PEDRO EDUARDO RODRIGUES COSTA DE SOUZA
OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NA IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUTO LANÇADO POR
HOMOLOGAÇÃO NÃO PAGO
OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NA IMPUGNAÇÃO
ADMINISTRATIVA DO TRIBUTO LANÇADO POR HOMOLOGAÇÃO NÃO PAGO
Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal Ceará, como requisito parcial para obtenção de Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Cesar Sousa Cintra
FORTALEZA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
S729p Souza, Pedro Eduardo Rodrigues Costa de.
Os princípios da ampla defesa e do contraditório na impugnação administrativa do tributo lançado por homologação não pago / Pedro Eduardo Rodrigues Costa de Souza. – 2014.
51 f. : enc. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Direito Tributário. Orientação: Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra.
1. Defesa (Direito) - Brasil. 2. Contraditório no processo judicial - Brasil. 3. Tributos. 4. Lançamento tributário – Brasil. I. Cintra, Carlos César Sousa (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NA IMPUGNAÇÃO
ADMINISTRATIVA DO TRIBUTO LANÇADO POR HOMOLOGAÇÃO NÃO PAGO
Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal Ceará, como requisito parcial para obtenção de Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Cesar Sousa Cintra.
Aprovada em: ___/___/_____.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Dr. Carlos Cesar Sousa Cintra
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________
Prof. Dr. Francisco Regis Frota Araújo
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________
Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho
na orientação deste trabalho, mas também pelas excelentes aulas ministradas na graduação do
curso.
Aos professores que compõem a banca examinadora Francisco Regis Frota Araújo
e Francisco de Araújo Macedo Filho, por se disponibilizarem a dar valiosas contribuições e
sugestões.
À Biblioteca do Senado Federal, pelo fornecimento ágil de amplo acervo
bibliográfico utilizado nesta monografia.
Aos meus pais, Tancredo e Sílvia, por me darem a glória da vida, pelo incentivo
incansável de todos esses anos e, principalmente, pela confiança que sempre depositaram em
mim.
Ao Fred, por todo o esforço que sempre teve em ajudar, mostrando apoio
incondicional.
À Renata, pela paciência, amor e companheirismo de todos esses momentos,
estando presente e participando das principais conquistas e não me deixando desanimar nos
reveses.
Aos familiares queridos que, de alguma forma, contribuíram para que esse
momento fosse possível.
Aos colegas de turma e amigos de Faculdade Francisco Mota, Jammil Holanda,
João Victor Duarte, João Victor Holanda, Pedro Henrique e Yuri Lennon, pelos
conhecimentos compartilhados, tornando mais fácil o ambiente enfrentado dentro da
Academia.
Aos meus grandes amigos, pelos conselhos oferecidos, pelos debates promovidos
e, sobretudo, pelos momentos de descontração intercalados no árduo caminho do saber
homologação sem que tenha ocorrido o recolhimento antecipado do montante apurado.
Verifica-se se há impossibilidade de processo administrativo nesta situação, pela suposta
confissão do débito. Além disso, indaga-se se, configurando impossível o PAT, não restaria
violado o direito de defesa do particular. A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, em
regra bibliográfica, promovendo-se, também, a busca de jurisprudência pertinente ao tema nos
sítios eletrônicos do STF e STJ, associando a compreensão do assunto aos julgados
encontrados. Os resultados obtidos permitiram concluir que: existe a possibilidade de ingresso
de processo administrativo na hipótese estudada; se houvesse impossibilidade, estar-se-ia
afrontando o direito de defesa do contribuinte e dando respaldo a tributo constituído de forma
contrária à lei; o equívoco realizado na declaração do fato jurídico tributário pode ser sanado
na esfera administrativa.
approval without that occurred early collection of revenues. Checks if there is inability to
administrative proceedings in this situation, the alleged confession of debt. In addition, we
look up, configuring PAT impossible, there would be infringing the rights of defense of the
particular. The research was a qualitative study in bibliographic rule, also promoting
themselves relevant to the search topic in the electronic sites of the STF and STJ case,
involving an understanding of the subject tried to found. The results showed that: there is the
possibility of entry of an administrative proceeding in the study hypothesis; if there was
impossibility, if would-be affronting the right of defense of the taxpayer and giving support to
consisting of tribute contrary to the law; the misconception held in the declaration of tax legal
fact can be resolved administratively.
CDA
CTN
CRFB
DCTF
DJ
DJe
GIA
ICMS
II
IR
Min.
PAT
Rel.
STF
STJ
Certidão de Dívida Ativa
Código Tributário Nacional
Constituição da República Federativa do Brasil
Declaração de Débito e Créditos Tributário Federais
Diário da Justiça
Diário da Justiça eletrônico
Guia de Informação e Apuração do ICMS
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
Imposto de Importação
Imposto de Renda
Ministro
Processo Administrativo Tributário
Relator
Supremo Tribunal Federal
2.1 Breves considerações sobre normas princípios... 11
2.2 Conceituação da doutrina brasileira sobre a Ampla Defesa e o Contraditório... 12
2.3 A aplicação no processo administrativo tributário (PAT)... 16
3 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO... 19
3.1 Conceito... 19
3.2 Lançamento por homologação... 20
3.3 Surgimento da obrigação tributária e do lançamento tributário: pela lei ou pelo ato do particular?... 24
4 A IMPUGNAÇÃO AO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO... 29
4.1 Hipótese de Cabimento... 29
4.2 Vedação à impugnação do tributo lançado por homologação mas não pago. 30 4.3 O entendimento do STJ e STF sobre a matéria... 33
4.4 O cenário atual à luz do ordenamento jurídico brasileiro... 39
5 CONCLUSÕES... 46
1 INTRODUÇÃO
O lançamento tributário faz surgir uma relação determinada entre o contribuinte e
o Estado, de maneira que este passa a ter a obrigação certa e líquida de recolher determinado
montante daquele em favor de uma coletividade. Em outras palavras, constitui-se o crédito
tributário em desfavor do particular.
Não raras vezes, tal crédito está eivado de algum vício, que, observado pelo
sujeito passivo da obrigação tributária, passa a ser alvo de questionamento. Trata-se do direito
de defesa do contribuinte, consubstanciado com a aplicação dos princípios da ampla defesa e
do contraditório. Vale dizer, que além da possibilidade de impugnar o lançamento perante o
Judiciário, poderá fazê-lo no âmbito do próprio órgão administrativo-fazendário também, por
expressa previsão constitucional.
Uma das espécies de lançamento que pode ser impugnado ainda na esfera
administrativa é o da modalidade por homologação ou autolançamento. Ocorre, contudo, que
parte considerável da doutrina partilha do entendimento, tomando por base decisões ditas
consolidadas nos tribunais superiores, de que a impugnação referente ao lançamento por
homologação só seria possível quando do recolhimento antecipado do tributo apurado, de
maneira que, caso declarado, calculado, mas não pago, não poderá ser alvo de processo
administrativo apto a desconstituí-lo ou de constituí-lo de forma correta.
