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O caráter não vinculativo e a adesão às diretrizes

3. Princípio da Plena Concorrência na OCDE

3.6. O caráter não vinculativo e a adesão às diretrizes

Não nos iremos debruçar, na presente dissertação, acerca da força vinculativa dos Tratados Internacionais.

As convenções para evitar a dupla tributação internacional serão vinculativas, única e exclusivamente para aqueles que as celebrem. Uma vez que os Estados são entidades dotadas de poderes de soberania, não se lhes poderia impor normas de cariz tributária, sendo necessária uma aceitação ou adoção da parte daqueles.

O que importa verdadeiramente discutir é o caráter vinculativo ou não das diretrizes sobre preços de transferência emanadas pela OCDE.

A OCDE tem 35 países membros, aos quais se juntam mais alguns Estados com o estatuto de observadores. Contudo a Convenção Modelo tem servido de base à celebração de acordos para evitar a dupla tributação entre diversos Estados que nem sempre são Estados relacionados com a própria organização, tal como poderá ser verificado através da consulta do site da mesma. Importa então perceber se as diretrizes emanadas por esta organização internacional têm caráter vinculativo para os seus destinatários.

O § 29 da Introdução à Convenção Modelo poderá dar algumas pistas iniciais, começando desde logo por recordar que os comentários são realizados com a colaboração de inúmeros especialistas da área, nomeados pelo executivo de cada um dos países membros, e por enaltecer a importância dos mesmo para a resolução das questões que possam surgir na aplicação e interpretação da própria Convenção. Contudo, uma vez que não foram concebidos para fazer parte integrante das eventuais Convenções celebradas entre os Estados, não poderão ser legalmente vinculativos.

Se consultarmos alguns dos muitos textos informativos de que a OCDE dispõe, poderemos encontrar alguns comentários à natureza vinculativa, ou não, das diretrizes.

Num desses documentos, datado de junho de 2001, em que a OCDE presta alguns esclarecimentos relativamente às Guidelines, é dito que estas são de natureza voluntária, não dispondo de caráter vinculativo. Contudo, refere a mesma organização que «[t]he Guidelines are non-binding for enterprises. Nonetheless, governments have committed themselves to promoting their observance and effective implementation». A OCDE recorda que os Estados, em qualquer dos casos, assumiram

um compromisso político e que devem, na medida do possível, procurar garantir a observância destas diretrizes.

Como refere Ferreira (2014: 15-16), a vinculatividade, aqui em discussão, está na base da distinção entre soft law e hard law, sobre a qual não nos iremos alongar, mas que no essencial nos diz que estaremos perante instrumentos de hard law sempre que deles resultem a vinculação dos destinatários, ao passo que os instrumentos de soft law não teria força vinculativa, mas «criam expetativas quanto a futuros comportamentos» (Ferreira, 2014: 15-16). A expressão parece-me feliz e explicativa da realidade. Trata-se da expectativa que nasce dos compromissos políticos assumidos pelos diferentes Estados.

Estas Guidelines, como já foi referido, revestem grande importância no que toca à resolução de eventuais conflitos de interpretação das Convenções entre os dois Estados Contratantes (Ferreira: 2014, 17).

A Convenção celebrada em 1960, que constituiu a OCDE tem no seu artigo 5.º aqueles que são os atos a que esta organização poderá recorrer para prosseguir os seus objetivos.

Article 5.º

In order to achieve it’s aims, the Organisation may:

a) take decisions wich, except as otherwise provided, shall be binding on all the Members; b) make recommendations to Members; and

c) enter into agreements with Members, non-member States and international organisations.

Dos instrumentos ao seus dispor, apenas as decisões são vinculativas, e quanto à Convenção Modelo e aos respetivos comentários optou-se pela configuração de recomendação.

Tal como refere Lasiński-Sulecki (2014: 76), os contribuintes seriam, em primeira análise, os primeiros grandes beneficiados da atribuição de força vinculativa às diretrizes, na medida em que podiam guiar as suas decisões nos termos que as interpretações aí plasmadas indicam, ficando protegidos.

O autor refere ainda (Lasiński-Sulecki, 2014: 76-77) que, embora a falta de força vinculativa conceda às administrações fiscais alguma margem de manobra, sendo positiva a não vinculatividade deste prisma, estas próprias beneficiariam na situação aposta, mais não fosse

pela certeza que atribuiria à sua atuação e pela diminuição dos conflitos com outras administrações fiscais, como consequência de uma interpretação uniformizada.

Entendemos que esta visão tem importantes nuances. Efetivamente, a conceção destas diretrizes com força vinculativa poderia trazer alguns benefícios.

Mas, em primeiro lugar, o Princípio da Plena Concorrência, sobre o qual versam, tem inúmeros problemas que continuariam a dar espaço para uma certa discricionariedade. Além disso, as constantes revisões realizadas iriam suscitar algumas questões relacionadas com a aplicação das mesmas no tempo, embora estas possam ser facilmente resolvidas.

Finalmente, pese embora as Guidelines tenham efetivamente a participação de todos os Estados- Membros da OCDE e daqueles que estão associados, essa participação é atribuída a especialistas da matéria sobre os quais não recai especiais normas de garantia da sua imparcialidade, o que poderá ser problemático, sobretudo se considerarmos o peso políticos que os diferentes membros assumem no contexto internacional.

Conclusivamente, a estas Guidelines não foi atribuído o valor vinculativo que é inerente à chamada hard law. Como refere Lasiński-Sulecki (2014: 68), «[t]he OECD TPGs describe themselves as a non-binding measure not only in their title – which includes the word “guidelines” – but also in their content». Não se poderão ignorar as expectativas criadas à volta do compromisso político assumido, mas em todo o caso o caráter vinculativo não é uma característica destas diretrizes, ainda que fosse conveniente que lhes fosse atribuído, tomando em consideração as nuances acima referidas.

Como refere Xavier (2017: 153) «[o] peso interpretativo dos comentários não pode, pois, ir além do que se reconhece à melhor doutrina».