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2. Políticas públicas de gestão: coordenação

2.3 Gestão por resultados

2.3.1 Resultados e indicadores de resultados

Uma discussão importante do modelo de gestão por resultados refere-se aos indicadores utilizados para operacionalizar o modelo ou para permitir a avaliação do alcance das metas propostas. Segundo CARLEY (1985, citado em JANNUZZI, 2004), “indicador social é uma medida em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas)”. Ainda para JANNUZZI (2005, 138), “os indicadores apontam, indicam, aproximam, traduzem em termos operacionais as dimensões sociais de interesse definidas a partir de escolhas teóricas ou políticas realizadas anteriormente.” Ou seja, são os indicadores que viabilizam a tradução dos objetivos em medidas apreensíveis, e no presente caso, a tradução dos objetivos em indicadores de resultados.23

23 É importante ressaltar que pode haver indicadores para cada uma das fases da seqüência

Mas para cumprir tal papel, há um conjunto de propriedades que a escolha dos indicadores deve observar. Ou seja, de forma geral, é desejável que os indicadores possuam as seguintes propriedades (JANUZZI, 2004, 26-32):

1) Relevância social: refere-se à pertinência de sua produção para “indicar” uma questão social de relevância contemporânea;

2) Validade: refere-se ao grau de proximidade entre o conceito e a medida, isto é, à sua capacidade de representar o conceito abstrato, o objetivo, o resultado, a que o indicador se propõe a “substituir” ou “operacionalizar”;

3) Sensibilidade: refere-se à capacidade do indicador de refletir as mudanças da dimensão social de interesse;

4) Especificidade: refere-se à sua capacidade de refletir alterações

estritamente decorrentes das políticas públicas empreendidas;

5) Cobertura e desagregação: refere-se à capacidade de medir a dimensão social de interesse em diversos estratos e “recortes” úteis ao planejamento das políticas públicas – recortes espaciais, sócio-demográficos, sócio-econômicos, etc.;

6) Confiabilidade: relaciona-se à qualidade dos dados, primários ou não, usados no cômputo do indicador, como significância estatística de planos amostrais, precisão de registros administrativos, imparcialidade dos questionários aplicados em surveys, etc.;

7) Periodicidade e tempestividade: referindo-se à regularidade e à tempestividade com que os dados componentes podem ser obtidos para o cálculo do indicador, são de suma importância para viabilizar eventuais correções de rotas nas políticas públicas na periodicidade desejada e em tempo hábil;

8) Historicidade e comparabilidade: disponibilidade de séries históricas extensas e comparáveis, de modo a permitir o cotejamento do valor presente com situações do passado, inferir tendências e avaliar efeitos de eventuais políticas públicas implementadas;

9) Inteligibilidade, comunicabilidade e reprodutibilidade: refere-se à transparência da metodologia de construção do indicador, de forma a viabilizar sua compreensão e eventual reprodução;

10) Factibilidade dos custos de obtenção: é imperativo que o indicador seja produzido a custos razoáveis e compensadores.

A apresentação dessas propriedades revela a dimensão do desafio que o modelo de gestão por resultados enfrenta. Por exemplo, tendo em vista o ciclo lógico do modelo – definição de metas, avaliação do efeito e ação corretiva / planejamento – é vital garantir a especificidade do indicador ou a medição dos efeitos “líquidos” daquela política pública específica, tendo em vista as diversas “interferências” e influências do mundo social e das outras políticas públicas. Normalmente, esse tipo de propriedade é satisfeita somente por meio de avaliações de efeito específicas e contratadas no âmbito da própria política pública. Dificilmente, a especificidade pode ser assegurada a partir de estatísticas oficiais mais gerais.

Outro exemplo refere-se ao grau de desagregação espacial. No caso do Brasil, a grande extensão territorial e a profusão de municípios com iniciativas particulares de políticas públicas, exige, dependendo da condição social de interesse, uma avaliação com altíssimo grau de desagregação, o que traz implicações importantes relacionadas a prazos e custos. Por exemplo, a única estatística oficial abrangente com grau de desagregação em nível municipal é o Censo, cuja periodicidade é decenal.

