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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Universidade Corporativa

2.3.1 O conceito de educação

Para entender o significado da educação corporativa é necessário buscar, primeiro, o significado da palavra educação. O que é realmente significa educação?

Mannheim (1962) vai na origem da palavra educar, que nasce da palavra latina educare, que está ligada à obtenção de múltiplas qualidades que promovem a felicidade, a eficiência e a capacidade para o serviço. Segundo o autor, a educação está ligada à criatividade e ao improviso.

Eboli (2004) defende que a educação diz respeito à influência intencional e sistemática sobre o ser humano, com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo em uma sociedade, a fim de conservar e transmitir a existência coletiva. A educação, para a autora, é o processo de transmissão da herança cultural às novas gerações.

Já para Aranha (1996), educar é fazer escolhas. Ao definir um modelo de educação são feitas opções em relação ao público-alvo, à linha pedagógica, aos conteúdos e à visão de mundo que se quer passar. O autor defende que, por trás das opções, às vezes não muito claramente, está o caráter ideológico dessas escolhas. Mesmo em uma empresa, esse caráter ideológico está presente.

Uma importante questão que precisa ser pensada por todos que querem criar um processo educacional que gere impactos, sejam empresas, organizações sem fins lucrativos ou governos, são os seus objetivos (EBOLI, 2004). Eboli (2004), por exemplo, defende que a educação não deveria ser fragmentada. Ela afirma que o processo educacional ocorre no desenvolvimento e na realização do potencial intelectual, físico, espiritual, estético e afetivo existente em cada ser humano, incorporando nesse processo o conhecimento multidisciplinar obtido a partir da Filosofia, da Psicologia e da Sociologia, por exemplo. Dessa forma, segundo a autora, a educação deveria desenvolver o ser humano de uma forma integrada.

O conceito de uma educação integrada está em linha como o pensamento de um dos principais pensadores de educação da modernidade, o pedagogo e filósofo Edgar Morin. Para ele, a não fragmentação, o pensamento de longo prazo e uma educação que trabalhe as incertezas é

fundamental para um processo educacional que gere mudanças e impactos reais. Para Morin (2009), a inteligência que somente cria fragmentação destrói as possibilidades de reflexão, diminuindo ou eliminando a possibilidade de se criar um senso crítico e uma visão a longo prazo. O conhecimento pertinente é aquele que traz um significado maior, sem necessariamente ter uma quantidade maior de informações (MORIN, 2009).

Para Morin (2009), falar em educação significa pensar a longo prazo e, por isso, o foco apenas no curto prazo restringe qualquer modelo educativo. A educação deve ser simultaneamente analítica e sintética como um fluxo no qual as partes são religadas ao todo e o todo religado às partes. Para o autor, outro elemento fundamental na educação seria a incerteza. Essa seria uma das maiores conquistas da consciência, pois, para aprender, é fundamental enfrentar as incertezas, já que a ciência e o mundo tratam do incerto (MORIN, 2009).

Ao analisar os objetivos de educação desenvolvidos pelos autores expostos é necessário fazer algumas perguntas pertinentes aos objetivos deste trabalho. Será que as empresas que geram seus sistemas de educação corporativa estão preocupadas com a formação integral, reflexiva e de longo prazo do ser humano? Será que as empresas deveriam estar preocupadas com isso? Será que essa preocupação traz vantagens competitivas ou desvantagens competitivas? Essas questões serão discutidas ao longo do trabalho.

Pode-se dizer que a aprendizagem faz parte da educação, mas a educação não é a única forma de aprendizagem. Para Vargas e Abbad (2006), a aprendizagem humana pode ocorrer de diferentes maneiras e expõem quatro ações principais para sua promoção: informação, instrução, treinamento e educação.

Para Vargas e Abbad (2006) a informação seria formada por blocos organizados de conteúdos disponíveis em diferentes meios. A opção por acessar esses blocos de conhecimento é individual, mas poderia ser incentivada pela sociedade ou pela empresa. Já a instrução seria um tipo de aprendizagem mais planejada e desenvolvida de forma intencional e efetivadas com ações de curta duração. O objetivo da instrução é o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes mais simples.

O treinamento, conforme define Bastos (1991 apud VARGAS e ABBAD, 2006), é um processo intencional da empresa em realizar mudanças de comportamento em seus empregados. Rosenberg (2001) define treinamento como um dos meios para gerar aprendizagem, embora essa possa ocorrer sem a existência de um processo formal e sistemático de treinamento. Para o autor, treinamento seria uma abordagem padronizada que ajudaria na melhoraria do desempenho do treinado. Ele defende que um treinamento possui quatro elementos básicos: o objetivo de melhorar, de forma específica, o desempenho individual; o desenho da estratégia instrucional que será usada para atender às necessidades dos alunos; a definição das mídias utilizadas no treinamento e o processo de avaliação do programa de treinamento.