Tal hipótese provocou estranheza à primeira leitura, uma vez que o ser humano é
passível de erros, inclusive no tocante à declaração dos fatos jurídicos tributários e do
respectivo tributo a ser calculado em decorrência deste. É possível, então, que a declaração e a
apuração tenham sido realizadas de forma equivocada, de maneira que, caso fossem feitas
corretamente, não haveria incidência de norma tributária que obrigasse o contribuinte ao
pagamento do referido montante.
E, então? Estaria o contribuinte, a partir da declaração feita (autolançamento),
obrigado a recolher o tributo calculado, ainda que equivocado? Ora, não havendo
possibilidade de impugnação perante a Administração Pública, só resta ao particular realizar o
pagamento do tributo. Além disso, tal hipótese de impossibilidade de impugnação não violaria
os princípios da ampla defesa e do contraditório trazidos no bojo da Constituição Federal?
Ademais, resta a dúvida se o ato do particular ao informar dever tributo por meio
de documento declaratório configura, por si só, hipótese de lançamento tributário, cuja
Administração Pública não precisa observar qualquer ato de notificação ou procedimental a
Foi tentando responder tais perguntas que o presente trabalho foi desenvolvido,
analisando os referidos princípios constitucionais inerentes ao direito de defesa do
contribuinte, o lançamento tributário como alvo de dúvidas do particular em geral, observadas
ilegalidades em sua constituição, o posicionamento das Cortes Superiores (STF e STJ) quanto
ao tema, não se olvidando, por óbvio, da rica construção doutrinária que promoveu o
desenvolvimento do raciocínio jurídico.
Inegável que nas últimas décadas a arrecadação pública aumentou
consideravelmente, e, dentre os diversos fatores que contribuíram para tal cenário, está
exatamente a colaboração dos contribuintes em declarar os fatos geradores que deram causa,
preenchendo - ainda que pelo receio das sanções legais em caso de sonegação – as
declarações fiscais, facilitando consideravelmente a atuação da administração fazendária.
Também por isso, as declarações preenchidas com equívocos hoje ocorrem em
maior número, devendo ser analisado, pois, se e até que ponto o particular é devedor por tal.
O que se espera, na verdade, é tentar encontrar meios para dirimir essa controvérsia existente
2 OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÁRIO
2.1 Breves considerações sobre as normas princípios.
O ser humano, ao tentar conviver com seus iguais em comunidade, criou modelos
de organização e de conduta para todos os indivíduos, de forma que pudessem coexistir em
harmonia.
Destaca-se a lição de Reale (2002, p. 185):
Podemos dizer que o Direito urgiu como ciência quando os jurisconsultos romanos,
com sabedoria empírica, quase intuitiva, vislumbraram na sociedade “tipos de conduta” e criaram, como visão antecipada dos comportamentos prováveis, os
estupendos “modelos jurídicos” do Direito Romano.
Tais modelos que deram origem à chamada norma jurídica, mecanismo capaz de
controlar o convívio em sociedade a partir de uma ideia de justiça, do correto, do eticamente
aceitável, utilizando-se de sanções para impor seu adimplemento. Onde há norma também
existe, consequente e necessariamente, sanção.
A norma jurídica tinha – e ainda tem – a segurança como uma de suas principais
características. A existência de uma norma de conduta entre aqueles que conviviam fazia crer
que, dada determinada circunstância, o resultado observado seria aquele previsto no
enunciado normativo.
Novamente Reale (2002, p. 186):
[...] os modelos jurídicos, longe de serem concebidos de maneira abstrata, ou
ceribrinamente, são antes “estruturas normativas” talhadas na concretitude da
experiência humana. São forma típicas modeladas em contato permanente com a vida humana, mudanda ou desaparecendo em função do fatos e valores que nela operam.
Exatamente em função dessa segurança, as sociedades passaram a dispor sua
organização e os modelos de condutas esperados de forma escrita, evitando que o enunciado
aceito, até então costumeiro e não escrito, não gerasse a consequência nele prevista. Portanto,
tem-se que a lei, escrituração normativa, é fruto da pretensão por maior segurança jurídica dos
indivíduos, compreendendo-se, também, a figura do Estado aqui.
Tal escrituração, positiva e concreta, é decorrente de enunciados não positivados
de caráter abstrato, geral e indeterminado. Assim sendo, embora a sensibilidade de menor
segurança que estes se prestam, são capazes de exigir modelos de organização e de conduta da
Fala-se, pois, de uma outra espécie de norma, que pode ou não estar contemplada
na lei escrita, com validade tão qual ela, presente numa acepção metafísica de aceitação
comum: a norma princípio. Mais ainda: a norma escrita, uma vez que é oriunda desses valores
abstratos intrínsecos à sociedade, deve respeitar as citadas normas princípios explícita ou
implicitamente, estando sempre em conformidades com elas.
Consoante Alexy, apud Bonavides (2005 p. 277-279):
Tanto as regras como os princípios também são normas, escreve ele, porquanto ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. [...] Ponto determinante desse critério –
entendidos os princípios como “mandamentos de otimização” (Optimierungsgebot) – é o reconhecimento que eles são normas. Mas normas de otimização, cuja principal característica consiste em poderem ser cumpridas em distinto grau e onde a medida imposta de execução não depende apenas de possibibilidades fáticas, senão também jurídicas. [...] Por outro lado, as regras prossegue Alexy, são normas que podem sempre ser cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se há de fazer exatamente o que ela exige ou determina. Nem mais, nem menos.
Acrescenta-se, ainda, o conceito trazido por Carrazza (2011, p. 47):
[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa a posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectem.1
Ou seja, as normas princípios – ou meramente princípios – regem todo o
ordenamento jurídico aplicado a uma determinada sociedade, de maneira que, além de gerar a
observância obrigatória pelos seus indivíduos, implica que a norma jurídica expressa esteja
lhe sendo perfeitamente conforme.
2.2 Conceituação da doutrina brasileira sobre a Ampla Defesa e o Contraditório
Inicialmente, necessário versar, de forma sucinta, sobre os princípios da ampla
defesa e do contraditório, previstos expressamente no texto da Constituição Federal de 1988,
notadamente no inciso LV do art. 5º, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais,
individuais e coletivos.
O contraditório surge da ciência da bilateralidade dos atos processuais, de maneira
a promover a confrontação entre os argumentos apresentados pelas partes para que, ao final,
possa a autoridade julgadora formar um juízo de convencimento (síntese) a partir das
alegações oferecidas (tese e antítese) em mecanismo dialético.
Xavier (1997, p. 163), relaciona o caráter interdependente desses princípios:
O princípio do contraditório encontra-se relacionado com o princípio da ampla defesa por um vínculo instrumental: enquanto o princípio da ampla defesa afirma a existência de um direito de audiência do particular, o princípio do contraditório reporta-se ao modo do seu exercício.
Portanto, quanto ao princípio do contraditório, é exatamente o seu caráter
dialético que torna legítima a formação do convencimento da autoridade julgadora, de modo
que as decisões somente sejam proferidas após a sucessão dos argumentos apresentados e da
contradição entre as provas produzidas pelos interessados. Acrescenta-se, porém, que a
participação contraditória entre os envolvidos deve se dar com paridade de armas, para que
ambas as partes possam interferir, com iguais condições, na decisão a ser tomada.
