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2.6 A LÓGICA DA PRODUÇÃO DE CUIDADOS DAS

2.6.1 CTs filiadas à cruz azul no brasil

2.6.1.2 O CERENE de Palhoça

O CERENE de Palhoça, município pertencente à grande Florianópolis, foi fundado no dia 23 de maio de 1995. Situado às margens da BR 101, na Praia de Fora, no topo de um morro que confere a todos os seus visitantes uma bela vista. Em uuma área de 610 hectares, junto ao Morro do Cambirela, dispõe da seguinte edificação: Na Ala 1 no andar superior de uma casa com varandas, sala de reuniões, seis salas de atendimento, dois banheiros, recepção e depósito. No andar térreo encontra-se a enfermaria, sala de plantão, sala de televisão/terapia, varanda, refeitório, cozinha, depósito de produtos de limpeza, depósito de gêneros alimentícios e sala de freezers. Na Ala II do piso superior estão situados: um quarto para funcionários, seis quartos para 26 residentes e cinco banheiros. No térreo desta ala estão dois quartos para funcionários, seis quartos para 26 residentes, além de banheiros. No andar térreo existem dois quartos para funcionários, seis quartos para 17 residentes e três banheiros. A ALA III do andar superior dispõe de sala de laborterapia, sala de aula/terapia, sala para artesanato, dois banheiros e quitinete. No térreo está a casa de moradia pra funcionário e família. As ALAs IV e V são destinadas à casa dos colaboradores. A ALA VI é para o acolhimento em república para 12 pessoas com banheiros, auditório, sala de música, depósito e processamento de frutas e verduras. A ALA VII, destinada à residência mista, conta com sala de aula, banheiros, duas residências para colaboradores e depósito para materiais diversos. A Unidade conta ainda com área de esportes, açudes, galpões de madeira para depósitos diversos, almoxarifado, criação de frangos, galinhas poedeiras, área de lazer e oficinas.

Os alojamentos em Palhoça segundo CERENE (2011, p.51) são em alvenaria, com quartos coletivos de doia até quatro pessoas, com banheiro coletivo. A cozinha está dimensionada para servir até 200 refeições/dia e o refeitório tem espaço para cerca de 80 pessoas. Há de se considerar que, no universo pesquisado, todas as instituições do CERENE ou a ela filiadas, bem como a Comunidade Terapêutica Fazenda Esperança dispõem de Alvará Sanitário3 atualizado.

A principal informante nesta unidade, a psicóloga da Unidade, explicou o funcionamento da Unidade e do Programa Terapêutico, discorreu sobre a história e os desafios inerentes ao seu campo de

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O Alvará Sanitário é fornecido pela Vigilância Sanitária, que atesta que àquele estabelecimento está cumprindo as exigências de funcionamento estabelecidas na legislação vigente. Todos os estabelecimentos de saúde e de interesse da saúde devem renovar anualmente este documento, por meio de inspeção sanitária por fiscais da VISA.

atuação neste espaço e organizou o acesso a todos os entrevistados desta CT. Ela se intitula, assim como os outros colaboradores, de "obreiros". Obreira “por amor e vocação” esta profissional. A pesquisadora participou de um grupo terapêutico com mais três residentes, previamente por eles consentidos.

Os obreiros geralmente residem próximo à Comunidade, em moradias cedidas pelo CERENE. A psicóloga considera a CT como uma "grande família", da qual se sente parte, comentou:

A CT auxilia numa nova configuração familiar que serve de apoio aos residentes. Nós obreiros moramos aqui. Eles vêem nossas famílias que servem de exemplo e de apoio aos residentes, pois eles convivem com a gente. Eles não podem se aproximar das nossas casas, mas aqueles que não têm uma família acabam batendo em nossas portas. Como mulher e psicóloga sou muito procurada. Tem adolescentes que me procuram duas a três vezes por dia. Eu acabo sendo a referência deles de mãe, por ser mulher e por se sentirem mais à-vontade para falar sobre certas coisas. (Entrevistada n. 14). Antes de terminar a faculdade esta profissional já trabalhava em uma CT no Rio Grande do Sul. Antes de ser contratada para trabalhar no CERENE realizou cursos pela Cruz Azul. Ela tece alguns comentários sobre algumas questões com que lida no contexto do trabalho na CT com os dependentes:

A dependência química não escolhe classe social. Antes a droga era mais restrita a classe pobre. Hoje em dia temos médicos internados, professores, advogados, estilistas, cozinheiros, etc. A Dependência está hoje em dia em todas as classes sociais e a dor da dependência não escolhe lugares, nem família... Os casamentos defeitos, a ausência paterna, onde os pais se separam, dividem tudo e os filhos ficam de fora porque cada um forma a sua própria família é um dos problemas trazidos pelos residentes. (Entrevista. n. 14).

Assim como acontece em outras Unidades do CERENE, os residentes que são trazidos pelo convênio com o CAPS fazem a triagem naquele centro e são por ele encaminhados. Já nos convênios com as prefeituras os residentes são encaminhados por seu serviço social,

embora também exista demanda espontânea onde as pessoas não passam pelo CAPS. Os adolescentes são geralmente encaminhados pelo Poder Judiciário e costumam ficar por seis meses, tempo determinado pelo Juiz e pela CT. Nem todos os que vêm pela Justiça ficam os seis meses, pois muitos fogem.

O CAPS só atende os residentes encaminhados pelos CAPS. Quem faelabora e executa o Programa Terapêutico dos residentes é o CERENE. Não há, portanto, uma relação muito próxima da CT com o CAPS pois não são partilhados os prontuários, existe apenas o encaminhamento.

