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1 Políticas públicas: conceitos básicos

3.4 O Ciclo da Política como uma ferramenta analítica

Como foi visto na seção anterior, existe uma variedade significativa de conceitos sobre análise de políticas públicas. Essa diversidade também pode ser encontrada no que diz respeito aos insumos analíticos (ou ‘ferramentas analíticas’) 51 que são utilizados. Uma das ferramentas analíticas mais comuns encontradas na literatura é a da decomposição da política pública em fases ou etapas (daqui em diante momentos), ao longo do Ciclo da Política. Aqui o termo momento por representar um sentido mas condizente com a nossa noção de processo de elaboração de política será utilizado em substituição aos termos etapas ou fases que são utilizados pelos autores pesquisados.

No plano analítico ou teórico, a decomposição de uma política através de um ‘ciclo’ composto por momentos aparece na literatura ora como um processo que representa ‘a vida real’ de uma política pública, ora como um recorte analítico que idealiza ‘a vida’ de uma política (visão defendida nesta Tese).

Ambas as perspectivas foram fortemente desenvolvidas na literatura que abarca os estudos das políticas enquanto unidade de análise e foram destacadas por Trabada (2003). Segundo ele a decomposição da política em fases ou etapas pode ser vista a partir de duas vertentes. A primeira denominada de visão clássica do Ciclo da Política, e também conhecida como Modelo Seqüencial, vislumbra que uma política é construída em um ciclo seqüencial e linear através de etapas (momentos) que ocorrem sucessivamente e que de fato acontece uma após a outra dentro de

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Uma das ferramentas analíticas para entender o processo de elaboração de uma política pública, foi proposta por Theodore Lowi. Cf. Trabada (2003), Pérez Sánchez (2005), Roth Deubel (2006a).

funcionamento dinâmico do sistema político52.

Segundo Trabada (2003, p.69) os autores que comungam dessa vertente teórica são Meny e Thoening, Dye e Anderson e destacam que o processo de elaboração de política é realizado através de fases (momentos) que ocorrem de maneira sucessiva, seqüencialmente organizadas e racionais e que são denominadas de forma geral de “identificación, formulación, decisión, implementación, evaluación y terminación”.

No segundo sentindo a decomposição da política é entendida como uma ferramenta de análise e utilizada para compreensão do processo de elaboração de uma política pública. Em relação à decomposição para a análise, Trabada (2003) afirma que essa perspectiva é uma crítica a visão seqüencial clássica da elaboração de uma política pública e essa perspectiva é defendida por Lindblon, Hogwood e Gun, Wildavsky, e Woodhouse. Trabada (2003, p.69) ainda afirma que conceber os momentos de uma política de maneira seqüencial e racional é pouco realista e, em sendo assim, deveriam servir apenas como um modelo normativo que permita analisar uma política e “codificar y contar la confusa, circular, contracditória y conflictiva historia de una política.”

Nesse sentido, o Ciclo da Política é propriamente um dispositivo analítico para o estudo de uma dada política, intelectualmente construído, para fins de modelação, ordenamento, explicação e prescrição do policy-making (processos pelos quais as políticas são produzidas) aqui traduzido para ‘processo de elaboração de política’. Como tal pertence a uma ordem mais lógica do que uma ordem cronológica.

Vale assinalar que o modelo heurístico do policy cycle é um tipo puro idealizador do processo político, na prática dificilmente este se dá de pleno acordo com o modelo. Porém, o fato de os processos políticos reais não corresponderem ao modelo teórico não indica necessariamente que o modelo seja inadequado para a explicação desses processos (FREY, 2000, p.226).

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Para Trabada (2003, p.69), esse funcionamento corresponde à visão funcionalista clásica de “Almond e Powell (1978) que estabelece una visión sequencial de las políticas como un proceso que arranca en una demanda social articulada y agregada por los intereses de los diversos actores. Dicha demanda es respondida por una decisón política que formula una política concreta, que a su vez causa un conjunto de actuaciones administrativas y uso de los poderes públicos y finalmente deviene en la obtención de unos determinados outputs y outcomes”.

