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O clichê como sintoma do mal-estar social

No documento O melodrama fantasma de Christian Petzold (páginas 33-57)

CAPÍTULO 1: UM TRÂNSITO EMOTIVO DE ESPECTROS

1.2 O clichê como sintoma do mal-estar social

Antes de proceder para uma análise mais detida em relação à abordagem de Petzold em relação a alguns elementos narrativos do melodrama, é preciso lembrar qual o contexto histórico em que seus filmes se situam. À exceção de Phoenix, que se passa no pós-Guerra dos anos 40, e Barbara, que se passa na Alemanha Oriental no período da Guerra Fria, toda a filmografia do realizador é situada no período após a Reunificação da Alemanha e a transição para uma economia neoliberal. Esse retrato da Alemanha contemporânea, no entanto, não aponta apenas para o modus operandi dessa nova configuração econômica, mas também para o que o realizador chama de tremores (Nachbeben) do passado no presente, as consequências das

39 "...não se trata de pessoas escondendo algo, e sim de como elas se tornam econômicas". SIEMES, Christof;

NICODEMUS, Katja; PETZOLD, Christian. “‘Arm filmt gut Das gefällt mir nicht’: Ein Gespräch mit Christian Petzold.” Interview. Die Zeit, Jaunary 9, 2009. Disponível em: <https://www.zeit.de/2009/03/Christian-Petzold>

escolhas políticas no período da Guerra Fria. Após a construção do Muro de Berlim em 1958, fruto dos conflitos entre ocupações norte-americanas e soviéticas, o país viu diversos eventos tensos desde inúmeras tentativas de fuga de uma parte do país para outra e atentados de grupos de extrema-esquerda como a Fração do Exército Vermelho, que se opunham à ordem capitalista do lado ocidental. Esse desenvolvimento econômico em torno do grande capital crescia a cada vez mais, antecipando as políticas de austeridade que se consolidariam na década de 1990, enquanto na Alemanha Oriental um sistema coletivista baseado no trabalho se mantinha sob forte vigilância, em órgãos públicos que atuavam para a comunidade e também em campos de trabalho forçado que puniam opositores do regime. Esses diversos fatores socio-econômicos moldaram a consciência alemã durante décadas e se mantiveram até a contemporaneidade, após a Reunificação. Se, conforme afirmou Benjamin, a história não segue um continuum, mas constrói um presente a partir dos diversos passados40, a ideia do cinema de Petzold é dramatizar o mal-estar desses processos históricos.

Há uma cena em Pilotinnen que mostra de maneira exemplar como no cinema de Petzold o pathos melodramático está diretamente correlacionado com as condições socioeconômicas vividas por seus personagens. A protagonista Karin (Eleonore Weisgerber) é revendedora de cosméticos e adquire um kit de spray de pimenta para garantir sua segurança trabalhando sozinha na estrada. Para garantir que ela realize um número determinado de vendas, seu patrão coloca sua namorada Sophie (Nadeshda Brennicke) como assistente de Karin. Em uma dentre diversas brigas entre ambas, as corretoras discutem no carro e Sophie joga com raiva sua bolsa contra o porta-malas, onde sua colega guardava o spray de pimenta. O impacto da bolsa ativa o spray de pimenta, que joga um gás irritante em ambas. Elas começam a tossir e tiram o carro da pista. Bastante irritadas e às lágrimas, ambas se lavam em uma fonte que encontram (Figura 25).

Figura 25: as “lágrimas provocadas” em Pilotinnen

Seja no caso de Pilotinnen, onde as lágrimas são uma consequência de uma interação com um produto condicionado à insegurança do trabalho e não dos sentimentos, seja em melodramas como Wolfsburg, onde o choro é resposta à perda do filho e se converte em um elemento dramático que demanda a empatia do espectador, a emoção já não surge apenas como uma crise interna diante das escolhas morais oferecidas pelo mundo, mas também como um sintoma da inadequação ao estado das coisas da sociedade alemã contemporânea e à incomunicabilidade dos sujeitos nesse contexto. Melhor dizendo, em termos melodramáticos, o pathos, que mobiliza as emoções do espectador diante do cenário dramático apresentado é reconfigurado, as pressões internas dos personagens sendo sintomas das problemáticas sociais exteriores a eles, uma vez que a economia de uma sociedade de mercado neoliberal implica o estado de negociação constante de espaços, bens e relações.

