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4 A IMPUGNAÇÃO AO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR

4.4 O cenário atual à luz do ordenamento jurídico brasileiro

Em virtude do posicionamento das principais cortes do país em relação ao lançamento tributário por homologação cujo recolhimento antecipado pelo contribuinte não foi realizado - havendo o desdobramento lógico de impossibilidade de impugnação administrativa do tributo, conforme interpretação doutrinária -, os autores jurídicos brasileiros manifestaram suas ideias, críticas e opiniões sobre o assunto, as quais se passa a discorrer.

Lúcia Valle Figueiredo (1998, p. 83), menciona, antes de adentrar a temática, que o autolançamento não é lançamento em verdade – conforme já fora explicado anteriormente. Ademais, traz um panorama acerca do que significa, afinal, a inscrição em dívida ativa, através da CDA, no iter administrativo da arrecadação pública.

Para a autora, a inscrição da dívida ativa deve resultar do lançamento procedido pela autoridade administrativa, posteriormente notificado ao contribuinte, que deixou de pagar o tributo apurado. Assim sendo, tal inscrição serviria como verdadeiro controle de legalidade.

Menciona-se que o ato administrativo de inscrição de dívida ativa, embora se mostre verdadeiro controle de legalidade, não deve servir como controle de mérito ou de conteúdo do lançamento tributário, mas como controle de certeza e de liquidez do débito – ou seja, dos requisitos formais, extrínsecos, e não materiais do crédito tributário - apto a gerar um título executivo (XAVIER, 1997, p. 401-415).

O motivo parecer ser compreensível. Segundo afirmou-se em tópico deste trabalho, a CDA tem presunção de ser certa, líquida e exigível quanto ao crédito nela versado. Essa exigibilidade do crédito tributário se dá mediante o vencimento para pagamento do tributo e do esgotamento das vias administrativas capazes de discutir a contenda, ou seja, da exaustão de qualquer tipo de impugnação administrativa em favor do particular (revisão, recurso, compensação, etc.). Após essa fase, não há motivo para o fisco não levar o contribuinte devedor à execução fiscal, já que ele mais nada poderá questionar na esfera administrativa. Deixar de levar o crédito tributário constituído e não adimplido pelo particular à inscrição em dívida ativa é quedar-se de praticar o interesse público, dispensando valores que já são, a princípio, da administração pública, praticamente aguardando serem destinados aos cofres públicos.

Exatamente porque o crédito tributário, constituído a partir do ato de lançamento, já resta vencido e suas nuances quanto à matéria fática já se permitiu serem discutidas em âmbito de processo administrativo, cujo fisco restou vencedor, não cabe o reexame do mérito ou conteúdo do lançamento – requisito material – quando da inscrição em dívida ativa.

Admitir tal possibilidade seria retardar ao máximo a eficiência da arrecadação pública, bem como atribuir que outra autoridade administrativa fosse capaz de tornar insubsistente a decisão do julgador no âmbito do processo administrativa, de quem se espera maior preparo e experiência para decidir o conflito. Assim sendo, resta apenas a análise dos requisitos formais, ou seja, que vão estruturar a futura execução – certeza e liquidez.

Importante também destacar a visão sobre o que seria, especificamente, a ratificação ou não promovida pelo fisco da prévia apuração feita pelo particular. Poder-se-ia compreender a mesma sob a ocorrência de duas situações. Na primeira, o particular faria a apuração e recolhimento antecipados do tributo, de maneira que a ratificação da autoridade administrativa exerceria ao mesmo tempo a constituição e imediata extinção do crédito tributário. Por outro lado, caso o contribuinte faça a apuração prévia e não promova o recolhimento do tributo, o fisco não estaria apto a ratificar o ato daquele, devendo proceder somente ao lançamento do tributo e notificação do contribuinte, constituindo o crédito tributário.

