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O dançarino quando tomou a deliberação de seguir os passos certos - não referentes à dança, mas à sua vida profissional - tem que abdicar a tudo que lhe cerca, para ter como principal objetivo a sua própria carreira. Aliando perfeitamente suas etapas de labor às de sua vida propriamente dita, ele deve se organizar no sentido de que esta não lhe venha prejudicar a meta a ser alcançada. O dançarino tem que aprender a progredir cada vez mais, é certo, porém mais certo ainda será sua habilidade em se tornar extremamente sensível e, ao mesmo tempo, frio e irredutível. É que, ao dançarino profissional, cabe dominar o que lhe rodeia, não se deixando levar pelas oportunidades que aparecem subitamente. Necessário se faz que exista essa frieza nesses momentos e, com sua vontade firme, possa levar avante não apenas como ideia fixa, mas um ideal planejado prestes a ser realizado.

Sua preocupação deverá ser sempre constante. Os problemas devem ser resolvidos na medida em que aparecem. Os degraus a galgar devem ir diminuindo a cada avanço profissional. A sua disciplina cada vez mais firme e correta, principalmente os cuidados com o seu próprio corpo, instrumento do seu trabalho. A saúde, fator principal para poder seguir todo um planejamento. A atenção à crítica construtiva e o desprezo pela negativa. O desprendimento suficiente e a altivez oportuna. Toda uma série na escala de ascensão de sua carreira artística.

Uma memória apurada e bastante solicitada teria lugar preponderante num começo, meio e fim de carreira. A utilidade é de tamanha importância. No começo, para que nunca o futuro dançarino pudesse deixar de assimilar o ensinamento que lhe é ministrado. No meio, como aplicação e desenvolvimento; e no fim, para que se possa passar para outras gerações as experiências vividas e sofridas, amadas ou rejeitadas, mas que nem por isso deixaram de ser uma boa experiência.

Foge ao assunto enumerar todos os requisitos que são igualmente vivificantes para a continuidade sempre crescente e progressiva na vida de um dançarino; preferimos ficar com as principais, desenvolvê-las, aconselhá-las, para que com essas primeiras, outras mais detalhadas possam surgir.

A dança deve absorver o pensamento, fazendo-se necessário uma integração de estudos no que concerne à ciência, religião, ou tradição humanas, a fim de possibilitar um estudo mais completo e elaborado. A dedicação à dança pode ser comparada quase à de uma devoção. O espírito concentrado para dar ao físico uma expressão perfeita e harmoniosa,

numa lógica bem transmitida para ser bem assimilada. E tudo isso só poderá ser conseguido através da assimilação das concepções intrínsecas à meta final.

O físico do dançarino deve ser anatomicamente perfeito e proporcional. O homem, como a mulher, não pode exceder de peso. Os exercícios da dança não deixam naturalmente isso acontecer. Entretanto, se houver alguma exceção, que se tomem as medidas urgentemente imprescindíveis para que o mal não prossiga. A figura leve executa muito melhor os movimentos e é esteticamente a mais relevante. Mas quando nos referimos à leveza da figura, nos referimos também ao seu físico sadio e perfeito.

Todo o organismo deve estar numa preparação física quase acima do normal. A menor imperfeição já dificultaria qualquer trabalho de dança. A graça dos movimentos só aparecerá num corpo sadio, livre de problema de qualquer ordem. O autodomínio é imprescindível para a melhor concentração da mente, para que não venha a sofrer a influência de outros elementos, desfavorecendo assim a escala de trabalho.

Com todos esses pré-requisitos, o dançarino com sua habilidade, treinamento e muita paciência nos detalhes poderá concluir o que foi planejado anteriormente, mantendo-o ou elevando-o num nível bastante alto para iniciar tudo o que lhe cerca em favor de sua dança.

As técnicas exigidas são muito variadas, tanto com os membros superiores como com os membros inferiores; os exercícios deverão ser dados na mesma proporção aos lados esquerdo e direito, sem predominância alguma. Se houver, entretanto, uma necessidade, devido às dificuldades que surgem, de se utilizar mais um lado em alguns exercícios, o aceitaremos como um requisito para que uma situação se normalize e possa trazer igualdade de movimentos em pouco tempo, fazendo com que não tenhamos pesado mais um lado da balança. O equilíbrio deverá surgir de imediato, numa categoria de alto nível.