Vargas e Abbad (2006) explicam que o conceito de treinamento, como usamos hoje, ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, após a fundação da AST, “American Society for Training”. A entrada dos Estados Unidos na guerra gerou uma grande necessidade de aumento da produção e, por conseguinte, de treinamento de pessoal. Dessa forma, a Segunda Guerra Mundial evidenciou a importância do treinamento sistemático, que foi replicado por várias organizações nos EUA e ao redor do mundo.

Já o termo desenvolvimento, segundo Vargas e Abbad (2006), compreende a formação do indivíduo, mas sem relação com um trabalho específico. Estariam relacionadas com ações educacionais de apoio à qualidade de vida no trabalho, orientação profissional, autogestão de carreira. Os tipos de ações envolvidas no processo de desenvolvimento seriam as oficinas, cursos, seminários e palestras.

Assim, o conceito de educação surge de forma complementar e mais abrangente que o conceito de treinamento. Para Vargas e Abbad (2006), a educação engloba o treinamento num processo mais complexo e completo de aprendizagem. A Educação envolve não apenas o crescimento profissional do aluno, mas também o seu crescimento pessoal. Surgem, então, os conceitos de educação continuada, educação para toda a vida e educação corporativa. O Quadro 3 retrata as diferentes atividades ligadas ao aprendizado nas organizações.

Formas de Aprendizado Definição Práticas

Informação Blocos organizados de

conteúdos disponíveis em diferentes meios.

Ações educacionais de curta duração (aulas, manuais, roteiros etc).

Instrução Tipo de aprendizagem um

pouco mais planejada e direcionada de forma intencional para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes simples. Orientações, baseadas nos objetivos instrucionais, realizadas geralmente com apoio de manuais, cartilhas, roteiros etc.

Treinamento Processo intencional da

empresa em realizar mudanças de

comportamento em seus empregados.

Ações educacionais de curta e média duração (cursos, oficinas etc).

Desenvolvimento Compreende a formação do

indivíduo, mas sem relação com um trabalho específico.

Orientação de carreira e profissional, ações educacionais voltadas para estabelecer programas de qualidade de vida no trabalho (oficinas, seminários, cursos, palestras coaching, mentoring etc).

Educação Engloba o treinamento num

processo mais complexo e completo de aprendizagem. A Educação envolve não apenas o crescimento profissional do aluno, mas também o seu crescimento pessoal.

Programas de média e longa duração

(geralmente programas que dão algum tipo de formação mais institucional como: cursos técnicos profissionalizantes, graduação, pós- graduação, mestrado e doutorado).

De forma complementar a Vargas e Abbad (2006), Ioschpe (2004) acredita que o aprendizado exige o desenvolvimento de quatro virtudes: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a compartilhar e aprender a ser. De várias formas os conceitos trabalhados pelo autor são aplicáveis no dia a dia das empresas.

O aprender a conhecer está relacionado com o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento. O aprender a fazer está ligado aos aspectos profissionais, é a prática do conhecimento a serviço da excelência no trabalho, mas pode ser visto com um significado que vai um pouco além, aprender a fazer também significa adaptar a educação as necessidades futuras do trabalho, o que exige flexibilidade do trabalhador para se antecipar aos fatos que ainda não conhecidos (IOSCHPE, 2004).

O aprender a conviver é a descoberta do outro e das suas necessidades. Está relacionado com a participação em projetos comuns. O aprender a conviver fortalece a capacidade de resolução de conflitos em todas as esferas, inclusive na organizacional. E, finalmente, aprender a ser, significa que a educação deve contribuir para o desenvolvimento completo do indivíduo: espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético e responsabilidade (IOSCHPE, 2004).

Como foi visto, a educação é um termo mais abrangente que treinamento. Vê-se que muitas empresas provavelmente não entendem o significado do termo “educação”, quando se propõem a desenvolver a “educação corporativa” dentro de suas organizações.

Contudo, parece ser um fato a importância crescente de alguns aspectos da educação que foram identificados nesse capítulo da revisão da literatura. O pensamento de longo prazo, a não fragmentação do conhecimento com valorização de um pensamento sistêmico, a valorização do processo de trabalhar as incertezas e a necessidade de um pensamento multidisciplinar são elementos transformadores da realidade diária das empresas e, provavelmente, impactam no desenvolvimento de vantagens competitivas. Dessa forma, as escolhas que são feitas sobre qual modelo de educação se pretende implantar nas empresas é o primeiro passo para construir um tipo de educação corporativa que gere para as empresas resultados acima dos obtidos por seus competidores.

Por isso, será parte da investigação deste trabalho entender se as opções educacionais feitas pelas empresas são conscientemente estabelecidas, ou seja, será que os responsáveis pela estruturação dos processos de educação corporativa nas empresas definem claramente as opções ideológicas, metodológicas e conceituais que vão alicerçar o desenvolvimento de todo o processo educacional nas empresas? Ou será que esse processo é feito de forma aleatória ou improvisada?