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3. O caso de Minas Gerais

3.1 O Choque de Gestão – medidas imediatas

Segundo ANASTASIA, atual Vice-Governador de Minas Gerais e o principal artífice do Choque de Gestão, quando ocupava a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, a idéia do choque corresponde a “...um conjunto de medidas de rápido impacto para modificar, de vez, o padrão de comportamento da Administração estadual, imprimindo-lhe um ritmo consentâneo com a contemporaneidade própria de uma gestão eficiente, efetiva e eficaz.” Nesse âmbito, uma das medidas principais, tomada ainda no último ano do mandato do Governador Itamar Franco, foi uma ampla reformulação da estrutura organizacional, com a extinção de secretarias, superintendências, diretorias, unidades administrativas e cargos comissionados. Nessa iniciativa, destaque deve ser dado à criação da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que unificou as funções de planejamento e coordenação geral e de recursos humanos e administração, funções antes atribuídas a secretarias diferentes, e assumiu a responsabilidade pela condução da política do choque

30Jornal oEstado de São Paulo, 21 e 22/11/2006 31

Cabe destacar que, ao contrário do Estado de São Paulo, por exemplo, em que houve um importante movimento de publicização por meio das Organizações Sociais, em Minas Gerais tais iniciativas foram mais tímidas. O escopo do Choque de Gestão é, predominantemente e ao menos até o momento, a esfera estatal.

de gestão. Sob o âmbito da SEPLAG ficaram, portanto, as atribuições particularmente vinculadas ao Choque: planejamento, orçamento, coordenação geral, recursos humanos, governança eletrônica e logística. (GUIMARÃES, 47, 2006; ANASTASIA, 15 a 17, 2006)

A aplicação de um conjunto de medidas imediatas e severas era imperativa, e decorria do estado deplorável em que se encontravam as finanças e o nível de serviços públicos do governo ao final de 2002. Conforme relata NOMAN, dentre outros índices, o percentual da despesa com pessoal do Poder Executivo em relação à receita corrente líquida (RCL) era de 61,7%, muito superior ao limite de 49% definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ainda superior aos 45,5% apurados pela média do conjunto dos outros estados32; a Dívida Consolidada Líquida atingia 274,4% da RCL, superior em 74,4 pontos percentuais o limite de 200% estabelecido pela LRF33; as obrigações com a folha de pagamento só eram quitadas ao final do mês subseqüente ao da folha, e a gratificação natalina era paga usualmente no exercício seguinte; as dívidas com fornecedores não eram pagas pontualmente, o que gerava custos adicionais e perda de crédito. Além disso, “...o exercício de 2003 se iniciou com a perspectiva de déficit equivalente a R$2,3 bilhões, pois o orçamento aprovado contemplou este montante como “Outras Receitas de Capital”, cuja efetivação não dependia exclusivamente do esforço estadual.” (2006, 302-303)

Além desses problemas, outras duas práticas deletérias eram o contingenciamento ou o fluxo errático de recursos na execução orçamentária, que trazia insegurança quanto à garantia de recursos para os projetos, e o descolamento entre planejamento e orçamento, devido à periodicidade distinta entre o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nesse último caso, a não revisão anual do PPAG e a tendência à super-estimação de receitas no momento de sua confecção, para o 2º, 3º e 4º

32 Receita Corrente Líquida (RCL) é o somatório dos itens componentes da receita corrente,

deduzidas as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira da área da previdência.

ano, levava a um completo descolamento e, na prática, à nulidade do planejamento como instrumento norteador das ações governamentais. (OLIVEIRA et al, 71, 2006)