Cada um dos residentes tem atividades em um setor: jardinagem, cozinha, serviços gerais, galinheiro, horta, etc. Sabem que estas atividades são de sua responsabilidade e o trabalho no grupo induziria a discussão sobre o que é ser responsável lá fora e com a família. Segundo a profissional entrevistada os grupos discutem as vantagens e desvantagens de usar SPA, o que é dependência química, assertividade nos relacionamentos, e critérios de alta, que é trabalhado durante os seis meses. Os residentes têm que estar aptos para a alta. No final do tratamento também entregam um certificado, denominado de Felicitações, como em outras Unidades.

O tratamento é dividido em fases. A primeira fase, de desintoxicação ou de adaptação, corresponde aos 30 primeiros dias, que ocorrem sem visitas. “Todas as dores dos residentes aparecem: no dente, no corpo, em tantas outras partes, porque a droga não deixa que os residentes sintam seu corpo e sua vida”. (Entrevistada n. 14).

Na segunda fase trabalha-se como se relacionar diante do preconceito e estigma da dependência química; cuidados nas saídas; o medo por parte da família e das pessoas, como lidar com os confrontos e relações; visão de homem e mundo; relação com Deus, a importância da fé e da espiritualidade.

Nosso carro chefe é a espiritualidade, independente da religião.Eles têm que participar de toda a programação [...] Muitos chegam ateus, mas depois se apegam ao Evangelho, saem Evangélicos. Não usamos os 12 Passos, mas nossas falas abrangem os preceitos desta filosofia. (Entrevista n. 14).

Na fase 3 avalia-se se o residente está apto à ressocialização. Primeiro ele sai em um sábado e volta domingo, depois permanece fora duas noites e dois dias. Finalmente ele pode ir para casa sozinho,

ficando mais independente e aumentando sua responsabilidade. A família acompanha os que não conseguem sair sozinhos.

Segundo a opinião da profissional informante, o que tem de mais terapêutico na CT é a organização das rotinas:

Cobramos dos residentes a mesma organização que damos a eles. Aqui trabalhamos com terapeutas de referência. Cada terapeuta tem em média quinze residentes. Além dos atendimentos psicológicos existem [...] grupos de prevenção à recaída enfatizando a necessidade do cuidado com pessoas, hábitos e lugares. Além disso, os residentes têm a escola SEJA [...] e todos têm que trazer seu histórico escolar para continuar os estudos dentro da CT. Muitos terminam a escola aqui. Já temos médicos e advogados formados. Oferecemos, também, escola de música e curso de tear, com um casal voluntário, duas vezes por semana. Temos grupos sobre direitos e deveres do cidadão, responsabilidade e inclusão social. Antes tínhamos a tarde da família para os que completaram o tratamento. Essa atividade foi modificada e usamos hoje no lugar do certificado a palavra FELICITAÇÕES, pois notamos que a palavra certificado parecia induzir à recaída. (Entrevista n. 14).

Para além das atividades citadas são oferecidos cinco grupos de apoio às famílias nas cidades onde ficam sediados os CERES: Praia de Fora, Aririú, Palhoça e Florianópolis são os municípios onde ocorrem estes grupos organizados pela própria equipe do CERENE. Cada um dos obreiros escolhe um tema, um versículo do evangelho, e relaciona o assunto à dependência química. Este espaço tem por objetivo estimular que as pessoas conversem entre si, falem das suas dificuldades e aprendam umas com as outras sobre a sua dor. Quando o residente completa o tratamento ele deve freqüentar esses grupos.

Na visão da profissional entrevistada,

O sucesso do tratamento está condicionado à participação nestes grupos. Acredito que recuperamos 30% dos residentes, mas ainda é um índice baixo. Os que se evadem ou recaem só poderão retornar ao CERENE após 30 dias. Já chegamos a atender criança de 12 anos por medida judicial e o crack, a maconha e a cocaína são as drogas mais freqüentes, junto ao álcool. Começam na

maconha, passam para a bebida, depois a cocaína e o crack. É preciso tratar a disfunção familiar e o dependente. Por isso investimos na terapia familiar (Entrevistada n. 14).

No CERENE de Palhoça os critérios de alta também são trabalhados com os residentes por meio dos seguintes temas: como o residente chegou e como está aqui agora; melhora do estado físico; estabilidade psicológica para lidar com os conflitos e frustrações; a dependência química é como uma bengala onde o residente se segura, pois não consegue resolver um conflito sóbrio; restabelecimentos de vínculos familiares e sociais; como lidar com a saudade; arrependimento e ampliação do grau de consciência sobre as causas da SPA em sua vida; capacidade de fazer escolhas; responsabilidade pela própria vida e com outras pessoas; estabilidade de planos de vida; criação de soluções para as dificuldades; e equilíbrio na administração das finanças.

Para uma funcionária entrevistadas é de grande importância a forma de aprendizado a partir do lidar com a realidade financeira: "quando o residente recebe dinheiro da família ele aprende a administrá- lo até o fim do mês, pois deposita seu dinheiro numa caixinha, faz uma lista do que quer comprar, como biscoitos, balas, etc. e aprende o exercício de equilibrar as suas finanças. Isso proporciona mais motivação para continuar o tratamento".

Além das atividades citadas aparecem no cardápio da CT de Palhoça aulas de informática e atividades externas como caminhadas, passeios à Igreja e ao cinema, para as quais informam contar com um ônibus privativo.