São os princípios da ampla defesa e do contraditório que constituem o direito à
defesa do indivíduo no plano constitucional (pretensão à tutela jurisdicional), desdobrando-se
em direito à informação, direito de manifestação e direito de ver seus argumentos
considerados pelo juiz.
Certo é que a pessoa dever ter conhecimento dos fatos conflituosos que lhe
atingem, a fim de que possa se defender e apresentar as provas que achar suficientes a garantir
seu direito, sob pena de se estar diante de verdadeira arbitrariedade, violação inconteste ao
Estado democrático de direito previsto no escopo da Carta Maior.
Seguindo, o princípio da ampla defesa deve ser observado em qualquer tipo de
processo litigioso, garantindo-se o direito à comunicação, à apresentação de petições, à
análise exaustiva dos argumentos apresentados pelas partes, à produção de provas e aos meios
de recursos cabíveis; enquanto o contraditório está baseado na bilateralidade no processo,
numa relação de ação e reação entre as partes.
Ressalte-se, ainda, como se infere de leitura lógica, que deve ser aplicado de
maneira abrangente, jamais restritiva quando envolve litígios e acusados. Ademais, a nível de
direito fundamental, sua aplicação não pode ser fruto de mera discricionariedade da
autoridade julgadora no âmbito do processo instaurado, pelo contrário, trata-se de obrigação
do Estado.
A Constituição Federal também previu no dispositivo acima mencionado que os
princípios em estudo devem ser aplicados no âmbito do processo judicial e administrativo,
inclusive com o fim de evitar que o Estado (aqui seja lido Administração Pública) viole tais
administrado. No plano infraconstitucional, tal direito está positivado no art. 2º, Lei nº
9.784/99, que disciplina o processo administrativo no âmbito federal.
Nesse sentido, cabe trazer a lição de Alexandre de Moraes (2011, p. 112):
[...] embora no campo administrativo não exista necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa. [...] o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio)2, pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe versão que melhor lhe represente [...].
Nesse ponto, cabe notar a evolução histórica referente à garantia da ampla defesa
no processo administrativo. Vislumbra-se que a Constituição Federal de 1988, além de tornar
indubitável a aplicação do referido princípio na esfera administrativa, ainda o garantiu a “todos os litigantes”, substituindo o tão somente termo “acusados”, trazido no parágrafo 15 do art. 153 da EC nº 1/69.
A mudança foi importantíssima, pois evita qualquer desconfiança sobre a
aplicação da ampla defesa em processos administrativos nos quais o particular não foi
acusado pela administração pública de ter cometido um ilícito. Assim, poderá impugnar a
habilitação de um concorrente que malferiu as regras do edital num certame licitatório, por
exemplo. Entenda-se: o impugnante não foi acusado de cometer qualquer ilícito pela
administração pública, porém se insurgiu contra o ato ilegal praticado por esta – que habilitou
um concorrente que malferiu as regras do edital -, buscando defender-se de potencial lesão a
direito seu, qual seja, a igualdade de condições a todos os concorrentes, conforme o art. 37,
XXI, CRFB/88.
Vale dizer que no caput do art. 2º da Lei nº 9.784/99, além dos princípios da
ampla defesa e do contraditório, também é importante observar a finalidade de supremacia do
interesse público no processo administrativo.
Com relação ao assunto, cita-se Celso Antônio Bandeira de Melo (2009, p. 96):
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele [...] Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.
Carvalho Filho (2008, p.30):
As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. [...] não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo3.
Tal princípio é verificado tanto na elaboração das leis – como fonte de inspiração,
buscando tutelar os interesses da coletividade, a fim de que convivam em Estado harmônico -
quanto em sua aplicação pelo agente público – que passa a estar vinculado ao interesse
público positivado, sob pena de desvio de finalidade do ato contrário.
Não parece, porém, que o interesse do provimento administrativo favorável à
sociedade deva se sobrepor ao direito individual do administrado de contar com os meios de
defesa adequados, bem como se apresentar aos atos do processo a fim de produzir prova ou
oferecer a argumentação que entender cabível.
São normas de igual hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro, ambas
possuindo status de norma constitucional originária; o interesse público deve ser observado
quanto ao mérito do conflito, não quanto ao deslinde processual, instrumento da pretensão que
se pretende ver reconhecida, cujos aspectos devem ser analisados entre as partes litigantes; o
próprio direito de defesa, aqui se incluindo o contraditório, deve ser compreendido como
matéria de ordem pública, que, embora praticado em âmbito individual pelos administrados, é
inerente à toda sociedade, razão pela qual sua violação pela Administração afronta benefício
concedido ao corpo coletivo, o que, por si só, já ofende o interesse público.
Desta maneira, exatamente porque o direito de defesa é um dever do Estado, a
atuação discricionária do agente público quanto ao seu reconhecimento está eivada de desvio
de finalidade, afrontando o interesse público positivado, qual seja, a de que os administrados
possam apresentar as provas e os argumentos que acharem necessários ao provimento de sua
pretensão.
Vale dizer, contudo, que o direito de defesa não figura como absoluto, podendo
ser relativizado por vezes, como é o caso da não apresentação de defesa pelo administrado
dentro do prazo legal, situação em que o interesse público – provimento benéfico da demanda
à coletividade – irá prevalecer sobre o interesse individual do administrado de oferecer seus
argumentos quando achar conveniente, em período ao seu bel prazer, tornando demorada e
dispendiosa a solução do conflito.
3
2. 3 A aplicação no processo administrativo tributário (PAT)
Como já afirmado anteriormente, o art. 5º, LV, da Constituição Federal, bem
como o art. 2º da Lei nº 9.784/99 garantem ao administrado a observância ao contraditório e à
ampla defesa no processo administrativo.
No âmbito do direito tributário, o CTN previu, no inciso I de seu art. 145, a
possibilidade de o administrado discordar da atividade fiscal do Estado através de uma
impugnação escrita, que coloca em dissenso os interesses da Fazenda Pública e do
contribuinte impugnante.
Surge, então, uma demanda em conflito, uma lide entre as partes, que, buscando
uma solução legitimada pela sucessão de atos praticados pelos envolvidos, passa a
caracterizar o chamado processo administrativo tributário, ajustando a relação entre o fisco e
o contribuinte.
Trata-se, portanto, de divergência do contribuinte quanto ao crédito tributário constituído por meio do ato de lançamento (tais expressões, “crédito tributário” e “lançamento”, serão definidas e melhor delineadas mais adiante neste trabalho, cabendo, no momento, apenas a citação às mesmas), procedimento realizado pela sucessão de atos
praticados por uma das partes, alcançando objetivo cuja legitimidade não carece ser
justificada por atuação de todos os interessados (MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 53-54).
