• Nenhum resultado encontrado

O centro histórico e a problemática da sua revitalização

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. A cidade a arquitectura e o centro histórico:

3.3. O centro histórico e a problemática da sua revitalização

O centro Histórico é entendido como o coração de uma cidade que deve ser preservada, aplicando-se aí a noção de que este tipo de património imóvel liga-se intrinsecamente à cultura de um povo e à sua história e por conseguinte, pode ser representativo da sua memória colectiva.

Ultimamente, tem havido um grande debate sobre a questão da revitalização dos centros históricos, estando as discussões situadas em pólos opostos. Segundo Cristina Meneguello, de um lado, o assunto é visto como estratégia de preservação e revalorização de tecidos degradados das cidades; de outro, é encarado como processo de expulsão dos habitantes historicamente enraizados e a transformação de centros históricos em simulacros da vida tradicional, voltados aos turistas47.

Conforme ainda a autora muito também se tem inferido sobre um suposto conflito entre, de um lado, os centros preservados por lei e, como dizem os seus detractores, congelados no seu desenvolvimento, e, de outro, as necessidades prementes de moradia em áreas centrais, inviabilizadas pela adição de valor de uso e de consumo trazida pela revalorização das mesmas áreas.

Sobre essas estratégias, a autora acima mencionada preconiza o estabelecimento da diversidade de usos e frequências na moradia, nas compras, no lazer e na cultura e, como tal, na atracção de actividades comerciais e culturais; a união de uma cultura popular jovem com a atracção de visitantes e o uso dos prédios para fins comerciais nos andares térreos e habitação nos andares superiores, o que em essência, no caso do Centro Histórico da Praia seria uma espécie de reposição das funções de vários edifícios particulares de carácter senhorial e de dois pisos, construídas quando os senhores da terra acharam que deveriam acompanhar a fixação do poder temporal e espiritual nessa

47

urbe, no momento em que já ostentava o título de cidade depois de 185848 e como veremos na segunda parte deste trabalho conferia o estatuto de alguma nobreza dos seus habitantes mais ilustres. De acordo com o raciocínio de Meneguello a revitalização do centro histórico assim concebida, proporcionaria a circulação de pessoas durante o dia e a noite, evitando o esvaziamento nocturno, evitando, a nosso ver, aquilo que é visto como a fase morta do coração da cidade depois da azáfama do dia.

Cristina Meneguello enfatiza a ideia de bom urbanismo, associado ao dinamismo dos centros históricos, apontando os exemplos das cidades europeias de Bolonha, Barcelona e Londres, nos últimos anos da década 70 e ao longo de toda a década de 80 do século XX, que multiplicaram iniciativas para a reconfiguração de seus núcleos históricos, considerados decadentes e estrategicamente localizados. Sustenta a autora, que foram revalorizados por meio de projectos desenvolvidos por arquitectos de grande nomeada, através da inclusão dessas áreas nos trajectos turísticos, reconfigurando imagens que se fizeram desses centros numa espécie de cartão de visita das suas respectivas cidades.

A literatura consultada mostra-nos que cedo as autoridades e os grupos civis organizados em torno da protecção dos antigos centros urbanos deram-se conta que a viabilidade de projectos com esta finalidade dependia de uma complexa rede de relações físicas e não físicas e que sem a conjunção entre as políticas oficiais, investimentos, regulamentações de tombamento e zoneamento, controle do comércio e da expansão imobiliária, divulgação de valores históricos sem a participação da população local, se tornavam bem mais difíceis as intenções da preservação.

Realça Meneguello com certa segurança, que a própria conceituação de centro histórico possui uma genealogia bastante recente, mostrando que só depois da Segunda Grande Guerra Mundial é que os centros passaram a receber a atenção de arquitectos, urbanistas e planeadores urbanos. Sublinha igualmente que, nesse período, os países europeus tiveram que encarar simultaneamente a destruição de tecidos urbanos historicamente densos e a necessidade de criar novos espaços de moradia e convivência.

Efectivamente, tal como reporta Cristina Meneguello em Julho de 1951, o Centro, definido como Coração da Cidade, foi o tema do Oitavo CIAM (Congresso

48

Internacional de Arquitectura Moderna), na pequena cidade de Hoddesdon, próxima a Londres, tendo – se evidenciado nesse evento os casos das cidades inglesas, suecas e holandesas, onde se criaram zonas centrais para pedestres, uma iniciativa que na mesma linha da conjugação da actividade comercial com a habitabilidade desses centros dão importância aos centros históricos para as respectivas comunidades. O centro urbano passava assim a ser o elemento caracterizador da respectiva comunidade, consagrando nos seus habitantes, o repositório da memória da colectividade e o local que possibilita entender o aspecto comunitário da vida humana nesse tipo de aglomerados humanos.

Encarado na perspectiva acima descrita o núcleos históricos que no passado tiveram funções semelhantes ao Plateu da Cidade da Praia, passam a ser identificados como centros o que não correspondia mais à ideia espacial de centralidade, dado que com o crescimento das cidades, diluiu-se a localização do Centro como coordenada espacial podendo ser sim, um centro cívico, comercial e, especialmente, de repositório e expressão física de experiências colectivas.

Por fim, importa salientar que a definição e preservação do tecido histórico urbano, na lógica da UESCO saiu duma recomendação de Nairobi em 1976, que se afigura como a primeira carta patrimonial a falar claramente da preservação de conjuntos e a buscar compatibilizar a preservação a as exigências contemporâneas, apoiada pela administração local e municipal, associações de moradores e de bairros e de órgãos técnicos. A recomendação que incide nos conjuntos históricos ou tradicionais, (sítios pré-históricos, cidades históricas, bairros urbanos antigos, aldeias e lugarejos, bem como conjuntos monumentais homogéneos) muitas vezes ameaçados quer pelas tentações de uniformização e de despersonalização dos mesmos na nossa época, é nestes termos, definidos: (...) constituem a presença viva do passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a variedade necessária para responder à diversidade da sociedade e (...) constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais (...)49

Documentos relacionados