Para melhor compreensão dessa reestruturação econômica do pathos melodramático, se faz necessário um olhar mais detido nas chamadas situações-clichê, a partir das quais o melodrama expressa sua força emocional e convida o espectador a uma partilha afetiva com os personagens. Jean-Loup Bourget (1985) em sua análise do melodrama hollywoodiano, enumera as seguintes situações apresentadas como empecilhos à felicidade dos personagens, que são superados aos poucos à medida que as ações do filme progridem: segredo e confissão; enfermidade e cegueira; identidade problemática e bastardia; diferença de idade; catástrofes humanas e naturais; e acidentes41. De uma maneira ou outra, todos esses elementos narrativos estão presentes nos filmes do corpus aqui apresentado. É possível encontrá-los atravessando-se uns aos outros e ainda a outras dimensões do melodrama como as questões de gênero, os temas das classes sociais, da família e da maternidade. No entanto, como veremos a seguir, tais situações-clichê não se constituem como elementos passíveis de superação nos filmes de Petzold, mas como sintomas das crises vividas pelos sujeitos dos tempos retratados.

Em Wolfsburg a dimensão moral que constituiu o gênero em sua forma mais canônica se faz presente de uma forma mais explícita que nos outros filmes de Petzold através do clichê do segredo. O filme narra a história de Phillip (Benno Fürmann) e Laura (Nina Hoss), cujo encontro se dá pela circunstância trágica do filho dela. No começo do filme, Phillip, um vendedor de carros, se encontra em meio a uma briga por celular com Katja (Antje Westermann), sua namorada e, por uma distração, atropela um menino que andava de bicicleta na estrada. Phillip foge do local do acidente logo em seguida. Atormentado pela culpa, ele se

dirige ao hospital onde o garoto está internado e encontra Laura arrasada. Ele a conhece e, prestes a contar-lhe a verdade, se dá conta de que o garoto ainda está vivo. Nisso, sua culpa é aliviada e ele viaja de férias com sua mulher para Cuba. A recuperação da criança, no entanto, é interrompida, e ela acaba morrendo. Ao retornar da viagem, Phillip encontra um memorial para a criança no lugar onde ele a atropelou. Atormentado pelo que fez, ele se envolve aos poucos com a mãe do menino e busca compensá-la com pequenos favores e depois com uma vaga de emprego na empresa onde trabalha, sem, no entanto, conseguir contar a verdade a ela. Assim, o envolvimento amoroso dado como lugar de liberdade e conquista da virtude na forma clássica do melodrama, aqui é mostrado como um jogo de exploração econômica em paralelo a uma responsabilidade denegada e um segredo que não pode ser confessado.

O que para Bourget é um componente do inconsciente dos personagens, relativo ao seu passado, sendo geralmente retomado a partir de um flashback42, aqui é a substância latente da trama do filme e a motivação de todas as ações de Phillip, bem como de seu envolvimento afetivo com Laura. Esse segredo e a maneira como o protagonista escolhe escondê-lo em vez de assumir a responsabilidade traz à tona a configuração moral da narrativa: de um lado há o desejo de redenção de Phillip, que ele busca ao compensar Laura pela perda e de outro há o desejo dela por justiça pela morte de seu filho. A redenção do protagonista não pode se dar nos termos convencionais de gênero com a verdade sendo dita e o cenário sendo apaziguado, em seu lugar se dá um jogo de negação. Por outro lado, há aqui mais do que em qualquer outro filme de Petzold a presença da vitória da vilania pela virtude, tema fundante do melodrama. Embora Phillip tenha escondido todos os indícios do acidente, o filho de Laura contou para ela que o carro era um Ford vermelho. Tendo uma perspectiva de recomeço, Laura dorme com Phillip à beira da praia e volta para o carro para pegar bebidas. Ela então vê que Ford não se tratava do modelo do carro, mas do número de sua placa FO-RD 189 e descobre que o para- choque do carro onde havia sinal do atropelamento foi removida.