Consoante Marins (2005, p. 143), o processo administrativo tributário surge de
uma tripartição do conceito de processo em sentido amplo, também englobando o
procedimento para o ato de lançamento do tributo e o processo judicial tributário. Assim
sendo, o PAT tem por finalidade precípua a solução administrativa do conflito entre o
particular e o fisco.
A administração fazendária, nessa situação, não terá o controle de sua atividade
realizada por um agente externo, como ocorreria se tal insatisfação fosse levada à solução
pelo Poder Judiciário. Pelo contrário, o próprio fisco realizará esse controle, autotutelando-se,
de maneira a reexaminar se o ato que praticou está eivado da legalidade necessária para
produzir os consequentes efeitos jurídicos. Mais do que uma faculdade, trata-se de um dever
da administração pública decorrente da subordinação de sua subordinação à lei, conforme art.
37, caput, CRFB/88, evitando prejuízos aos administrados e ao próprio Estado.
Essa autotutela, inerente à administração pública, ainda que mediante provocação
do particular, evidencia que o processo tributário a ser resolvido pelo próprio fisco (que
administrativo e, por isso, deve obedecer aos princípios que lhe regem, insculpidos no art. 2º
da Lei nº 9.784/99.
Assim ensina Machado (2003, p. 423-424), que a “atividade que se desenvolve no
âmbito do processo administrativo fiscal é, do ponto de vista forma ou orgânico, de natureza administrativa, embora seu conteúdo seja, em alguns casos, de natureza jurisdicional”.
Desta feita, o PAT precisa respeitar o contraditório e a ampla defesa garantidos ao
contribuinte, desdobramentos do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CFRB/88).
O próprio processo administrativo seria a exteriorização dessa obediência, porquanto se
traduz no instrumento de defesa do contribuinte contra ato potencialmente ilegal do Estado
arrecadador.
Segundo Odete Medauar (1994, p. 237), o direito de defesa do contribuinte
passaria por alguns aspectos, tais quais: a) o caráter prévio da defesa (autodefesa ou defesa
técnica), não podendo o particular ser sancionado ou ser onerado sem oportunidade de
divergir do ato; b) possibilidade de interpor recurso administrativo, decorrente do direito de
petição previsto no art. 5º, XXXV, a, CRFB/88; c) a indicação, realização e consideração dos
meios de provas que pretende produzir, sob pena de cercear o contribuinte dos argumentos e
fatos que lhe são favoráveis.
Cumpre observar que a legislação tributária traz várias formas de defesa do
contribuinte, tais quais, reclamações, recursos, revisões, etc., de maneira que o termo “impugnação” deve ser entendido de forma ampla, englobando todas essas espécies de defesa aptas a serem utilizadas para reconhecimento da pretensão desejada.
Tal assertiva se mostra justificada na percepção de que todos esses meios de
defesa são aptos a divergir da atuação fazendária em desfavor do particular. Ou seja, geram a mesma consequência jurídica do termo “impugnação” mencionado no art. 145, I, do CTN, qual seja, a instauração de um processo - sucessão de atos que visa alcançar um resultado
legitimado pela atuação em paridade dos interessados – a ser examinado pela própria
administração pública.
Existe, portanto, imprecisão legislativa acerca do meio de defesa específico a ser
manejado pelo contribuinte em face do fisco. Essa imprecisão é oriunda da diversidade de
instrumentos apresentados pelos entes fazendários, em seus respectivos regulamentos, a
atingir tal objetivo.
Dessa maneira, impedir que o contribuinte se valha de qualquer destes meios para
puni-lo por algo que não deu causa. Tal vedação não cumpriria integralmente a garantia à
ampla defesa inerente ao administrado, acarretando o cerceamento de tal prerrogativa.
À vista disso, o entendimento do termo “impugnação” como toda e qualquer forma de diferir da atividade de tributação estatal, provocando um conflito a ser resolvido
entre os envolvidos no próprio âmbito administrativo, obedece ao princípio da ampla defesa
previsto constitucionalmente.
A defesa do contribuinte deve ser compreendida da forma mais extensa possível.
Assim sendo, a não consideração dos argumentos levados pelo particular por mero apego de
nomenclatura quanto ao instrumento – muito embora se preste ao mesmo fim – não pesará na
formação do convencimento pela autoridade julgadora.
Cabe mencionar a organização que Marins (2005, p. 172) faz em relação ao
princípio da ampla defesa, mencionando que este se subdivide em dois subprincípios, a saber:
o princípio da ampla competência decisória e princípio à ampla produção de provas.
O primeiro preceitua que o mérito impugnado deve necessariamente ser apreciado
pela autoridade julgadora administrativa sob os enfoques formais e materiais. Desta feita,
tanto a desconformidade da forma exigida para o ato administrativo que constitui o tributo
(lançamento), como o direito material que assiste o contribuinte não podem deixar de ser
analisados pelo fisco, sob pena de macular o PAT. Verifica-se, pois, que, existindo
impugnação, independentemente da forma ou nomenclatura que se adote, nunca poderá a
administração pública quedar-se de apreciá-la.
Já o segundo subprincípio, o da ampla produção de provas, corroborando o
ensinamento de Medauar já mencionado acima, refere-se ao direito subjetivo do particular de
poder produzir todos os meios de prova que considere necessários para que seja reconhecida
sua pretensão, bem como à imposição de que tais provas produzidas sejam necessariamente
levadas em consideração, analisadas, pelo julgador administrativo.
Seguindo, nota-se que, não sendo apreciada a impugnação do particular, este
estará em situação de inferioridade, desvantagem, em relação ao fisco, desrespeitando-se o
primado da paridade de armas inerente ao princípio do contraditório, o que, reflexamente,
também passa a violar o seu direito ao contraditório.
Nesse ponto, vale destacar a lição de Bonilha (1995, p. 130):
Ao Estado arrecadador cabe, portanto, prover a maior garantia possível aos
princípios dispostos no texto constitucional. Conforme ensinado pelo autor retro, trata-se de
observância obrigatória em favor do particular, que, caso não respeitada, enseja lesão
inequívoca, apta a ser corrigida pelo Poder Judiciário, como agente externo de controle.
No mesmo sentido, afirma Marins (2005, p. 136):
É notável que especificamente no campo da tributação o surgimento do Processo Administrativo brasileiro remonte de 1889, mas sua revigoração constitucional dê-se somente a partir da Constituição Federal de 1988 que consagrou o Processo Administrativo como garantia fundamental, individual do cidadão e informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa.
A impugnação administrativa é direito do contribuinte de conferir a legalidade do
ato praticado pelo Estado sob o prisma do devido processo legal, na tentativa de proteger seus
bens. É essa controvérsia que faz surgir o litígio entre fisco e particular, e, por conseguinte, o
PAT, que deve respeitar as garantias constitucionais inerentes ao impugnante.
3 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
3. 1 Conceito
Nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, o lançamento é o ato
realizado pela autoridade fazendária que: a) constitui o crédito tributário; b) indica a
ocorrência do fato gerador do tributo; c) calcula o montante do tributo devido; d) identifica o
sujeito passivo; e) e, sendo o caso, propõe a penalidade cabível.