E como fazer exercícios normalmente? Uma hora é o tempo pedido para se executarem os exercícios no chão. Aumentando-se gradativamente, à medida que as dificuldades forem superadas, os dançarinos vão se acostumando de tal forma ao ritmo diário, que sentirão falta quando os mesmos exercícios não forem incluídos na prática.

Os exageros deverão ser evitados, os exercícios dosados e as apresentações em público são sempre de grande utilidade para aumentar o autodomínio, a confiança própria e também como grande estímulo para a progressão na carreira. Os fracassos deverão ser tomados como experiências e jamais como um ato de desânimo.

A perseverança, a autocrítica, uma grande imaginação e uma especulação permanente do belo são alguns dos pontos que fazem da dança uma arte tão rica e viva. O acúmulo de energias dará ao dançarino um depósito de forças, uma reserva que será usada

gradativamente. Uma espécie de sabedoria na aplicação da energia perdida e recuperada. Um impulso forte para que não se venha sentir, após os exercícios, cansaço ou fraqueza. Pelo contrário, quando se sabe recuperar rapidamente a energia perdida no final das aulas, a disposição física se fará notar claramente, talvez mais intensa ainda do que ao serem iniciados os mesmos exercícios.

É quando a respiração aparece como fator máximo. E quem não sabe usá-la em proporção com os movimentos enérgicos, não poderá também usar o seu próprio corpo para a apresentação de sua criação. A respiração bem medida, controlada e, principalmente, bem usada não deixará que o controle total do corpo seja perdido. Antes sim, dará mais energia para o prosseguimento dos exercícios e de suas funções.

Uma personalidade que não esteja bem formada, ou que venha acompanhada de problemas psíquicos ou de outra ordem, vai dificilmente se enquadrar nos moldes da educação da dança. Talvez haja até impossibilidade no caso, se não houver, através de treinamento, um autodomínio muito forte, capaz de superar essas mesmas dificuldades. E a persistência e a paciência deverão ser as qualidades indispensáveis às suas atividades a fim de complementarem o esquema de oposição a tão grande empecilho de trabalho.

Os nervos e músculos têm que ser disciplinados no mesmo sentido, para que não venham trazer estorvo à harmonia do trabalho. Não que tudo isso venha implicar num trabalho estandardizado para todos, mas que a base seja única e a maneira de adotá-la, a critério de cada um. O importante é que cada futuro dançarino saiba anular tudo que lhe seja prejudicial à carreira, estimulando as qualidades que vão aparecendo e rejeitando mesmo o que não aparentando deficiência, seja nocivo ao trabalho.

E só com muita concentração e relaxamento pode-se alcançar a meta tão sonhada. Não há ser humano que possa se firmar num bom trabalho sem o poder da concentração e sem o relaxamento consciente dos seus músculos. Na dança, como em qualquer outra atividade, a tensão dos músculos deve ser observada. E isso precisa ser verificado desde o início, para que os nervos não sejam afetados e, consequentemente, se transforme em hábito difícil de ser descartado. Os exercícios de concentração e relaxamento devem ser aplicados diariamente e a capacidade de cada um dos educandos em dança deve ir aumentando, dia a dia, em relação às atividades crescentes dos outros exercícios. De vital importância, a concentração não pode ficar um passo atrás de qualquer movimento. Isso só viria tirar mais da metade do valor do trabalho apresentado.

Aliás, se um corpo está bem educado pela mente, tudo se revestirá de grande facilidade em adquirir bons hábitos. Um exercício mal feito sempre traz grande

desapontamento, mas a insistência e a coragem de continuar até a correção dos erros que impediram o trabalho certo farão do aluno um ente apto para uma autoeducação que só poderá trazer grandes benefícios quando aliada à educação através de outrem.

Poderíamos dizer que deveria existir uma coordenação entre o ensinamento e o aprendizado. Isso porque se, como exemplo, déssemos a paciência por parte do aluno, teríamos que citar a necessidade dobrada da mesma paciência por parte do professor. A este cabe o estudo da psicologia do aluno, como dogma para a captação do que se ensina. Há alunos que tem a percepção mais fácil do que outros. Outros que captam mais rapidamente as reações de sensibilidades. Por isso mesmo é que não se pode aplicar diretamente um método para todos os que aprendem a dançar ou outra arte qualquer.