Ou ainda, tendo em vista a tempestividade dos dados e das estatísticas, é extremamente complexo solucionar o problema da defasagem temporal entre os efeitos esperados na realidade social e a necessidade de ajuste dinâmico

nas políticas públicas. Para ilustrar esse comentário, cabe aqui um raciocínio hipotético, usando o ciclo orçamentário brasileiro. Na previsão do nosso arcabouço legal, a lei orçamentária anual (LOA) deve ser encaminhada, pelo Executivo ao Legislativo, em agosto do ano t. Portanto, no mínimo um ou dois meses antes, os dados de efeito das políticas públicas devem estar disponíveis para subsidiarem o planejamento do ano seguinte: t+1. Se considerarmos, de forma otimista, a necessidade de dois a três meses de coleta e processamento de dados, por meio de registros administrativos ou por meio de pesquisas de campo, a informação sobre a situação atual da condição social de interesse se referirá, em seu início, à coleta de dados do mês de março do ano t. Se assumirmos uma defasagem de 3 meses, entre política pública e seu efeito, estaremos tratando da política pública executada no ano t-1.24 Ou seja, nesse caso hipotético, estaríamos planejando a política pública para o ano t+1 a partir

de dados referentes ao efeito da política executada em t-1.

E esse exercício hipotético é ainda bastante otimista. A nossa principal estatística oficial, em termos de abrangência de temas e desagregação até no nível municipal, o Censo do IBGE, ocorre a cada 10 anos, como comentado acima. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), também do IBGE, fonte de informações sobre renda das famílias, condições dos domicílios, educação, trabalho, dentre outras, é realizada anualmente, porém com grau de desagregação espacial limitada aos estados e algumas regiões metropolitanas, incluindo recortes urbano e rural. Além disso, a PNAD inicia a coleta de dados em setembro de um ano e publica os resultados em setembro do ano seguinte.25 Comentários semelhantes poderiam ser feitos sobre informações de Produto Interno Bruto (PIB) e também, embora em menor grau de defasagem, sobre informações de saúde, muito dependentes de registros administrativos dos entes sub-nacionais, e aquelas envolvendo avaliações de desempenho como SAEB ou coleta censitária como o Censo Escolar, sob responsabilidade do INEP.

24

Esse raciocínio é válido ainda que não tenha havido uma política pública ativa no ano t-1.

25 A PNAD está passando por um processo de informatização, para aplicação dos

questionários com o uso de Personal Digital Assistant (PDA), o nome genérico dos Palm Tops, e deve gerar as informações em prazo bastante menor nos próximos anos.

Diante dessas dificuldades, os avaliadores e planejadores utilizam algumas alternativas como proxys dos indicadores de resultados, a substituição de resultados por produtos e as projeções, segundo modelos econométricos, de séries temporais, etc. Em todos esses casos, cabe destacar, torna-se essencial o profundo conhecimento conceitual da dimensão social de interesse e da cadeia de causalidade “esforços→produtos→resultados”.

Com vistas a concluir esse capítulo, é importante reforçar que um modelo de Gestão por Resultados implica, tendo em vista os mecanismos de coordenação discutidos, a formulação clara de objetivos e sua tradução em resultados em todos os momentos em que se toma decisão, inclusive na definição dos projetos e das formas como sua implantação será avaliada. No segundo momento, ou seja, na implementação das políticas públicas, o modelo implica a supremacia ou predominância de mecanismos de coordenação por resultados sobre outros mecanismos, como supervisão direta, padronização de processos e de habilidades.

Assim, uma vez que o modelo prescreve o aumento da flexibilidade e a autonomia dos gestores sobre os meios, recursos e processos, estabelecendo controles a posteriori, são essenciais instrumentos de contratualização entre

coordenadores e gestores das políticas públicas, por meio dos quais são definidos: 1) os resultados a serem alcançados, traduzidos em indicadores e metas claras; 2) a flexibilidade ou as autonomias concedidas aos gestores e; 3) as sanções, positivas e negativas, que serão aplicados quando da avaliação do alcance dos resultados.

Nos próximos dois capítulos, iremos apresentar e discutir o caso do “Choque de Gestão” de Minas Gerais, de forma a ilustrar a abordagem teórica até aqui elaborada. Ele é apontado como um modelo de implementação da agenda da Nova Gestão Pública, particularmente referente ao modelo de Gestão por Resultados. Assim, iremos analisá-lo procurando elucidar em que medida a experiência mineira satisfaz as exigências normativas do modelo e em que

medida isso levou à maior eficiência econômica, que é uma relação causal subjacente ao receituário da Nova Gestão Pública.