Vale, contudo, trazer a definição do instituto jurídico feita por parte da doutrina.
Inicialmente, afirma Hugo de Brito Machado (2003, p. 165) que:
Lançamento tributário, portanto, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.
Luciano Amaro (2006, p. 333-334) ensina:
Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 404) acrescenta:
Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e corespondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.
Por fim, cumpre mencionar a lição de Aliomar Baleeiro (1996, p. 502):
O ato, ou a série de atos, de competência vinculada, praticado por agente competente do Fisco para verificar a realização do fato gerador em relação a determinado contribuinte, apurando qualitativa e quantitativamente o valor da matéria tributável, segundo a base de cálculo, e, em consequência, liquidando o quantum do tributo a ser cobrado.
Parece haver entendimento, então, de que o lançamento tributário é o ato pelo qual
a obrigação tributária - decorrente da hipótese de incidência da norma tributária – passa a ser
exigível do contribuinte, de maneira que o Estado poderá se utilizar das formas de constrição
judicial suficientes para garantir a arrecadação do tributo. Ou seja, a obrigação tributária, por
mais que inequívoca, apenas poderá ser considerada para fins arrecadatórios a partir do
lançamento feito pela autoridade fazendária, sem o qual nada poderá ser requerido do sujeito
passivo obrigacional, razão pela qual se diz que este ato é constitutivo de um crédito
tributário.
Em outras palavras, sem o lançamento não há montante a ser pago pelo
contribuinte em favor do Estado, que nada deve, portanto. Trata-se de ato essencial,
indispensável e formal decorrente de obrigação tributária preexistente.
3. 2 Lançamento por homologação
O CTN, notadamente em seus arts. 147 a 150, traz três espécies de lançamento
tributário, a saber: a) lançamento por declaração; b) lançamento de ofício; c) lançamento por
homologação. Em que pese a importância das demais espécies, dar-se-á aqui menção apenas
ao lançamento por homologação, por ser objeto do presente estudo.
Desta feita, resta trazer a definição apresentada pelo CTN, em seu art. 150, em
que o lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade
administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da
Para Hugo de Brito Machado (2003, p. 169):
É o lançamento feito quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa no que concerne à sua determinação. Opera-se pelo ato em que a autoridade, tomando conhecimento da determinação feita pelo sujeito passivo, expressamente a homologa.
Sobre assunto, também versa Luciano Amaro (2006, p.363):
Ciente de que a atuação da autoridade administrativa, nas situações em que o tributo deve ser recolhido pelo sujeito passivo antes de qualquer atividade do sujeito ativo, se traduz, efetivamente, no posterior controle da acurácia do recolhimento do tributo (para cuja consecução o devedor valorou os fatos, subsumiu-os a lei e calculou o valor do tributo), o Código qualificou como lançamento (dito por homologação) a manifestação de concordância expressa da autoridade com o resultado da subsunção efetuada pelo devedor.
Define, ainda, Eduardo Sabbag (2012, p.780):
É aquele em que o contribuinte auxilia ostensivamente o Fisco na atividade do lançamento, recolhendo o tributo, antes de qualquer providência da Administração, com base em montante que ele próprio mensura.
Nuances à parte de cada definição, é possível verificar que o lançamento por
homologação faz constar os seguintes requisitos: a) necessidade que o contribuinte faça o
recolhimento antecipado do tributo em situações que se dispensa a análise prévia da
autoridade administrativa; b) posterior homologação pela autoridade administrativa, ou seja,
confirmação, após o pagamento do tributo, de que o montante calculado realmente estava
correto.
Dessa maneira, no lançamento por homologação, busca-se constituir o crédito a
partir do auxílio das informações prestadas pelo contribuinte quantos aos fatos em que
incidem a norma tributária, situação esta em que deverá, sem qualquer exame prévio da
autoridade fazendária, recolher o tributo, sob pena de sofrer as constrições judiciais
decorrentes da exigibilidade do pagamento.
Percebe-se, então, que o ato de lançamento, na acepção de processo
administrativo em sentido amplo, refere-se ao procedimento em relação à constituição do
crédito tributário. Ou seja, refere-se a uma sucessão de atos lineares, desencadeados a partir
da observância da hipótese de incidência tributária, com o objetivo de constituir um tributo a
ser pago, cuja legitimidade independe da atuação de todos os interessados.
Portanto, em relação ao processo administrativo em sentido estrito, o
procedimento se diferencia pela desnecessidade de legitimação pela atuação das partes. Assim
constituição do crédito tributário – é o caso do lançamento de ofício, previsto no art. 149, do
CTN.
Embora se entenda que o lançamento por homologação, conforme preceituado na
legislação tributária, deva ter a atuação do particular e da administração pública (fisco) em sua
constituição, não prospera a ideia de que o lançamento só estaria legitimado, válido, com a
atuação destes.
Explica-se: a própria legislação tributária, embora afirme a atuação dos
interessados – contribuinte e Estado arrecadador -, prevê que, caso o contribuinte não declare
e apure o montante de tributo a ser recolhido, poderá a administração pública, de ofício,
realizar o lançamento – forma, por exemplo, de que seja evitada a sonegação fiscal - conforme
se infere do art. 149, I, CTN.
E essa não é a única hipótese. Outras tantas foram enumeradas no bojo do art.
149, de maneira que o próprio fisco poderá realizar o ato de lançamento quando a declaração
e apuração do valor de tributos não tenham sido realizadas ou tenham sido de forma
incompleta. É o caso, por exemplo, das fiscalizações fazendárias, em que a administração
pública, na figura do auditor fiscal, realiza a investigação acerca da existência dos possíveis
fatos geradores, autuando o particular quando, observados estes, não tenham sido declarados
ou, caso declarados, não os foram em sua totalidade.
Quanto ao lançamento por homologação, nota-se que o legislador tributário dispôs
sobre a participação de ambos os interessados esperando que efetivamente comparecessem
para a formalização do ato administrativo. Contudo, não deixou tal formalização restrita à
atuação obrigatória das partes, admitindo que o lançamento, quando quedar-se o particular de
realizar o disposto na lei, possa ser realizado pela autoridade fazendária, sendo perfeitamente
legítimo ainda.
Portanto, o ato de lançamento não implica na participação obrigatória das partes
interessadas para que seja considerado legítimo, razão pela qual não se traduz em processo,
mas sim em nítido procedimento administrativo (MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 54).
O lançamento por homologação tem a sua justificativa. A legislação tributária
retira do Estado arrecadador a função de apuração do tributo devido e a transfere ao próprio
particular, a fim de dar maior celeridade à arrecadação dos montantes. Assim sendo, o fisco
apenas terá o dever de conferir se o tributo apurado a partir dos fatos jurídicos tributários é o
verdadeiramente correto, homologando-o se for o caso.