No carro, no caminho de volta, ao lado de Phillip, ela revela a ele saber da verdade "foi você". Ele não retruca, aceitando as consequências de seus atos. Ela então o esfaqueia na barriga, fazendo-o sair da estrada e capotar o carro. Após o acidente, ela está segura fora do carro enquanto ele está preso em meio às ferragens. Ela então pede uma ambulância por telefone, prestando o socorro que ele recusou ao seu filho. Há aqui a justiça contra o criminoso,

mas não há final feliz. Laura vai embora andando no meio do nada e assim o filme se encerra, de maneira anticlimática (Figuras 26-34).

Figuras 26-34: Wolfsburg: Segredo desmascarado e vingança moral

Assim, a catástrofe humana, que toma forma no acidente não é uma mera tragédia que impede a felicidade dos personagens, mas o meio pelo qual se revelam a virtude e a vilania, o

crime e a vingança e a impossibilidade do amor e da família, revelando uma outra leitura para o melodrama onde as configurações afetivas familiares já não podem existir mais, bem como um final feliz para elas. Essa tentativa de redenção através de boas ações que visam compensar o dano causado a outra pessoa é também o elemento principal da trama de Sublime Obsessão (Douglas Sirk, 1954). Na trama, o playboy Bob Merrick provoca um acidente que mata um médico muito amado na cidade. Ele busca o perdão de Helen, esposa do falecido, por quem acaba muito se apaixonando, mas ela se recusa a perdoá-lo e numa das tentativas de se esquivar dele, acaba sendo atropelada por um táxi e perdendo a visão. Visando reparar seus erros, Bob estuda medicina durante muitos anos para um dia poder operar Helen e assim fazê-la enxergar novamente, ao mesmo tempo em que se aproxima dela e a envolve numa relação (Figura 35).

Se no filme de Sirk, embora no tom irônico típico do diretor, é possível uma conciliação com a vítima dos erros do passado e a felicidade no amor, em Wolfsburg, no entanto, a relação amorosa, que se buscou conquistar pela via da compensação econômica, falha e mostra a diferença de atitude dos dois, refletida em suas classes sociais, diante dos acidentes: a falta de empatia do pequeno-burguês e a solidariedade, ainda que vingativa, da proletária.

Figura 35: a tentativa de redenção em Sublime Obsessão

O segredo e a confissão também são presentes, de forma mais atenuada em The Sex Thief, onde Petra (Constanze Engelbrecht) mente sobre a maneira como consegue o dinheiro para sustentar os estudos de sua irmã, Franziska (Nele Mueller-Stöfen) que, por sua vez, finge ter o emprego ideal para mascarar a realidade do emprego precarizado de anunciante numa loja de departamentos. Após descoberta a farsa, ambas confessam suas narrativas de vida, uma irmã vive com o trabalho precarizado, enquanto a outra vive de golpes que aplica em homens que seduz para roubar depois. Buscando conseguir um novo emprego, Franziska se submete a uma rotina de entrevistas de emprego e, após se ver num universo rodeado de assédio e impossibilidade de se estabelecer economicamente, passa a aplicar os golpes que sua irmã a ensina para seduzir homens e depois roubá-los. Tal como em A Ponte de Waterloo (Mervyn LeRoy, 1940), a natureza da sobrevivência financeira da protagonista, bem como as atividades

sexuais que ela envolve, é algo mantido em sigilo e só depois confessada. Mas enquanto no filme de LeRoy se trata da prostituição com a qual Myra se envolve após a suposta morte de seu namorado Roy na guerra, um fato irreconciliável que após ser confessado termina por fazer com que a protagonista cometa suicídio, a revelação dos segredos das irmãs em The Sex Thief é o caminho para uma tomada de consciência da situação financeira das duas, bem como da solução criminosa que encontram para manter o lar, e que as une em cumplicidade.

