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comportamentos que possibilitam o estabelecimento de novas classes de comportamentos

Na literatura da Análise Experimental do Comportamento (AEC), já existe conhecimento sobre um fenômeno específico que esclarece com maior grau de especificidade o que se concebe como aprender a aprender, definido pelo conceito de classe de ordem superior. Esse conceito pode aumentar o grau de visibilidade acerca do processo de perguntar. Para examinar essas relações, é necessário caracterizar a relação entre formar classes de comportamentos de ordem superior com a expressão aprender a aprender. Catania (1999) define uma classe de ordem superior como “uma classe operante que inclui, dentro dela, outras classes que podem, por sua vez, funcionar como operantes”. São também chamadas de classes generalizadas, já que “as contingências programadas para alguns de seus componentes se generalizam para todos os outros”. Todorov (2002) define “uma classe operante de nível superior” como aquela que “inclui outras classes que podem funcionar como operantes por si”. Exemplos comuns de processos que caracterizam classes de ordem superior são a imitação (Catania, 1999; Todorov, 2002) e o seguimento de regras (Catania, 1999; Todorov, 2002; Schmidt & Souza, 2002): quando um indivíduo aprende a imitar as respostas de outro, a imitação não precisa mais estar sob controle de contingências de reforço

específicas de cada instância de imitação; ao seguir regras, uma criança pode não estar sob controle da consequência de uma regra em específico, mas aprender a seguir regras quaisquer. Catania (1999) descreve que, em situações experimentais, “as subclasses de ordem inferior parecerão insensíveis às mudanças nas contingências que são programadas para elas”. Explicita ainda que “o responder [do organismo fica] sob controle não de propriedades específicas do estímulo, mas sob relações entre propriedades dos estímulos, independentes de estímulos específicos”. Um indivíduo forma uma classe de ordem superior quando é capaz de apresentar um comportamento sob controle de consequências comuns a outros comportamentos, sem necessariamente ficar sob controle das consequências do comportamento específico que apresenta. As relações de controle estabelecidas no comportamento “extrapolam” as relações particulares do comportamento apresentado.

Para tornar mais claro o que constitui formar uma classe de ordem superior, é possível examinar um processo dessa classe que já foi bastante investigado experimentalmente: a imitação. O comportamento de um indivíduo pode ser considerado imitativo quando suas respostas seguem temporalmente as respostas de outro indivíduo, e são topograficamente similares e controladas pelas respostas do segundo indivíduo (Garcia, Baer & Firestone, 1971). Catania (1999) examina e descreve alguns exemplos de imitação, e identifica um tipo específico que caracteriza um processo de formar classe de ordem superior. O comportamento imitativo pode estar sob controle de instâncias específicas restritas a respostas particulares. No entanto, quando o comportamento do indivíduo que imita não está sob controle de contingências particulares de uma situação, dir-se-ia que se trata de uma imitação generalizada – o indivíduo não aprende a imitar respostas específicas, mas aprende a imitar (quaisquer respostas):

Suponhamos, por exemplo, que uma criança aprenda a imitar várias instâncias de

comportamento modelado por um boneco, como pular, rodopiar e bater palmas. Se programamos algumas consequências para manter a imitação de todos os gestos, exceto o de bater palmas, a criança geralmente continuará a imitar o bater palmas junto com os demais comportamentos, mesmo que essa

imitação nunca produza aquelas

consequências (p. ex. Baer, Peterson & Sherman, 196739). Na medida em que a

imitação do bater palmas não se extingue, podemos dizer que esse comportamento é membro de uma classe generalizada. Com a imitação generalizada, a criança também produzirá novas imitações se o boneco fizer alguma coisa que nunca tenha sido modelada antes, como pular em um pé só [...] (Catania, 1999, p. 239).

Ao avaliar experimentos realizados com imitação, Peterson e Whitehurst (1971) descrevem que tanto imitações reforçadas quando não reforçadas se mantêm frequentes ou se extinguem quando o reforçador é retirado para apenas algumas das imitações; demonstrou-se que o reforçamento apresentado para alguns comportamentos mantinham indiretamente outros comportamentos da mesma classe. Os autores concluem que ambos os grupos de reforçamento podem ser categorizados como parte de uma mesma classe funcional. A imitação, ou mais especificamente a imitação generalizada, constitui um exemplo de processo de formar classe de ordem superior.