Necessário perceber, portanto, que não se trataria da exclusão do lançamento por homologação para realização de um na modalidade de oficio, mas sim daquele mesmo lançamento, contudo sem exclusão imediata do montante tributário calculado. Ou seja, o fisco ratifica que o valor apurado é realmente aquele informado pelo contribuinte, determinando que este o pague, uma vez que descumpriu o dever de recolhimento antecipado. Assim sendo, quando finalmente, após essa notificação do lançamento, o particular recolhesse o tributo devido – tendo ou não discutido o seu mérito no âmbito da administração pública – poderia considerar o crédito tributário extinto, conforme prevê o art. 156, I, CTN.

Resumindo, na primeiro hipótese há lançamento e extinção do crédito em momentos praticamente idênticos, enquanto na segunda o lançamento e extinção do crédito tributário ocorrem em momentos notadamente diferentes – como ocorre em regra, inclusive nas espécies de lançamento por ofício e por declaração. Contudo, esse exame para fins de ratificação deveria sempre dar origem ao ato de lançamento, independente da imediata extinção da obrigação do sujeito passivo, o que, como se viu, não é o posicionamento que incide nos julgados do STF e STJ.

Ainda segundo Lúcia Valle Figueiredo (1998, p. 87), a inscrição em dívida ativa seria o ato final do iter administrativo, capaz de justificar a futura execução promovida pelo fisco em desfavor do particular. Ocorre que, uma vez que exerce função essencial de controle de legalidade da cobrança até então realizada pelo fisco – novamente, apenas quanto à certeza e liquidez da dívida -, é necessário que exista lançamento a ser controlado.

Não se observa, entretanto, lançamento a ser alvo desse controle – simplesmente porque não existiu, justificando-se a futura execução apenas em uma dita confissão de dívida do particular, que atuou apenas no sentindo de facilitar a arrecadação do Estado, fornecendo- lhes informações para tal -, de maneira que não há como se realizar esse tipo de controle, mesmo que apenas dos requisitos formais, porquanto não formalizados em nenhum ato administrativo, mas sim na declaração do particular.

Note-se que o controle de legalidade dos atos da administração pública diz respeito ao seu poder de autotutela, enquanto o controle de legalidade dos atos particulares se conecta ao poder de polícia da administração, que não se confundem. Utilizar a execução fiscal como verdadeiro ato de polícia contra o contribuinte é munir o fisco de prerrogativa cuja Constituição Federal dispõe em sentido oposto, garantido àquele o devido processo legal e seus subprincípios desdobrados, nos quais se incluem a ampla defesa e o contraditório. Refutar isso, como ocorre atualmente, é tornar patente o cerceamento da defesa em relação ao particular.

Portanto, se a inscrição em dívida ativa é o ato final para prover a constrição judicial do tributo devido, não podendo ser acrescentado, deve se pautar em lançamento já gerado, e não acabar servindo para gerar um.

Xavier (1997, p. 7-13), faz duras críticas à hipótese de lançamento por homologação não pago. Inicialmente, também corrobora com a ideia de que o termo

“autolançamento, utilizado como sinônimo de lançamento por homologação é frágil e

atécnico, sendo utilizado apenas para passar o falso entendimento que o autolançamento poderia dar ensejo à inscrição em dívida ativa, preservando a máxima de que não inscrição sem prévio lançamento. O erro continuaria ao aceitar as declarações espontaneamente apresentadas pelo particular – que na verdade não o são, devendo este apresentá-las no prazo legal, sob pena de sofrer penalidades administrativas – como verdadeiro exercício prévio do direito de defesa, dispensando qualquer ato administrativo para formalização do crédito e, por consequência, refutando qualquer discussão posterior no âmbito do próprio fisco. Além disso, as informações declaradas pelo particular são incapazes de se reverterem em lançamento por si só, uma vez que este é decorrente de atividade privativa da autoridade administrativa.

Critica-se, também, a utilização da declaração do contribuinte como apta a promover a inscrição à dívida ativa, por meio da CDA, ganhando o caráter de verdadeira confissão de dívida do em seu desfavor, nos termos do art. 585, II, CPC, ou seja, de documento público assinado pelo devedor. Entretanto, tal hipótese se mostra completamente descabida, tendo em vista que os direitos e deveres decorrentes da tributação são

indisponíveis, devendo obedecer ao princípio da legalidade tributária, conforme disposto no art. 4º, CTN.