A situação se mostra mais clara quando pensamos na declaração anual de imposto
do tributo (renda) e já o apura, de maneira que o fisco terá apenas o trabalho de conferir se o
declarado pelo particular e o tributo calculado estão corretos (o cálculo é realizado de forma
imediata, em virtude da informatização da Receita Federal, e geralmente a apuração é se
mostra correta). Assim sendo, a autoridade administrativa realizará uma fiscalização, um
controle posterior da apuração tributária, verificando, das formas que lhe são alcançáveis, o
informado pelo contribuinte. Não vislumbrando qualquer irregularidade quanto ao narrado,
confirma o tributo apurado por meio da homologação.
Seguindo, não é difícil conceber o porquê desse tipo de previsão - de se realizar o
lançamento por homologação. No ano de 2014, por exemplo, a Receita Federal recebeu
26.883.633 (vinte e seis milhões, oitocentas e oitenta e três mil e seiscentos e trinta e três)
declarações de imposto de renda4, um dos tributos cujo lançamento se dá por homologação. Desta feita, ainda considerando que os esforços do fisco se voltassem unicamente pra esse
tipo de tributo – o que definitivamente não é o caso -, destinando todo o seu efetivo de
funcionários públicos para realizar a apuração da ocorrência das hipóteses de incidência do
tributo e, consequentemente, o cálculo deste, o procedimento para a formalização do
lançamento se tornaria muito mais demorado, prejudicando a arrecadação tributária.
Além disso, as dificuldades que se instalariam sobre a apuração do fisco – como,
por exemplo, o já mencionado insuficiente número de funcionários públicos diante da
imensidão de particulares a serem tributados, os empecilhos de se investigar a vida privada de
alguém sem que a intimidade lhe seja violada, etc. – possivelmente impossibilitariam a
constatação do fato jurídico tributário, frustrando uma demasiada gama de lançamentos.
Apenas para se ter ideia, segundo balanço divulgado pelo serviço de recursos
humanos da União em 21/07/2014, existem 10.742 cargos de auditor fiscal da receita federal
ocupados5. Considerando a hipótese em que a totalidade desses auditores se dedicasse exclusivamente a verificar as apurações de IR dos quase vinte e sete milhões de contribuintes
em 2014, cada um destes ficaria com a tarefa nada fácil – na verdade, impossível - de auditar
cerca de 2.503 declarações por ano.
Trata-se, por óbvio, de hipótese absurda, tendo em vista que, além do numerário
informado, a própria administração fazendária da União se sujeita a outros tributos lançados
por homologação – por exemplo, IPI e PIS -, assim como a atuação do auditor fiscal supera as
4
Fonte: Twitter da Receita Federal do Brasil, em balanço divulgado no dia 01/05/2014.
5
apurações feitas, chegando também – ou tentando, ao menos – aos contribuintes que não
apuraram o tributo e até mesmo se destinando a fiscalizar fatos geradores de tributos lançados
por outras formas (de ofício ou por declaração). Afasta-se, pois, a tentativa sugerida por
completo, em virtude da impossibilidade humana de fazê-lo.
Atento a tal situação, o legislador tributário previu a espécie de lançamento por
homologação, reconhecendo a impossibilidade do fisco de apurar os tributos devidos pelos
contribuintes diante da situação geral – ciência de vasta gama de fatos jurídicos tributários,
superando o aparato administrativo físico e técnico -, mas permitindo a correção dos valores
apurados pelo particular quando, posteriormente, forem checados para fins de homologação,
situação em que se homologará o que já foi apurado, bem como se realizará um novo
lançamento quanto ao que não foi, mas dessa vez de ofício pela própria administração
pública.
Vale mencionar que, na prática, pelos mesmos motivos já expostos, o fisco não
tem condições suficientes de verificar se o(s) fato(s) jurídico(s) tributário(s) declarado(s) pelo
contribuinte realmente ocorreu(eram) de forma integral, de maneira que a maioria das
apurações acabam sendo homologadas. Trata-se de uma presunção de veracidade da
declaração prestada, passível de correção caso haja prova em contrário – ou seja, juris tantum.
Ocorre que tal obtenção de prova em contrário pelo Estado arrecadador apenas se
dá quando da realização de medidas fiscalizatórias – cruzamento de dados de apurações de
diferentes contribuintes; fiscalizações contábeis; etc. –, cuja quantidade não atinge, por muito,
a totalidade das apurações feitas pelos particulares.
Tudo isso demonstra o caráter de cooperatividade do particular para que seja
efetivado o lançamento por homologação, evitando-se uma minuciosa e invasiva apuração
estatal do tributo e, sobretudo, a diminuição da arrecadação pública.
3. 3 Surgimento da obrigação tributária e do lançamento tributário: pela lei ou pelo ato do particular?
Conforme já mencionado acima, o lançamento tributário é oriundo da verificação
de ocorrência do fato gerador do tributo, que implica na obrigação tributária (art. 142, CTN).
Ou seja, a obrigação tributária seria o ponto de partida para que o lançamento fosse realizado.
Ocorre que o fato gerador da obrigação tributária (diga-se, a principal) somente pode ser
Portanto, a própria legislação definiu que a obrigação tributária é decorrente das
hipóteses de incidência dispostas em lei, sem a qual não poderá haver o ato administrativo de
lançamento do tributo.
Desta feita, não parece razoável que a declaração de débito prestado pelo
contribuinte seja, por si só, suficiente para elidir a sua própria defesa quando o tributo não for
pago, não devendo, ainda que apure incorretamente, ser compelido a pagar algo que a lei não
expresse como sendo de sua obrigação, inclusive pelo princípio da legalidade insculpido no
art. 5º, II, CRFB/88, em que não estaria obrigado a fazer algo que a lei não determine.
Evidencia-se, pois, que a obrigação tributária é ex lege, e não derivada do
lançamento promovido pela autoridade administrativa. A obrigação já existe quando
verificada a ocorrência do fato gerador disposto em lei, o crédito tributário, porém, que só
será constituído com o ato administrativo de lançamento.
No mesmo sentido, boa parte da doutrina. Por exemplo, Hugo de Brito Machado
(2006, p. 119):
A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributaria, que compreende o dever de alguém (sujeito passiva da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária).
Afirma, também, Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 305):
Não prosperou entre nós a vertente constitutivista, tão elaborada nas obras clássicas de Enrico Allorio e Antonio Berliri, assim como nos trabalhos de todos os seguidores italianos. Consagrou-se, isto sim, a tese da natureza declaratória do lançamento, que traduz o reconhecimento de que a obrigação nasce juntamente com a realização o evento tributário. Onde houver obrigação tributária, terá havido, certamente, o fato típico, e a recíproca é verdadeira.
Cite-se, por fim, a lição de Luciano Amaro (2006, p. 246):
O nascimento da obrigação tributária independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida a sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se ex lege.
A exigência do tributo somente a partir de previsão legal se mostra
compreensível. Lembra-se que o tributo, como forma de arrecadação do Estado, há de ser
arrecadado e aplicado a partir da vontade da coletividade, da sociedade como um todo, razão
pela qual a lei, como produto dos representantes eleitos pelo povo, representa da forma mais
Admitir que tributos fossem criados por atos normativos secundários ou até
mesmo atos normativos primários de rigor menor que a lei (por exemplo, medidas
provisórias, resoluções, etc.) acabaria por não alcançar a fiel representatividade daqueles
como vontade social, mas como mero meio arrecadador do Estado.