O trabalho, entretanto, será muito facilitado se todos tiverem o mesmo objetivo, aceitando as palavras e teorias dos mestres, aplicando dia a dia todas as suas doutrinações e não desprezando nenhum princípio rígido de qualquer natureza para beneficiá-los. Assim, as aulas serão tidas como momentos de prazer e não de sacrifício. Os esforços vão ser cada vez mais diminuídos. As horas de labor, mesmo aumentadas, vão ser desejadas. E um trabalho limpo, puro e estético terá lugar definitivo para o abrilhantamento de suas carreiras.

A postura física em paralelo com a postura do próprio comportamento educacional. Os gestos de dança em paralelo com os gestos de iniciativa de cada um. Os passos firmes na dança, como na vida. Tudo em ligamento intenso e automático, que darão margem a que suas atitudes sejam de tão alto estilo como a atitude física e a postura na dança. A vida em si apresenta certa inércia para com o esforço em favor dos movimentos. Mas o ser humano interessado em vencê-lo para poder aplicar a sua atividade em muitos movimentos, no caso os exercícios, tem uma obrigação consigo próprio para se integrar nesta luta física, onde o adversário principal é o seu próprio eu.

Os mais experientes aconselham o uso gradativo para essa luta, e não a aplicação direta de todas as energias. Uma dosagem simples, mas continua influenciará o suficiente para o término mais rápido dessas dificuldades. Mais uma vez entram em jogo a persistência e a paciência comandadas por uma força mental já preparada a contribuir diretamente para se chegar a esse fim.

Mas nada se conseguirá se não houver realmente a vontade firme de vencer, a meta tão almejada para se chegar, o estímulo muito grande para poder superar tudo que aparecer de negativo na nossa caminhada.

Com muito estudo, naturalmente o gosto pela dança vai subir até o grau máximo, se já existia desde o início um grande entusiasmo. A habilidade para formar uma lógica no

pensamento sobre as suas etapas, sensações, sobre o discernimento do certo e do errado, do feio e do belo, aparecerá tão fortemente como um presente da natureza. A apuração do gosto pela educação trará uma expressão enorme no trabalho a se apresentar. Muitos dirão que a sensibilidade à estética já vem de berço. É certo como também outras qualidades são inatas. Mas afirmamos que mesmo tendo essa origem, a sua lapidação trará resultados que só poderão fazer progredir quem a aceitou.

Impossível deixar de lado o estético pelo sentido prático de qualquer atividade. Na dança, por exemplo, a substituição de um passo mais bonito, por outro mais fácil torna uma performance não de má qualidade, para não sermos exagerados, mas acomodada ao conforto pessoal do dançarino, trazendo aos olhos do público a sensação de deficiência por parte de quem apresenta. Um bom dançarino insiste no mais difícil, para que se torne mais fácil. Exercita-se para que não sinta dificuldades. Desafia, para não ser desafiado. Impõe-se para ganhar mais adeptos. Ousa sempre para seguir sempre em frente, e nunca recuar um passo sequer no seu longo caminho de sacrifício e prazer.

Para sanar todos esses problemas, se eles aparecem, as escolas devem estar sempre atentas para esses falsos comodismos, que só vem dificultar os passos para se chegar ao ponto que se planejou. Numa escola, tem-se a vantagem de se passar por vários professores em rápidas escalas. E vai-se acostumando a novos estilos, nova didática e chega-se a uma conclusão própria, que facilitará muitíssimo seu poder de criação. O sentido estético terá outra dimensão depois de passado por diversas pessoas diferentes, mas iguais no mesmo setor. A apuração desses ensinamentos diversos fará com que o aluno se apure a si mesmo, numa inspeção rigorosa e bastante construtiva.

O policiamento pessoal é assim imprescindível no que diz respeito ao estudo da dança. Os seus movimentos, os seus gestos expressivos, a sua postura, seu relaxamento consciente, sua concentração, maneira de respirar, criação na performance etc. deverão vir juntos para uma concretização final do seu ideal como dançarino profissional.