A situação da identidade problemática é a base da narrativa de Phoenix, onde a protagonista Nelly, judia sobrevivente do holocausto, recebe a proposta de seu marido, que não a reconhece e pede que ela se passe pela sua esposa, que crê estar morta, para conseguir o dinheiro que ela herdou dos parentes mortos. O jogo estabelecido pelo não-reconhecimento da verdadeira identidade dessa mulher questiona a própria natureza do melodrama e das relações de poder implicadas na Alemanha pós-Guerra, como será melhor visto no terceiro capítulo. Essa questão de identidade atravessa a trama de Fantasmas, onde o tema da descoberta da filha perdida é resgatado, no entanto significando a impossibilidade desse reencontro como o melodrama tradicional propunha nos termos de uma redenção.

Por outro lado, esse tema da identidade, que é trabalhado em Phoenix a partir do contexto que obriga a personagem a se passar por outra pessoa de modo a alcançar o que deseja, é replicado em Em Trânsito a partir do charlatanismo de seu protagonista. Em meio à ocupação fascista na França, Georg precisa entregar algumas cartas para um escritor chamado Franz Weidel, mas ao descobrir que ele se suicidou e ver Paris cercada foge para Marselha. Lá, vai até ao consulado mexicano com os papéis do escritor e, ao tentar explicar a situação, é tido pelo próprio e recebe documentos dele, junto com algum dinheiro. Passando fome e totalmente sem perspectivas, Georg aceita e começa a se passar por Weidel. No entanto, mais pra frente se apaixona por Marie, que revela ser esposa do escritor morto e que espera pelo retorno dele, acreditando ter sido abandonada. A complicação moral que já se fazia presente em Wolfsburg com o protagonista que tem conhecimento das circunstâncias da morte de um ente querido da mulher com quem começa a se envolver retorna em Em Trânsito, porém nesse caso Georg se vê impossibilitado de confessar o que sabe, se vendo preso em uma encruzilhada ao mesmo tempo política, moral e afetiva.

Fantasmas traz em paralelo a situação da enfermidade e a da diferença de idade. De um lado da narrativa tem Françoise, uma mulher de meia-idade sai de uma clínica onde estava internada por uma doença não especificada, se física ou psicológica. Mas o estado de adoecimento se estende para a melancolia implicada na perda de sua filha, a qual nutre

esperanças de encontrar, se frustrando repetidamente. A idade avançada, marcada pelo cansaço físico que acompanha a condição de morte vivida por Françoise, é o ponto de convencimento para a maternidade que ela performa para Nina, tal como fez para outras meninas. A diferença de idade se mostra também entre Nina e Toni, no processo de amadurecimento da jovem. Ao fim do filme, a protagonista é impedida de ser filha e amante, restando vagar pelo mesmo parque que trabalhou como lixeira como se fosse um fantasma.

Em todos esses filmes, é possível notar pontos de convergência para além dessas situações-clichê. Um ponto crucial para se compreender o caráter econômico dos melodramas de Petzold é a questão do dinheiro e das classes sociais. Bourget observa no melodrama o retrato da sociedade como uma imagem hierarquizada em classes, cujas tensões seriam fonte dos conflitos entre os personagens e o meio pelo qual se acionaria o pathos, enfatizando a oposição entre riqueza e pobreza e a mobilidade social entre essas classes, seja na ascensão ou na queda. Nisso, o melodrama favoreceria os personagens vítimas das classes mais baixas, ao mesmo tempo em que se utilizaria de estratégias plásticas que abrilhantariam o refinamento das classes altas. Para o autor, a representação da sociedade europeia no melodrama expõe uma estrutura de classes mais fixa, diferentemente da norte-americana, onde predominaria a ideia de uma "sociedade sem classes", baseada na iniciativa individual e na solidariedade social. Nesses filmes, o sistema social da Europa mostra-se um modelo econômico onde é muito difícil ou impossível transitar entre as classes43.

Fisher observa que Petzold herda de Fassbinder o tema da exploração econômica e emocional mútua, essa se dando frequentemente no campo das fantasias dos personagens44. As relações afetivas nos filmes de Petzold são rodeados por utopias pessoais que implicam em repercussões políticas e resultam numa alienação dos personagens, que vivem suas vidas sem desassociar a esfera do sonho da realidade, evidenciando seu caráter espectral. Tal como Fassbinder, o diretor apresenta as relações afetivas como indissociáveis das relações de classe, de modo que o que os personagens de seus filmes buscam, acima de um ideal romântico do amor ou da realização pessoal, vantagens econômicas para sobreviverem em contextos de austeridade e escassez.