Além da imitação como um tipo de processo de formar classe de ordem superior, há um procedimento clássico que ilustra o desenvolvimento desse conceito: o learning-set. O experimento de

39 Conforme referência no original: Baer, D. M., Peterson, R. F., & Sherman, J. A. (1967). The development of imitation by reinforcing behavioral similarity to a model. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10, 405-416.

Harlow (194940, citado por Catania, 1999 e por Millenson, 1967) pode ser sintetizado da seguinte forma: um macaco é colocado dentro de uma gaiola, e à sua frente é apresentada uma bandeja com dois objetos de madeira diferentes (por exemplo, uma esfera e um cone). Embaixo de um desses objetos encontra-se um amendoim. Se o macaco levanta o objeto que não contém o amendoim embaixo, a bandeja é retirada de sua frente por um pequeno intervalo de tempo, e depois lhe é apresentada novamente. Se o macaco levanta o objeto com o amendoim embaixo, ele pode então comê-lo. A bandeja então é retirada por um curto intervalo e depois lhe é apresentada novamente. Os objetos aparecem alternados ora do lado direito, ora do lado esquerdo da bandeja, mas o amendoim encontra-se sempre embaixo do mesmo objeto. Após várias repetições desse procedimento, o macaco passa a selecionar somente aquele objeto que contém o amendoim embaixo. Até esse momento, o procedimento pode ser caracterizado como uma discriminação simples, no caso, relacionada à forma de um objeto. Pode-se dizer que o comportamento do macaco ficou sob controle da forma do cone, por exemplo. Em seguida, realiza-se outro procedimento similar ao primeiro. A bandeja é novamente apresentada ao macaco, agora com dois objetos com formas diferentes dos dois primeiros (por exemplo, uma cruz e um cubo). Assim como no primeiro procedimento, a bandeja é apresentada sucessivas vezes, mantendo sempre um amendoim embaixo de apenas um dos objetos. Após repetir esse procedimento algumas vezes, o comportamento do macaco fica novamente sob controle de uma forma específica (por exemplo, passa a selecionar somente o cubo). Além disso, verifica-se que ele o faz com um número menor de “tentativas” em relação ao primeiro procedimento. Se agora novos procedimentos similares forem realizados, ou seja, se forem apresentadas novas séries de pares de objetos até que o macaco

40 Conforme referência nas obras citadas: Harlow, H.F. (1949). The formation of learning sets. Pshycological Review, 56, 51-65.

aprenda sob qual o amendoim se encontra – verifica-se que diminui gradativamente a quantidade de ocasiões (“tentativas”) em que o macaco seleciona o objeto “incorreto”. Ao final do procedimento, para qualquer par de objetos que lhe é apresentado, o macaco é capaz de selecionar sempre aquele que contém um amendoim embaixo em apenas uma ou duas tentativas. A aprendizagem que ocorreu ao longo do procedimento foi mais complexa que uma discriminação simples por forma. O responder do macaco ficou sob controle não de propriedades específicas do estímulo, mas sob relações entre propriedades dos estímulos, independente de estímulos específicos (Catania, 1999). A essa série de discriminações simples sucessivas e relacionadas entre si é denominada learning-set, ou L- set, que corresponde a um procedimento pelo qual é possível ensinar um organismo a formar classes de ordem superior.

Qual a relação entre formar classes de ordem superior e aprender a aprender? Uma classe de comportamentos de ordem superior se define por uma classe nas quais outras subclasses estão incluídas. As subclasses ocorrem por relações com contingências generalizadas a partir de outras subclasses. É possível considerar o aprender a aprender como um processo correspondente ou análogo a formar classes de ordem superior, em que a partir de um conjunto de aprendizagens específicas o organismo generaliza essas relações para novos comportamentos. Por exemplo, uma menina que aprende a dançar balé por meio da imitação dos movimentos da professora de dança pode, posteriormente, aprender a dançar tango imitando uma atriz em um filme na televisão. O indivíduo que aprendeu a seguir instruções escritas pode aprender a montar um armário ou outro móvel qualquer por meio da leitura de um manual. O macaco de Harlow aprendeu a aprender, com eficiência, qual objeto de um par apresentado sobre uma bandeja contém alimento embaixo. Catania, ao descrever o procedimento de learning-set, conclui que:

[...] a correspondência entre as contingências de reforço e o comportamento gerado por

essas contingências permanece como um critério apropriado para essa classe operante.

