático, pressupõe a “consistência interna” do tema. Em todo caso, é impossível assimilar a conexão gestáltica entre tema e campo temático à conexão gestáltica dos componentes internos do tema: é um erro considerar o tema como constituinte formativo do campo temático, ou mesmo considerar a estrutura de constituintes formados e formativos como consistindo em uma estrutura de campo. Cada caso corresponde a uma

forma distinta e irredutível de conexão gestáltica. Gurwitsch (1929/2009a) chega até mesmo

a diferenciar os estudos de Wertheimer, sobre os constituintes intrínsecos da Gestalt e as suas formas de conexão, dos estudos de Rubin, sobre as propriedades de figura e de fundo do campo visual, com base nesta distinção entre os dois tipos de conexão gestáltica. E, segundo ele, é, sobretudo, a partir do segundo tipo de conexão que é possível diferenciar o tema do campo temático, ainda que seja possível falar do primeiro tipo de conexão gestáltica em sentido modificado para valer aos casos do outro tipo129. Se o campo temático inclui

127 Posteriormente, estas relações de posicionalidade do tema no interior do campo temático são analisadas por

Gurwitsch (1964/2010a) através do que ele chama de “índice posicional”: “Propriamente e estritamente falando, o termo índice posicional deve ser confinado ao caso-limite da definição perfeita na qual a relação entre o tema e o campo temático é dada em articulação integral. Nós podemos, contudo, usar o termo em um sentido mais amplo, aplicando-o a casos de determinação menos perfeita, bem como ao caso limite de inarticulação completa. […] qualquer que seja a medida pela qual o contexto experimentado possa ser indiscriminado e inarticulado, não lhe falta especificação. Ele continua a exibir um certo matiz, específico, ainda que, possivelmente, altamente vago e indistinto. O uso do termo índice posicional no sentido mais amplo parece estar justificado porque o fenômeno do contexto como tal, tomado antes de toda especificação, subjaz toda relação específica entre o tema e seu campo temático. A fim de uma proposição ser dada como uma consequência ou premissa de outras proposições ou, mais geralmente, aparecer em qualquer relação lógica a outras proposições (incluem-se relações de compatibilidade e incompatibilidade), tanto as primeiras quanto as últimas proposições devem se apresentar no interior de um contexto baseado na relevância” (GURWITSCH, 1964/2010, p. 352).

128 A respeito das duas formas de conexão gestáltica, veja-se a discussão mais aprofundada do autor

(GURWITSCH, 1929/2009a, pp. 230 e ss.). Aqui, centramo-nos em seus aspectos mais essenciais.

129 “Tal é o caso para o ‘fator de proximidade’ de Wertheimer, colocado como um Gestaltfaktor no sentido de

que a ‘conexão compreensiva’ (Zusammengefasstheit) – ceteris paribus – resulta no sentido da menor distância. Para Wertheimer, a conexão compreensiva [comprehensive togetherness] significa ‘resultar in uno’; o que resulta in uno está entrelaçado [belongs together], forma uma contextura unitária na qual os constituintes (dependentes) estão contidos. O ‘fator de proximidade’ também desempenha um papel em nossas análises das circunjacências de uma coisa; mas, neste caso, não se trata de ‘resultar in uno’. A coisa emerge e destaca-se de suas circunjacências. Não se trata de um constituinte no interior de uma contextura, mas da própria contextura, e em seu próprio direito, aparecendo sobre o fundo de suas circunjacências. Em oposição a este último, a coisa se apresenta como autônoma [self-contained] e autossuficiente [self-sufficient]. A coisa não pertence às circunjacências; ao contrário, as circunjacências pertencem à coisa. Então, o ‘fator de proximidade enquanto um

indeterminações, o tema, pelo contrário, “está confinado a limites bem-definidos” (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 229). De acordo com a visão de Gurwitsch (1929/2009a), o tema possui uma “consistência” (p. 230), determinada por sua “delimitação”, por sua “unidade” e por sua “autonomia” (self-containedness) (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 230), propriedades estas que o tornam capaz de ser separável de seu campo temático e, por isso, capaz de permanecer o mesmo, em estrita identidade, apesar de variações no campo temático. Certamente, se eu mudo de posição o meu pote de tinta e o coloco sobre o teclado de meu computador ou sobre o meu fogão, a contextura de significado se altera a tal ponto que a relação material entre o pote de tinta e o seu entorno se torna problemática (digo que “ele não pertence a tal contexto”, que “está fora do lugar”, etc.). Da mesma forma, se considero a teoria de Freud a respeito do recalque do ponto de vista de sua teoria científica como um todo ou do ponto de vista de seu significado histórico, meu tema não deixa de sofrer alguma alteração. Mesmo assim, em tais casos, o sentido noemático permanece idêntico, apesar da variação do campo temático e apesar da variação de atitude. Reconheço, efetivamente, nas variações, o “pote de tinta” como tal e a “teoria de Freud sobre o recalque” como tal. Segundo Gurwitsch (1929/2009a), isto indica uma propriedade fundamental do tema, a saber, a de que ele possui um alto grau de independência com relação a seu campo temático, de que ele não é “absorvido em seu campo temático ou exaurido por sua função e significância para este campo” (GURWITSCH, 1929/2009a, p. 229).

A propriedade mais fundamental do tema com relação ao campo temático é, justamente, esta independência. Tal independência é sempre relativa, e jamais absoluta. Se fosse absoluta, o campo seria uma mera adição ao tema; e esta é, certamente, uma asserção desprovida de fundamento, visto que, na realidade, há uma conexão gestáltica e essencial, de figura-fundo, entre o tema e seu campo temático: invariavelmente, a todo tema corresponde um campo temático. A propriedade do tema de organizar o campo temático, de ser significativo para as suas funções internas, é apenas secundária com relação a esta propriedade mais fundamental. Isto o coloca em contraste com o campo temático, que é