Note-se, ainda, que o lançamento não será sempre necessário para que exista a obrigação tributária. A obrigação – prestação que um sujeito passivo deve adimplir em favor do sujeito ativo – surge em decorrência única da lei, de maneira que o administrado sabe suficientemente - ou pelo menos isso se espera dele – que, dado um determinando fato gerador, deverá recolher tributo. Todavia, é especificamente o ato de lançamento que permite ao fisco os atos de cobrança e de execução capazes de satisfazer seu crédito, por isso a imperiosidade de sua existência.

Assim sendo, entre a declaração do contribuinte e a formalização do título executivo deveria haver, necessariamente, um momento intermediário, onde se encaixaria o ato administrativo de lançamento. Nesse momento, o particular seria notificado do crédito tributário formalmente constituído em seu desfavor, ou seja, que tem a obrigação de pagar até determinado vencimento, sob pena de ser alvo de constrição judicial, ou que deve impugnar sua validade no prazo estabelecido em lei. Portanto, é nessa fase que o contribuinte terá capacidade de exercer efetivamente seu direito de defesa, nos termos da Constituição Federal, em vez de, na prática, realizar-se verdadeira emenda no procedimento, com a criação de um

“exercício prévio de direito de defesa”, o que, na realidade, se traduz em supressão do direito

de audiência, em ocultação do objeto da demanda e em violação ao texto constitucional. O particular, ao apresentar sua declaração, não está se prestando ao papel de realizar uma defesa prévia, tampouco confessando sua dívida, está tão somente colaborando para que o fisco proceda à formalização do crédito tributário, de maneira que tal dever de colaboração não pode se confundir com seu direito de defesa, equivalente às garantias da ampla defesa e do contraditório que lhe são inerentes.

Vale mencionar, ainda, estendendo-se a crítica, situações curiosas – na verdade, ilógicas – que se vislumbram quando da aceitação do posicionamento pela impossibilidade de impugnação administrativa do tributo lançado por homologação não pago.

Primeiramente, não parece razoável que o contribuinte só tenha capacidade de se defender dessa tributação realizada somente após a expedição da CDA e recorrendo ao Poder Judiciário, porquanto o direito de defesa que se pretende promover na esfera administrativa tem, como um de suas características, evitar exatamente a remessa dessas demandas a juízo, que poderiam ser resolvidas já no âmbito da administração pública.

Submeter o contribuinte a esse tipo de situação é fazer com que passe por situação constrangedora, apenas para que se veja na insegurança sobre seu patrimônio, na incerteza

postergada acerca da matéria submetida à apreciação do fisco, cujo dever de legalidade é obrigatório. É nesse sentido que se manifesta Xavier (1997, p. 12-13):

Obrigar, nestes casos, o contribuinte a defender-se, como réu, em processo de execução, por meio de embargos que só serão admitidos se garantida a execução, é submetê-lo a um constrangimento que o princípio da ampla defesa visa precisamente a evitar, pela singela técnica de oferecer ao particular a possibilidade de uma prévia defesa na esfera administrativa em face de um ato administrativo notificado e fundamentado, através de recurso com efeito suspensivo de exigibilidade do crédito (Código Tributário Nacional, art. 151, III).

Observa-se, ainda, que impor esse tipo de impedimento ao contribuinte é onerar ainda mais o caminho para obter o que pretende – no caso, a invalidação total ou parcial do lançamento tributário, com iguais reflexos quando à subsistência da dívida que lhe é executada -, de forma que o processo judicial, mais complexo do que aquele que se forma no âmbito administrativo, conta com maior número de prazos e de atos a serem praticados pelas partes, bem como a consequente necessidade de contratação de defesa técnica – por meio de advogado devidamente inscrito na OAB.

Lembra-se que, conforme previsão do art. 3º c/c art. 5º, ambos da Lei nº 9784/99 – que regula o processo administrativo na administração pública federal, servindo de parâmetro para os demais entes federados -, o administrado tem o direito subjetivo de dar início ao processo administrativo independentemente de assistência de advogado, salvo quando expressamente a lei determinar o contrário. Trata-se do jus postulandi em favor do administrado, o que torna a resolução do litígio mais simplificada, não exigindo que o particular seja amparado por vasto conhecimento técnico, assim como lhe proporcionando um meio amplo para solução do impasse.