O dançarino tem que cuidar bem do seu corpo. Um pintor pode usar objetos para ajudar na sua arte. O músico tem também os seus instrumentos para usar na sua profissão. O dançarino tem apenas o seu próprio corpo para oferecer à visão dos espectadores. Daí a necessidade da conservação de si próprio, do policiamento cada vez maior de tudo que é importante para a sua arte. Respiração, circulação, peso e tudo o que mais se relacione com o corpo, com a parte física, para estar sempre preparado e disposto para continuar progressivamente a sua arte.

A arte em qualquer setor deve ser encarada como uma verdade absoluta e um artista só pode ser considerado como tal quando contribuir e acreditar nessa verdade. A mecânica isolada impede o desenvolvimento da arte. A emoção, o sentimento que vem de dentro do artista são os grandes responsáveis e os complementos indispensáveis a essa arte.

Ao professor, cabe desenvolver o sentido do belo, o gosto pela estética. Mas a mente do aluno deve estar sempre ativa para não perder nenhum detalhe ensinado. A mente do professor, sempre renovada e elástica. Mas a responsabilidade maior é a do futuro artista profissional que deverá evitar cair na rotina dos seus exercícios, explorando muito e constantemente o poder de sua criação, descobrindo novos caminhos que o levarão sempre para o ponto mais elevado.

Paralelamente a esse desenvolvimento, a evolução do seu conhecimento se dará através do seu método de trabalho, intensivo, claro, organizado e limpo. A concentração em todos os momentos de trabalho aumentará a sua capacidade de criação, favorecendo consideravelmente o trabalho não só do aluno, como também do próprio profissional da dança. Um treinamento diário, sério, além da vontade firme de vencer todos os obstáculos para chegar à meta final farão com que o trabalho árduo se torne prazer.

Saber ensinar é também uma arte. E só aqueles que sentem prazer ensinando é que podem conseguir bons resultados com os seus alunos. O professor quando leciona está expressando o seu pensamento, a sua teoria, está vendo crescer o que aprendeu, passando para outrem, imortalizando a sua arte através de gerações novas. É com um impulso para a conservação daquilo que constitui todo o seu ideal. É se vir mais tarde, indiretamente, numa grande performance. É saber que a arte não tem e nunca terá limites.

É também uma satisfação pessoal, a do professor, ver um aluno adquirir seus conhecimentos, desenvolvendo-os. O aluno passa desse modo a ser, em parte, um instrumento do seu professor, que, explorando-o no bom sentido, pode tirar dele os melhores resultados, fazendo-o interessado em liquidar todos os problemas que vão surgindo. E em proporção, todos os males serão sanados quando houver interesse de ambas as partes – os dois comungando um mesmo ideal e certos de que, com a vitória de um trabalho bem feito, a continuação desse mesmo trabalho será de grande importância.

O dançarino não deve nunca se acomodar com o sucesso obtido. A sua profissão, como a de qualquer outro artista, deve ter uma continuidade permanente. Encarando bem a realidade, ele verificará que a arte só permanecerá viva se houver sempre e sempre uma renovação, uma criação constante no seu trabalho. E ele não deve abandoná-la, ficando aonde

o sucesso chegou. Deve sempre olhar para frente, para um novo horizonte, com novas descobertas acompanhando a evolução dos tempos.

A conscientização de todos os seus passos depende principalmente da força de vontade e paciência do profissional ou futuro profissional. Na carreira artística não deve haver desapontamentos ou decepções. Deve sim, haver correções através do trabalho intensivo e detalhado. O tempo pode ser mais longo ou menos, mas o dançarino não tem que pensar nele em termos de aceleração. Quando se trata de correção, deve usá-lo sem esperdícios e de uma só vez, para não perder esse mesmo tempo mais tarde e sem possíveis resultados.

O trabalho de correção é lento. Impossível corrigir qualquer movimento sem a prática dele constantemente, com observações próprias e de outros. A permanente observância de si mesmo, a crítica pessoal despretensiosa, a atenção para com a crítica de outras pessoas e a aceitação total das diversas opiniões construtivas serão suficientemente viáveis para a finalização do planejamento de um trabalho corretivo.

O dançarino se sente feliz ao passar a barreira de alguma dificuldade com algum dos seus movimentos. E como um grito de glória por ter conseguido vencer essa etapa, demonstra grande prazer em apresentá-lo, já livre de qualquer empecilho, ao seu público.

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