Aprender a aprender qualifica-se como uma classe de ordem superior, porque é definida

por essas relações, e não pelos estímulos e pelas respostas a qualquer problema particular. (Catania, 1999, p.171, grifos nossos).

Todorov (2002) apresenta a formação de classes de ordem superior como uma forma pela qual se produz novas classes de operantes, ou, dito de outra forma, como se produz “comportamento novo”. Assim, parece que aprender a aprender envolve formar classes de ordem superior como um processo necessário. A noção de “classes de comportamentos de ordem superior” é um conceito demonstrado experimentalmente pela Análise Experimental do Comportamento que ajuda a esclarecer o processo de aprender a aprender, ou pelo menos uma parte dele, com precisão em relação à delimitação do fenômeno pela literatura em geral.

Há indícios de que o processo de perguntar pode constituir uma forma de aprender a aprender (Echeverría & Pozo, 1998). Postman e Weingartner (1974), ao enfatizar o processo de perguntar como objetivo da educação, declaram que “uma vez que tenhamos aprendido a fazer perguntas – perguntas substanciais, relevantes e apropriadas – teremos aprendido como aprender e ninguém nos impedirá de aprendermos, o que quisermos ou precisarmos saber”. Por meio desta declaração, os autores indicam que há características no processo de perguntar que são universais, que extrapolam o ambiente de ensino formal, e que possibilitam ao indivíduo se tornar autônomo para aprender. Polya (1945/1977), em seu livro “A arte de resolver problemas”, propõe diversas perguntas para que alunos possam resolver problemas de matemática, e várias delas são generalizáveis para situações- problema do cotidiano, como: “Por onde começar a fazer?”, “que posso fazer?”, “Qual a vantagem em assim proceder?”, “Que posso perceber?”, “conheço um problema parecido?”. Essas perguntas podem constituir uma “caixa de ferramentas” universal, não só

para problemas de matemática, mas para problemas de outras matérias escolares, e para resolver problemas no cotidiano. O processo de perguntar – considerando que tenha algumas características específicas – constitui uma classe de comportamentos que pode ser generalizada para diversas situações “novas” ao indivíduo, possibilitando que ele aprenda os comportamentos necessários para lidar com estas novas situações. Assim considerado, o processo de perguntar constitui uma classe de ordem superior.

Há alguns autores na literatura que sistematizaram, com maior ou menor grau de formalidade, os procedimentos e processos que constituem formar classes de ordem superior. Os processos ou procedimentos mais citados são a imitação, o learning-set, procedimentos de escolha a partir de emparelhamento com modelo (match-to-sample), as classes de equivalência de estímulo (Catania, 1999; Todorov, 2002) e o seguimento de regras (Catania, 1999; Todorov, 2002; Schmidt & Souza, 2002). Há outros processos que já foram bastante investigados experimentalmente, mas que poucos autores reconhecem como classes de ordem superior como, por exemplo, o desamparo aprendido (Catania, 1999) ou o reforçamento de variabilidade de respostas (Todorov, 2002). Formalmente reconhecidos ou não, há diversos processos que foram bastante investigados, inclusive de forma experimental, e que caracterizam classes de ordem superior. O processo de perguntar, indicado como uma forma de aprender a aprender, não parece ter sido reconhecido e investigado como uma classe de ordem superior no conhecimento produzido pela Análise Experimental do Comportamento.

Em síntese, formar classes de comportamentos de ordem superior é um processo demonstrado experimentalmente pela Análise Experimental do Comportamento que ajuda a esclarecer o processo de aprender a aprender, ou pelo menos uma parte dele, com precisão em relação à delimitação do fenômeno pela literatura em geral. O processo de perguntar é reconhecido como uma forma

de aprender a aprender, e pode ser considerado como uma classe de ordem superior. A despeito dessa provável relação, não há conhecimento produzido ou investigado acerca das características do processo de perguntar como uma classe de ordem superior. Identificar classes de comportamentos constituintes de delimitar problema de pesquisa a partir de perguntas pode ser uma forma de esclarecer, a partir da relação entre classes de diferentes graus de abrangência, como o processo de perguntar pode ser condição para o estabelecimento de diversas classes de comportamentos mais abrangentes, caracterizando o perguntar como uma classe de ordem superior.

2.4 Perguntar é uma maneira de resolver problemas, que