Além disso, importante destacar que a omissão em examinar a validade do lançamento impugnado pelo contribuinte pode, caso se verifique a ilegalidade do tributo cobrado em processo judicial, prejudicar o fisco, com sua condenação nas custas e honorários de sucumbência. Dessa forma, a administração fazendária, ao não analisar a impugnação formulada, apenas estará acarretando malefícios para si mesma, os quais seriam afastado pelo simples cumprimento da premissa constitucional do exercício do direito de defesa, onde, já no âmbito da administração pública, verificar-se-ia a ilegalidade da tributação, não se procedendo à execução fiscal inócua.

Os ônus de sucumbência, por sinal, são outro agravante para o particular que deseja ter sua pretensão reconhecida. Caso ocorresse o indeferimento do pleito no PAT, não haveria custas nem honorários sucumbenciais a serem arcados pelo derrotado. Portanto, excluindo-se o prejuízo patrimonial – em virtude do pagamento do tributo, que deverá ser

realizado -, o processo administrativo não implica em qualquer outra perda econômica direta ao contribuinte.

Por outro lado, no âmbito do processo judicial tributário, caso se demonstre a validade e exigibilidade da tributação nos embargos do contribuinte – ou seja, julgue-se pela improcedência do pedido -, este deverá arcar com os ônus de sucumbência11 – além do pagamento do tributo que lhe é compelido. Coloca-se à disposição do contribuinte apenas uma via de solução do litígio, mais onerosa, em detrimento de outra – PAT -, perfeitamente praticável. Não há como negar, dessa forma, que o receio da possível perda econômica em relação ao único meio oferecido para se esquivar da tributação – dita ilegal - é empecilho à promoção efetiva do direito de defesa.

Por fim, cite-se aquela que possivelmente é a situação mais ilógica provocada pelo impedimento à impugnação administrativa do tributo lançado por homologação não pago. Trata-se da desigualdade que se refere ao contribuinte que não apura o tributo devido – tampouco, por óbvio, realiza o pagamento – e àquele que o apura, porém não o recolhe antecipadamente, conforme determinação legal, dando-se surreal privilégio a quem age da primeira forma.

Enquanto o contribuinte que apura e não paga o tributo de forma prévia é impedido de se socorrer do julgador administrativo para solucionar a tributação divergente, podendo ser imediatamente inscrito em dívida ativa. O particular que não fornece a declaração de dever tributo ao fisco, não é poupado de impugnar a tributação que lhe venha a ser feita, tampouco é inscrito imediatamente em dívida ativa. Pelo contrário, é notificado do ato de lançamento formal praticado – nesse caso, de ofício pelo fisco -, tendo ampla prerrogativa para se defender na esfera administrativa, com todos os meios e recursos que lhe forem permitidos, ocasião em que, somente depois do PAT, sendo indeferido o pleito do contribuinte, será inscrito em dívida ativa para posterior execução fiscal.

Vê-se, portanto, tratamento muito mais benefício em detrimento daquele contribuinte que, por motivo justificável – v.g., intuito de fazer compensação tributária, cometimento de algum erro no preenchimento da declaração, ou até mesmo a manifesta ilegalidade da tributação, notada em momento posterior -, quedou-se de recolher

11

Embora haja discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da dupla condenação aos honorários de sucumbência, o STJ vem adotando o entendimento de que é sempre devido, nas execuções fiscais promovidas pela Fazenda Nacional, o valor de 20% (vinte por cento) de honorários advocatícios – encargos legais, conforme Decreto nº 1.025/1969 -, que substituem aqueles dos embargos perdidos pelo devedor (AgRg no Ag 491.151/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ em 10/11/2003). Portanto, na prática, indiferente será se o contribuinte embargar a execução fiscal da União, pois terá a mesma condenação em honorários em qualquer dos julgados em seu desfavor.

antecipadamente o montante apurado, prejudicando logo quem nunca quis se omitir da possível obrigação que lhe é imposta, mas apenas do pagamento considerado indevido – ou evitável.

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