Recorda-se, ainda, que a aplicação dos tributos está relacionada com a prática de
políticas públicas dos diversos entes federados, o que, direta ou indiretamente, atingirá a
esfera popular.
A legalidade de que se reveste o tributo é reflexo do princípio da
indisponibilidade do interesse público – princípio constitucional implícito -, uma vez que a
arrecadação tributária, coisa pública que é, só poderá ser alvo ou manejada pela administração
pública mediante disposição em lei, única capaz de reproduzir legitimamente a vontade do
povo, detentor de sua titularidade (ALEXANDRINO; PAULO, 2012, p. 189).
Como já foi dito, o tributo também tem de se revelar atual em relação ao
panorama dos indivíduos em convívio, não podendo estar obsoleto ou ultrapassado quanto às
novas relações jurídicas realizadas, nem resistir a relações que não mais existem, ou que, do
ponto de vista da própria sociedade, não devam ser alvo da arrecadação Estatal.
Exatamente por isso, a lei se mostra como a melhor alternativa ao
acompanhamento dessas mudanças da coletividade e de seus interesses, de maneira que, por
ter processo legislativo mais flexível, menos rigoroso do que o das emendas constitucionais,
acaba por permitir a adequação do tributo a tais cenários.
A emenda constitucional, embora também represente a vontade popular com
proximidade, acaba por dificultar a adaptação do tributo às novas realidades sociais, em
virtude de seu rigoroso processo legislativo. A proposta de emenda à constituição só poderá
ser apresentada, com base no art. 60 da CRFB/88, pelo mínimo de um terço dos membros da
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, pelo Presidente da República, ou por mais da
metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação. Além disso, sua aprovação
dependerá do voto favorável de pelo três quintos de ambas as casas do Congresso Nacional,
em dois turnos (§2º).
Em contrapartida, a iniciativa das leis pode ser exercida, como se vislumbra no
art. 61 da CRFB/88, por qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal ou do Congresso, pelo Presidente da República, pelo STF, pelos Tribunais Superiores,
pelo PGR e, até mesmo, pelos cidadãos (§2º). Ademais, a aprovação se dá apenas pela
maioria simples (por ser, considerando a constituição de tributos, lei ordinária) em um turno
Percebe-se, portanto, que a norma constitucional, embora se respalde pela
legitimidade popular, pode prejudicar a adequação dos tributos, novos ou já existentes, às
constantes modificações que ocorrem no bojo da sociedade, não conseguindo reproduzir com
exatidão o interesse da coletividade quanto ao que pode ser tributado.
Assim sendo, a tributação (obrigação tributária), como ato da administração
pública de recolher valor em pecúnia do particular, deve ser determinada por lei pelos
seguintes motivos:
a) em virtude da liberdade do particular em fazer ou deixar de fazer salvo
expressa previsão legal, conforme previsão do art. 5º, II, CRFB/88, de maneira
que só estaria obrigado a recolher tributo (ou seja, a fazer algo) mediante a
existência de lei nesse sentido;
b) por se tratar de restrição à propriedade do particular - pagamento do tributo
com seu patrimônio (pecúnia) -, que não pode ser praticada sem a observância
da supremacia do interesse público, este traduzido na vontade da lei;
c) tendo em vista a legalidade inerente à administração pública (art. 37, caput,
CRFB/88), cuja atuação do agente público deve sempre obedecer ao interesse
da coletividade, traduzida em disposições legais, nunca podendo agir sem
previsão para tal, motivo pelo qual a tributação, como atividade administrativa,
deve ser respaldada na legislação vigente;
d) porque o interesse público é indisponível, e a arrecadação tributária, como
coisa pública que é, não pode ser fruto de atuação ilegal, sendo a lei o
instrumento legítimo para versar sobre o bem da coletividade, porquanto
represente o interesse do povo.
Dessa maneira, decorre logicamente que, sendo a tributação decorrência da lei –
instituindo o tributo, bem como a sua hipótese de incidência, que, caso observada, fará surgir
a obrigação tributária -, a declaração do particular de que deve ser tributado de nada valerá se
não for observada a existência da hipótese legal de tributação. Em miúdos, considerar o
contrário seria permitir que o contribuinte, por exemplo, informando ingressar em território
brasileiro com produto estrangeiro, fosse compelido a pagar imposto de importação (II) ainda
que a mercadoria tenha sido produzida e adquirida em território brasileiro.
Portanto, o simples ato de declaração do particular perante a administração
pública não gera obrigação tributária, ou seja, não impõe a este o pagamento do tributo
de incidência do tributo, e sua exigibilidade a partir do ato de lançamento (QUEIROZ, 2002,
p. 139).
Ou seja, a declaração do particular tem papel fundamental para que a hipótese de
incidência seja notável, ajudando a administração pública, esta sim, a realizar a devida
tributação com o ato de lançamento.
De forma muito similar à obrigação tributária, o lançamento tributário também
deve ser praticado mediante a observância da lei, pelos motivos já recentemente elencados,
mas principalmente pelo fato do próprio art. 142 do CTN determinar que o lançamento é ato
administrativo (procedimento) praticado pela autoridade administrativa, ou seja, não podendo
ser efetivado fora dos alcances legais, com base no princípio da legalidade administrativa (art.
37, caput, CRFB/88).
O lançamento deve ainda, além de obedecer à lei – inclusive com relação ao seu
aspecto formal e material -, ser praticado com a participação necessária da autoridade
administrativa, sem a qual apresentará vício patente em sua constituição.
Inclusive, até mesmo no lançamento por homologação deve haver participação da
autoridade administrativa com a expressa homologação do tributo apurado, sem a qual não
haverá lançamento tributário, conforme prevê o art. 150 do CTN.
Interessante notar que o lançamento por homologação sempre contará com a
participação da administração pública em sua formalização, ainda que esta nada argumente
sobre o apurado pelo contribuinte. Perceba-se: não se trata de inatividade da administração
pública, mas apenas de homologação tácita - de forma não expressa - de maneira que,
vislumbrando o declarado pelo contribuinte, concorda com sua apuração, porém não emite
expressamente tal concordância.
Assim sendo, a denominação de autolançamento que alguns fazem em relação ao
lançamento por homologação é verdadeira atecnia, de maneira que o particular jamais realiza
o seu próprio lançamento, papel exclusivo da autoridade administrativa, que atua sempre em
conformidade com a lei. Aquele deve, porém, prestar informações que ajudem o fisco a
4 A IMPUGNAÇÃO AO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO
4.1 Hipótese de cabimento
Conforme já mencionado anteriormente neste trabalho, o CTN previu em seu art.
145 hipóteses de revisão do lançamento tributário em relação aos seus requisitos de validade,
de legalidade. Embora seja possível que essa revisão seja feita de ofício pela própria
administração pública, bem como por recurso de ofício, o estudo em questão se voltará apenas
para a figura da alteração do ato de lançamento provocada por requerimento do contribuinte,
ou seja, por meio de impugnação do sujeito passivo, conforme o disposto no inciso I do artigo
acima mencionado.