Estes problemas foram abordados com o receituário típico de ajustes fiscais, envolvendo extinção de cargos e unidades administrativas; contingenciamento de 20% dos créditos orçamentários de 2003 (inclusive despesas com recursos vinculados e/ou diretamente arrecadados); vedação, para os primeiros 100 dias, de compromissos como diárias de viagens, passagens aéreas, participação em cursos, renovação de contratos, etc.; medidas relativas à Folha de Pagamento, como corte de abono para servidores com mais de um cargo, adoção do regime de emprego público, cruzamento da folha de pagamento com a folha da Prefeitura de Belo Horizonte para identificar fraudes, etc.; revisão de diversos processos com vistas à redução de despesas; pagamento preferencial dos pequenos débitos com fornecedores cobrindo cerca de 80% destes; pagamento de empreiteiras de obras públicas através da transferência de imóveis remanescentes das carteiras dos bancos privatizados e/ou liquidados; diversos “encontros de contas” entre os débitos respectivos dos fornecedores de bens e serviços com o Estado e as dívidas deste; além de outras operações de tesouraria. Além destas, algumas iniciativas mais elaboradas foram tomadas, como os leilões reversos em que se obteve descontos da ordem de 20% em média para pagamento de fornecedores e a modernização das atividades de arrecadação tributária, como contratualização de resultados até o nível de equipe de trabalho. (NOMAN, 314, 325, 2006; VILHENA e SANTOS, 337-338, 2006)

Finalmente, destaque deve ser dado ao encaminhamento, em setembro de 2003, da proposta orçamentária referente a 2004 com a previsão explícita de um déficit de R$1,4 bilhão. “Esta medida ajudou a alinhar o Legislativo e a sociedade mineira em torno da estratégia de curto prazo, o equilíbrio fiscal.” (OLIVEIRA et. al., 73, 2006)

Esse conjunto de iniciativas trouxe impactos importantes para as contas do Estado, conforme pode ser visto no quadro abaixo que mostra superação do

déficit fiscal a partir de 2004 e evoluções positivas no nível de endividamento e de gastos com pessoal frente à receita corrente líquida:

Variável 99 00 01 02 03 04 05 06 07 Evolução real1 da receita com ICMS (R$ milhões) 10.970 12.302 13.752 13.443 13.297 14.962 16.378 17.277 18,972 Participação do ICMS na receita total 62,4 52,7 56,9 57,6 57,6 59,3 59,5 57,3 58,1 Crescimento do ICMS em relação ao ano anterior, termos reais – MG

(%)

- 12,1 11,8 -2,2 -1,1 12,5 9,5 5,5 9,8 Crescimento do ICMS em relação ao ano anterior – todos os estados e

DF (%)

- 13,7 8,1 4,1 -2,4 9,9 4,0 4,6 6,8 Resultado orçamentário fiscal (receita total – despesa total /

R$ milhões – valores nominais)

171,4 -389,2 -1.334,3 -2.155,9 -227,8 90,6 221,6 81,1 190,1 Despesas com pessoal do Poder Executivo em relação a RCL (%)

(limite LRF = 49%)

59,8 64,3 62,8 61,7 53,7 48,3 43,5 44,6 46,4 Endividamento - Dívida Consolidada Líquida sobre RCL (%) 278,1 254,3 234,4 274,5 238,8 224,4 203,1 189,1 187,8 Fonte: elaboração própria a partir de NOMAN (2006; 305-306; 319); Relatórios de Gestão Fiscal: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

No entanto, apesar de tais iniciativas emergenciais configurarem mais propriamente o termo “choque” usado pelos implementadores do projeto, o

Choque de Gestão não se restringe apenas a elas. MARINI et alli vão além da

definição primeira reproduzida anteriormente: “O choque de gestão é um conjunto integrado de políticas de gestão pública orientado para o desenvolvimento.” (2006, 22)

A dimensão que essa definição pretende trazer para a experiência em MG é a de superação e diferenciação do que os autores chamam de “primeira geração de reformas”, ocorridas nos anos 80 e 90, que tinha uma orientação essencialmente econômica e fiscal. Embora não dispensando o ajuste e a estabilidade econômica, de acordo com os autores, o Choque de Gestão enfatiza o aumento do bem-estar da população de forma integrada à responsabilidade fiscal, por meio de transformações estruturais e não da mera redução de despesas. A essa abordagem dual os formuladores denominaram

Duplo Planejamento, que consiste, em síntese, em dois planejamentos

estratégicos, coerentes entre si, sendo um de curto prazo, correspondente às medidas imediatas do choque de gestão, e outro de médio e longo prazo, que será o objeto principal de nossa análise. “A formulação da estratégia dual do Estado sustentou-se, portanto, em dois pilares: o equilíbrio fiscal, estratégia do presente, e uma agenda de desenvolvimento, estratégia do futuro...” (ALMEIDA e GUIMARÃES, 45-47)

3.2 O Choque de Gestão – Planejamento Estratégico e