Nos filmes de Petzold, essa estrutura de classes e a desigualdade social implicada nela são reconfigurados pela lógica neoliberal que atravessa a maioria de suas narrativas onde, como

43 Ibid. p. 65-69 44 FISHER, 2013, p. 94

afirma Fisher (2013), os indivíduos buscam refazer-se a partir do ajuste de atividades econômicas, bem como de seus desejos e fantasias, para se adaptarem ao contexto socioeconômico. Ele chama esse movimento de "refuncionalização econômica" e observa que ele se dá a partir das mudanças agenciadas pelas novas relações de trabalho e de mobilidade promovidos pela implantação do sistema neoliberal na Alemanha. Essa nova configuração da economia, através da qual se deu a privatização das instituições anteriormente públicas e da desregulamentação dos mercados, trouxe consequências como uma explosão de dívidas e a "flexibilização" do trabalho, pela qual se perde aquilo que é assegurado na esfera pública, como a redução do risco de desemprego45.

Fisher observa que as condições de trabalho dos personagens de Petzold são apresentadas entre uma linha tênue entre a produtividade e a criminalidade, de modo que:

O trabalho e as condições econômicas prevalecentes influenciam e determinam a natureza dos desejos, sonhos e fantasias individuais – incluindo como a criminalidade expressa tal fantasia (FISHER, 2013, p. 27)

É possível observar esse tema da criminalidade em The Sex Thief e Wolfsburg como a desigualdade social e a esfera do trabalho culminam em atos criminosos. Em The Sex Thief, a impossibilidade das protagonistas de ter expressão no mercado de trabalho ou sequer uma profissão as leva a aplicar golpes em que seduzem homens ricos e os dopam assim que chegam no quarto, frustrando o desejo sexual deles e roubando seu dinheiro e bens. Em Wolfsburg, os diferentes delitos dos protagonistas distinguem sua situação social, ao mesmo tempo em que cria uma ambiguidade moral entre a vítima e o algoz, que busca redenção através da negação de seu erro. No momento em que somos apresentados aos personagens pela primeira vez, testemunhamos Phillip atropelar o filho de Laura por acidente e fugir sem prestar socorro. Ela é vista através de uma câmera de vigilância jogando alguns produtos de um refrigerador no carrinho para furtá-los depois. A falta de cautela de Phillip ao provocar o acidente em meio à briga com Katja e a consequente fuga se revelam ao longo do filme como tentativas de se manter dentro do círculo pequeno-burguês da família de sua namorada, que inclui seu cunhado e patrão. O fato de ele ser um vendedor de carros também mostra que para ele importa mais manter seu meio vida e de transporte do que salvar uma vida em risco. Laura, por sua vez, furta alimentos para tentar dar ao seu filho aquilo que não consegue comprar com seu emprego precário, tomando então os bens de consumo do lugar onde trabalha para tentar trazer melhor qualidade de vida para seu lar. Nisso, o delito do privilegiado que tira a vida de outra pessoa mostra

claramente sua falha moral e sua incapacidade de assumir seus erros, enquanto no caso da proletária, o furto expõe uma condição de vítima no sentido econômico, e mais tarde também no âmbito familiar e afetivo.

A disparidade econômica dessas classes sociais é expressa fora dessa esfera criminal em Dreileben: algo melhor que a morte no tema convencionado desde a invenção do gênero melodrama do casal que não pode ficar junto devido às diferentes castas que ocupam na sociedade. No filme, Johannes (Jacob Matschenz), um jovem médico-residente, trabalha em um hospital na cidade de Dreileben sob a orientação de Dr. Dreier (Rainer Bock), cuja amizade com a mãe dele o garantiu o estágio. É revelado ao longo da trama que Sarah (Vijessna Ferkic), a filha de Dreier, teve um relacionamento com Johannes e que ele ainda tem sentimentos por

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