Separar uma política em momentos de elaboração é algo artificial que pode levar a um desvio de entendimento acerca do próprio processo uma vez que se pode dar a impressão de que se deve proceder etapa a etapa e que não é possível avançar para a próxima antes que se tenha vencido a etapa anterior. Uma separação analítica, no entanto, não deve ser confundida com uma separação real, uma seqüência cronológica. Em outras palavras, a distinção dos momentos de uma política não deve ser confundida com uma divisão que efetivamente aconteceria na realidade ou em uma seqüência temporal bem definida, porque aqui não se entende a representação descritiva de uma seqüência de tempos e fatos que efetivamente sucedem um após o outro.

Partindo desse pressuposto, como elemento metodológico essencial, é necessário conceber a política pública como um processo contínuo e dinâmico, que para efeito de análise é composta por diversos momentos. No que tange a análise desse processo é importante ressaltar que cada momento possui seus atores, restrições, decisões, desenvolvimento e resultados próprios, que influi nos demais e são afetadas pelo que acontece nos outros. Esses momentos denotam os componentes logicamente necessários e interdependentes de toda política, integrados como um processo e de nenhuma maneira eventos sucessivos e realmente separáveis. Na prática, os momentos podem sobrepor-se uns aos outros, antecipar-se ou atrasar-se ou até mesmo repetir-se.

Independentemente, de qual vertente os autores pertencem, na literatura pesquisada pode-se observar que existem diversos cortes analíticos, configurações ou terminológicos que visam descrever as etapas (momentos) do processo de elaboração de política públicas. Um desses modelos pode ser visto em Lindblom (1981).

Como procedimento de análise para o entendimento do processo de elaboração de políticas Lindblom (1981) propõe a sua separação no que considera seus componentes fundamentais. Disto resulta sua sugestão de que os seguintes momentos sejam observados: a) os diferentes problemas e reclamação, sociais ou de governo, chegam ao processo decisório e convertem-se em temas da agenda de

política dos dirigentes; b) as pessoas ou atores concretamente envolvidos com o processo concebem, ou descrevem estes temas objeto da ação governamental; c) planejam-se a ação futura, os riscos e potencialidades envolvidas, as alternativas,- objetivos previstos e os resultados esperados; d) os administradores aplicam (implementam) a política formulada; e) uma determinada política pode ser avaliada, o que pressupõe a construção de metodologias específicas para este tipo de exame.

Esses cinco momentos apresentados por Lindblom (1981) são desdobrados por Hogwood e Gun (1984) em noves momentos que constituem uma política pública, são eles: escolha de assuntos para a definição da agenda, filtragem de assuntos (ou decidir como decidir), definição ou processamento do assunto, prospecção ou estudos dos desdobramentos futuros relativos ao assunto, definição de objetivos (resultados e prioridades da política), análise de opções ou alternativas para cursos de ação, implementação da política (incluindo seu monitoramento e controle), avaliação e revisão da política, manutenção, sucessão ou encerramento da política.

Dror (1983) propõe que todas as dezessete fases do processo de elaboração de política propostas por ele sejam apoiadas e interligadas por uma forte trama de comunicação e retroalimentação. Nessa acepção, os momentos para um policy making ótimo indicados por ele pode ser resumidos em: A - Meta Policy making (análise de valores sociais e de atores envolvidos; análise da realidade onde se pretende atuar; processamento de problemas; desenvolvimento de recursos; montagem do sistema de formulação de políticas; alocação e definição de problemas, valores e recursos; determinação da estratégia); B - Policy making (alocação de recursos; estabelecimento de metas operacionais; estabelecimento de priorização de valores; preparação de um conjunto de alternativas; análise de custos e benefícios futuros; identificação dos melhores resultados por alternativa; avaliação de custos e benefícios das melhores alternativas); C- Post Policy making (incentivo à implementação da política; execução da política; avaliação da formulação de Política).

Em Conde Bonfil (1998), pode se encontrar o modelo de elaboração de política proposto por Medina e Mejia que estabelecem uma decomposição similar a indicada por Anderson (in Trabada, 2003). Porém a nomenclatura dos momentos se

difere um pouco, são eles: gestação, formulação, decisão, implementação e avaliação dos resultados da política.

Canto Chac (1995) propõe de maneira mais geral os momentos da política que podem ser visualizadas da seguinte forma: agenda, análise de alternativas, decisão, implementação e avaliação. No entanto, segundo esse mesmo autor, cada momento também pode ser dividido em dimensões menores. Com isso é possível uma melhor definição a respeito do que esta sendo estudado.