Portanto, em relação ao lançamento tributário por homologação, o contribuinte,
realizando a apuração do montante de tributo devido e o recolhimento antecipado deste,
poderá impugnar o ato de lançamento efetuado pela autoridade fazendária em momento
posterior (ratificação, homologação da apuração feita pelo contribuinte).
A impugnação, como dito, consiste no reexame material e formal do
procedimento de lançamento, de forma que este apresente os requisitos de validade suficientes
a constituir o tributo. Trata-se, portanto, de desdobramento dos princípios da ampla defesa e
do contraditório na esfera fiscal, de maneira que o contribuinte possa se preservar de um
eventual tributo que lhe seja cobrado ilegalmente.
Nesse caso, o contribuinte impugnará o tributo lançado por homologação
recolhido de forma antecipada e, caso seja julgada sua procedência na esfera administrativa –
ou seja, caso se verifique a ilegalidade do tributo cobrado, no todo ou em parte -, o particular
terá restituído a si aquele valor anteriormente recolhido.
Um exemplo é a apuração e recolhimento antecipado de tributo cujo fato jurídico
é isento ou imune à tributação. Nesse caso, observa-se de forma inconteste que, mesmo o
contribuinte apurando valores e os recolhendo antecipadamente, afirmando tratar-se de tributo
devido, o fisco não poderá contar com tal numerário, porquanto fruto de situação em que a
incidência de tributação jamais existiu, sob pena de estar se enriquecendo ilicitamente, à custa
do particular.
Portanto, no caso mencionado, poderia o contribuinte se valer de uma impugnação
administrativa (revisão, requerimento, recurso, etc.) a fim de que o ato de lançamento,
flagrantemente ilegal, fosse-o assim declarado, de maneira que lhe fosse restituído o montante
Vale mencionar que a legislação tributária traz várias espécies do gênero tributo,
além de ser, no mais das vezes, complementada por atos normativos secundários editados
pelos órgãos fazendários. Dessa forma, geralmente não por má fé, não é incomum que o
contribuinte acabe por cometer algum equívoco na apuração do tributo devido, seja quanto ao
valor, seja quanto ao fato cuja tributação incide, etc. Conceder que esse particular possa
impugnar a homologação da apuração e do recolhimento que fez é efetivar ao máximo sua
garantia constitucional ao direito de defesa e ao devido processo legal.
Dessa maneira, não será desfalcado de seu patrimônio em detrimento da
administração pública por ato sem qualquer respaldo legal, uma vez que, conforme já se
destacou, a vontade da administração pública provém única e exclusivamente da lei, tradução
mais próxima da vontade do povo, detentor e mantedor da coisa pública.
4.2 Vedação à impugnação do tributo lançado por homologação mas não pago
Como visto no tópico anterior, possível é a impugnação do contribuinte do tributo
lançado por homologação e não pago. Trata-se de desdobramento dos princípios da ampla
defesa e do contraditório em sede do processo administrativo tributário.
Existe, porém, outra hipótese que pode acontecer quanto ao tributo lançado por
homologação. Fala-se da situação em que o contribuinte apura o tributo a ser recolhido,
porém não promove esse recolhimento. Pergunta-se, então, se esse particular poderia se valer
da impugnação administrativa para discutir a validade do tributo que lhe é cobrado.
A doutrina afirma existir entendimento já pacificado no STF e no STJ sobre o
assunto6. Para tais tribunais, restaria impossibilitado o direito de defesa do contribuinte na esfera administrativa, porquanto ele próprio tenha apurado e reconhecido o tributo como
devido.7
Consideram, portanto, verdadeira confissão de dívida por parte do particular, de
maneira que não caberia o mesmo dispor em contrário contra tal, devendo arcar com aquilo
que apurou e informou ao fisco. Dessa maneira, a dívida seria certa (sujeitos definidos, sendo
credor o fisco e devedor o contribuinte, cabendo o recolhimento do tributo não pago) líquida
(quantum debeatur já apurado, ou seja, o montante de tributo) e exigível (não é passível de
6 Dentre os autores de obras jurídicas, Machado Segundo (2010, p. 13), Xavier (1997, p. 8), Farias Machado,
(2006, p. 73), Jorge Neto (2006, 80) e Tavares (2006, p. 8).
7 Cita-se, v.g., REsp 120.699/SP, 2ª Turma, Min. Rel. Francisco Peçanha Martins, julgamento em 18/05/1999,
qualquer impugnação na esfera administrativa), razão pela qual poderia ser expedida CDA
(Certidão de Dívida Ativa) para a inscrição em dívida ativa, isto é, para que se procedesse à
respectiva execução fiscal contra o contribuinte devedor.
Interpreta-se, desse jeito, que o ato do particular de apurar e calcular o tributo
devido nesse tipo específico de lançamento é suficiente para constituir o crédito tributário, de
maneira a dispensar a homologação ou qualquer atividade subsequente da autoridade
administrativa.
Ainda segundo entendimento dos tribunais citados, tal afastamento não afrontaria
a ampla defesa e o contraditório do particular, uma vez que estes princípios não teriam, assim
como os outros insculpidos em nosso ordenamento jurídico, aplicabilidade absoluta, podendo
ser afastados quando se pusessem em conflito com os demais.
Ocorre, entretanto, conforme já se mencionou neste trabalho, que o particular tem
que lidar com uma legislação tributária complexa e esparsa, formada por diversos atos
normativos secundários editados pelos órgãos fiscais. É compreensível, portanto, que na
dificuldade que lhe é imposta, acabe por cometer algum equívoco, erro, quanto ao fato
gerador do tributo, base de cálculo, alíquota, etc.
O contribuinte, na maioria das vezes, não tem o conhecimento técnico que se
espera acerca do direito tributário, sendo pessoas que exercem os mais variados tipos de
atividade na sociedade, cuja maioria não está ligada a conhecimentos jurídicos sobre matéria
tributária. Dessa forma, normal é que, dentro de uma amostragem de contribuintes que devam
realizar a apuração de um tributo a ser lançado por homologação, acabe havendo parcela
destes que cometam algum equívoco no tocante às regras que devem ser aplicadas para o
cálculo do montante devido ao fisco.
Não se diz, contudo, que o particular está liberado a errar indiscriminadamente
sobre o tributo a ser recolhido aos cofres públicos, até porque, fazendo-o, incorrerá nas
sanções administrativas e penais correspondentes ao descumprimento da lei. Cabe lembrar
que o recolhimento de tributos, como meio de arrecadação pública, tem o condão de ser
revertido à sociedade. O contribuinte deve buscar, demandando o máximo de esforço, cumprir
as regras tributárias. O desrespeito a tais mandamentos jurídicos enseja em prejuízo reflexo à
coletividade, que, por consequência, não tem interesse, a priori, em proteger possíveis
equívocos, pelo contrário, deseja reprimi-los e se valer dos meios necessários para garantir o
recolhimento do tributo.
O que se defende, na verdade, é que o contribuinte tende a buscar o cumprimento