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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Educação Ambiental

2.3.1 O conceito de Governança

O conceito de Governança surge em resposta à necessidade de articular pessoas, instituições, interesses, e ações para melhor lidar com algumaesfera comum da vida em sociedade, seja esta tratando-se da política internacional, dada entre Estados nacionais e organizações internacionais, seja tratando-se da gestão local de bens comuns, entre

moradores e organizações de uma comunidade local. Portanto, governança é um conceito eminentemente político por remeter a uma dimensão da experiência humana que diz respeito à ação em meio a outros humanos, como no entendimento político de Hannah Arendt (1981), ação entre iguais, ou ao menos em torno de assuntos que a todos dizem respeito.

Júlia Santos Silva realizou, em 2008, uma revisão histórica sobre o conceito de governança a partir da obra de Canet (2004). Embora o termo governançatenha sua origem na Idade Média, vinculada a governar embarcações, no século XVI este passou a ser entendido como uma maneira de gerir adequadamente algo público, independente da questão do poder e do governo hierarquizado. A governança avança então em torno dessa ideia, relacionada à gestão ao invés de poder, reaparecendo anos depois em diversos contextos das grandes organizações e políticas públicas (CANET, 2004 apud SANTOS SILVA, 2008).

Uma diferenciação muito útil é a apresentada por Gonçalves (2005) entre governo e governança, em que governo ou governabilidade diz respeito à capacidade de uso do poder, vinculada ao aparelho de Estado, à uma autoridade formal, podendo fazer uso de seu poder de polícia para realizar seus objetivos; enquanto Governança se refere aos processos e meios pelos quais a sociedade de maneira mais ampla se articula efetivamente em torno de objetivos comuns, sem depender necessariamente de imposições legais ou do poder de polícia para conseguir atingi-los.

No âmbito da política internacional, paralelo ao crescente processo de globalização desde o século XX, verificou-se o surgimento de organizações supranacionais, e a presença crescente das Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGIs) e empresas multinacionais que passaram a ter influência política também sobre a esfera nacional, sejam movidas por uma agenda econômica neoliberal de redução da soberania nacional em favor do livre mercado, seja buscando preencher os vazios que as organizações governamentais deixavam, especialmente frente a emergência de problemas e desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais, como os problemas ambientais globais evidenciados ao longo do século.

Diante disso, verificou-se a necessidade de reconfiguração das relações políticas internacionais e da própria relação sociedade Estado, de forma a articular organizações governamentais e não governamentais, para a execução dessas agendas planetárias comuns, passando da lógica simplesmente do Governo, para a necessidade de uma Governança

Internacional. Moreira (2012) reflete que a própria presença da sociedade civil organizada no Fórum Mundial na Conferência Rio-92 demonstrou justamente a necessidade de novas instâncias de participação e de poder para tornar realidade os compromissos internacionais assumidos frente à questão ambiental, o que demanda uma ampla articulação global-local, e coesão social para dar efetividade às ações necessárias.

Nesse âmbito é importante apresentar a definição apresentada pela Comissão sobre Governança Global, em 1996, comissão formada justamente como resultado da Rio 92:

Governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns”. E mais adiante: “Governança diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obediência, mas também a acordos informais que atendam aos interesses das pessoas e instituições”. E finalmente, “No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não-governamentais, (ONG), movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência”. (Comissão sobre Governança Global, 1996, p. 2) (GONÇALVES, 2005, p. 6)

O termo governança, curiosamente, também ganha destaque dentro do contexto das empresas e corporações, espaços que, embora operem dentro da lógica do privado e não do público, ao ganhar proporções mais amplas, com empresas cuja propriedade se distribui entre numerosos acionistas, passaram a verificar o distanciamento entre os interesses dos proprietários e da equipe encarregada da administração da empresa, demandando o surgimento da “Governança Corporativa”, a fim de garantir o atendimento do interesse dessa esfera comum de proprietários que surge dentro das próprias instituições privadas. Isso resultou na incorporação de princípios como a equidade a transparência e a prestação de contas, típicos da esfera pública, como proposto pelo

Instituto Brasileiro de Governança Participativa9. Embora, interessante mencioná-lo, é claro que este não é o enfoque do presente trabalho.

A essa altura é importante trazer a voz do Prof. Daniel Silva, que a partir da ampla experiência do GTHIDRO e um aprofundado estudo sobre o conceito de governança, faz uma ressalva importantíssima para esclarecer o enfoque que o presente trabalho quer trazer ao introduzir esse conceito:

O conceito de governança é um conceito pós- moderno, proveniente do novo ciclo de globalização em que vivemos. Como já dito, a idéia de governança possui mais de uma conotação, que tanto pode servir para mascarar um processo de agudização da concentração de riquezas, como também pode facilitar os legítimos esforços das comunidades em aumentar sua capacidade de soberania e governabilidade local, agindo com prudência e respeito, e fazendo frente a atual onda avassaladora de homogeneização cultural e econômica. A idéia de governança surge no vazio de governabilidade provocado pela redução dos governos, resultado das exigências das políticas neoliberais e da aplicação do conceito de reengenharia aos processos públicos (SILVA, 2006, p. 10).

Nesse sentido, assim como Fernandes Neto (2010), esse trabalho situa-se mais interessado nas abordagens de governança, referidas pelo autor como abordagens sociopolíticas, que são marcadas por um interesse genuíno pela construção de identidades coletivas, de cidadania, coesão social, e verdadeiro respeito ao contexto, os saberes e a cultura das comunidades locais. Nesse contexto, a definição apresentada por Silva é de grande valor para esse trabalho:

Governança significa o aumento da capacidade de governar no nível local. Este aumento de governabilidade local está associado ao fenômeno da gestão compartilhada de interesses comuns, no qual a comunidade de interessados passa de consumidores a definidores e gestores políticos. (SILVA, 2006, p. 10)

Na qual as palavras “governar” e “governabilidade”, não se referem ao sentido anteriormente apresentado como característico do Estado, mas sim ao poder no sentido de capacidade das comunidades de se auto-gestionar para atingir seus próprios objetivos comuns, o que pode é claro se dar também em relação com o Estado e outras instituições, mas pressupõe um empoderamento da comunidade para isso.

Em total pertinência com essas concepções apresentadas e de forma mais explícita apontando sua relevância dentro das questões ambientais, a governança também surge como conceito fundamental para a gestão de bens comuns como veremos a seguir.