Frey (2000, p.226) destaca que o policy cycle parte do pressuposto de que o ‘agir público’ para a resolução de problemas é dividido em momentos parciais que correspondem a uma seqüência de elementos que podem ser examinadas no que diz “respeito às constelações de poder, às redes políticas e sociais e ás práticas político-administrativas que se encontram tipicamente em cada fase.” Deste modo, a decomposição de uma política é uma ferramenta útil pois permite vê-la por meio de uma análise processual e isso

[...] se deve ao fato de atribuir funções específicas ás diversas fases do processo político-administrativo, obtemos – mediante a comparação dos processos reais com o tipo puro – pontos de referência que nos fornecem pistas ás possíveis causas dos déficits do processo de resolução de problema (FREY, 2000, p.229).

Em relação aos momentos que compõe uma política, esse autor afirma que, em geral todos os modelos de Ciclo da Política apresentados, mesmo que sejam aparentemente diferentes, a decompõem em: formulação, implementação e avaliação. No entanto, sinaliza que para efeito de análise é pertinente uma subdivisão nas seguintes dimensões: formulação (percepção e definição de problemas, agenda- setting, elaboração de programas e decisão), implementação, avaliação e a eventual correção da ação.

Souza (2003, 2005, 2006) também destaca que o estudo feito através do modelo do Ciclo da Política pode ser promitente para a análise e compreensão de uma política pública. Os momentos que constitui uma política pública são: formulação (agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções), implementação e avaliação. Para ela, “esta tipologia vê a política pública como um

ciclo deliberativo, formado por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado (SOUZA, 2006, p.29)”.

A autora, ainda destaca que a subdivisão que caracteriza o momento de formulação pode gerar análises muito focadas no momento da definição de agenda (por que algumas questões entram na agenda política, enquanto outras são ignoradas). Isso porque, “algumas vertentes do Ciclo da Política focalizam mais os participantes do processo decisório, e outras, o processo de formulação da política pública (SOUZA, 2006, p.29)”. Deste modo, a análise da política pode ser comprometida por não atentar para toda a ação deliberativa do processo de elaboração, no qual cada participante e cada momento pode atuar como um incentivo ou como oposição a própria política.

Roth Deubel (2003, 2006a, 2006b) também destaca os momentos da política pública, assinalando que a mesma se desenvolve em um processo cíclico e reiterativo denominado de Ciclo da Política. Para esse autor, o Ciclo da Política proporciona a decomposição da política pública em cinco momentos assim denominados: identificação do problema, formulação de soluções, tomada de decisão, implementação e avaliação. Ele faz questão de demarcar que os momentos da política, não ocorrem de maneira tão ordenada e seqüencial quanto possa parecer. De fato a idéia de encadeamento de fatos que se sucedem é uma “representación clásica, ideal y racional de la actividad política“ e não condiz com a realidade.

Mesmo tendo consciência de tal realidade e de suas limitações, o autor destaca a vantagem de usar o policy cycle e sua decomposição para o entendimento do processo de elaboração de uma política pública, pois proporciona a delimitação do objeto a ser estudado. Nesse sentido, Roth Deubel (2006, p.49) afirma que:

Esta clave de lectura tiene la ventaja (y la desventaja) de presentar la política pública como una sucesión de secuencias que corresponden a la representación clásica, ideal y racional de la actividad política con sus distintos ensenários y actores. Además, el modelo, es suficientemente general como para permitir su utilización para cualquier política pública e facilita la delimitación del objeto de análisis. Debido a estas cualidades es frecuente que los mismos actores de las políticas públicas utilicen el

Todos os autores chamam a atenção para a existência de limitações ao processo de elaboração integral de uma política. Entre elas, são enfatizadas restrições como o tempo decorrido entre a decisão, a formulação e a verificação dos resultados obtidos; subordinação da avaliação à obtenção de informação qualificada e em tempo oportuno; e a preponderância de valores e diferenças de visão política no decorrer dos processos. Além disso, haveria que considerar outras notadamente importantes caso as políticas sejam geradas e implantadas em um ambiente marcado por uma grande desigualdade de poder e de capacidade de influência e de controle de cursos entre os diversos atores sociais. Isso por si só aponta para a dificuldade de adotar rigorosamente as proposições feitas pelos autores.

Independente dos diversos recortes ou terminologias e das possíveis dificuldades em utilizar o Ciclo da Política como ferramenta analítica, há uma conformidade entre os estudiosos no que diz respeito aos ‘componentes’ necessários e inter-relacionados que estão presentes em toda política pública. São eles: a existência de uma determinada situação para cuja modificação em um sentido desejado se elege e efetua um determinado curso de ação que produzem certos resultados mais ou menos diferentes daqueles desejados e, como conseqüência se é obrigado a revisar o curso da ação que foi eleito. Em outras palavras, de maneira geral, no que diz respeito à elaboração das políticas, pode-se afirmar que ela se inicia em um determinado momento, quando um assunto se transforma em uma questão problemática socialmente. Ou seja, quando o poder público ao ‘perceber’ a necessidade de tomar posição a respeito de um determinado assunto implementa ações que visam resolver- lo.

É importante destacar, que em relação à decomposição de uma política pública em momentos, é possível identificar situações reais onde ocorrem os três momentos do Ciclo da Política: formulação, implementação e avaliação. Ainda que isso não ocorra, de forma predominante, é, interessante para analisar as políticas referi-las a esses três momentos do ciclo. Mais do que isso, para conceber um esquema analítico-conceitual que permita o estudo de uma política pública, é

conveniente a adoção de um modelo (ideal) do processo de elaboração de políticas púbicas, baseado numa idéia de um ciclo que de política que integre estes três momentos.

Por fim, tomando como alicerce as várias possibilidades da decomposição da política feita pelos atores as seções que se seguem contemplam os três momentos consecutivamente: formulação (processo pelo qual as opções por políticas são desenvolvidas dentro do governo); implementação (processo pelo qual os governos põem as políticas em execução) e avaliação (processos pelos quais os resultados das políticas são monitorados pelos atores políticos e pelos cidadãos).

Para melhor visualização acerca dos momentos que compõe o processo de elaboração das políticas e que servem como recorte analítico para a análise de uma política pública, segue abaixo o Quadro 3. Nele é possível observar a diversidade da categorização feitas pelos autores pesquisados. Ora os autores fazem uma classificação mais geral, ora eles detalham cada momento na tentativa de demonstrar o ‘movimento’ pelo qual uma política pública passa em seu processo de elaboração.

Quadro 3 - Momentos do processo de elaboração e análise de política

Autor Momentos

Lasswell (1971)

Inteligencia, promcoión, prescrición, invocación, aprlicació, términación, evaluación (apud, DeLEON, 1997)

May e Wildavvsky

(1977)

Fixação da agenda, análise da questão, implementação, avaliação, termino (apud AGUILAR VILLANUVA, 1996c)

Dror (1983)

A – Meta Policy making (análise de valores sociais e de atores envolvidos; análise da realidade onde se pretende atuar; processamento de problemas; desenvolvimento de recursos; montagem do sistema de formulação de políticas; alocação e definição de problemas, valores e recursos; determinação da estratégia); B - Policy making (alocação de recursos; estabelecimento de metas operacionais; estabelecimento de priorização de valores; preparação de um conjunto de alternativas; análise de custos e benefícios futuros; identificação dos melhores resultados por alternativa; avaliação de custos e benefícios das melhores alternativas); C - Post Policy making (incentivo à implementação da política; execução da política; avaliação da formulação de política).

Hogwood e Gunn (1984)

Estabelecimento da agenda (busca da questão), filtramento da questão, definição da questão, prognóstico, definição de objetivos, análise das opções, implementação, monitoramento e controle da política; avaliação; manutenção ou cancelamento da política.

Anderson (1984)

Identificação da agenda, formulação, adoção, implementação e avaliação (apud TRABADA, 2003)

Kigdon (1984)

Agenda, alternativas, escolha, implementação (apud VIANA, 1996) Medina e

Mejia (1993)

Gestação, formulação, decisão implementação e avaliação dos resultados (apud, CONDE BONFIL, 1998)

Canto Chac (1995)

Gestação (agenda, análise, alternativa); decisão (preferências do decisor, regras e procedimentos); implementação (preferências dos agentes, jogos de poder organizacional); avaliação (valoração e jogos de poder)

Frey (2000)

Percepção e definição de problemas, agenda-setting, elaboração de programas e decisão, implementação, avaliação e a eventual correção da ação.

Roth Deubel (2003, 2006a)

Identificação do problema, formulação de soluções, tomada de decisão, implementação e avaliação