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Esquema 11 Ciclo do processo de aprendizagem docente

3.3 A ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS

3.3.1 O CONCEITO: SUA ESTRUTURA E SUA DEFINIÇÃO

Na perspectiva histórico-cultural, o conceito científico é compreendido como categoria simbólica que reflete o conjunto de propriedades necessárias e suficientes e que permite generalizar-se uma classe de objetos. Nessa visão, o conceito apresenta conteúdo e extensão.

O conteúdo é o conjunto de propriedades necessárias e suficientes de um conjunto de objetos. Exemplo: os seres vivos são aqueles formados por células. A extensão de um conceito relaciona-se a idéia de fracionamento do conjunto, que forma a totalidade de objetos nele incluídos. Assim, as características necessárias e suficientes de um conceito genérico podem fazer parte de um conceito menos genérico (específico), por estarem nele generalizadas. Isso significa dizer que, à medida que o conteúdo aumenta, a extensão diminui.

É importante assinalar que, no caso da tomada de consciência sobre as propriedades necessárias e suficientes, é preciso desenvolverem-se situações de ensino que estabeleçam um vínculo entre o modo como se define e os recursos utilizados, que, em um primeiro momento, devem ser objetos materiais ou materializados. Estabelecer a relação entre um conceito e um conjunto de objetos contribui para o desenvolvimento da habilidade de procurar o sistema de propriedades do conceito nos objetos (TALÍZINA, 1987). Assim, no que diz respeito ao conteúdo e à extensão do conceito, a lógica dialética possibilita essa organização.

A investigação de Talízina (1987), na perspectiva da lógica dialética, não nega a lógica formal no aspecto das propriedades essenciais. Kopinin (1989) realça a relação entre esses dois tipos de lógica: a primeira toma como base algumas regras necessárias da segunda, mas se diferencia do jogo puramente formal (racionalismo), da combinação puramente lógica dos objetos ideais, que são caracterizados independentemente do processo psicológico real de quem aprende.

A regra da definição da lógica formal não é incompatível com a da lógica dialética como é utilizada por Talízina (1987) e Davidov (1983). Na elaboração da definição de um conceito, o essencial está presente, mas, de acordo com Talízina (1987), Pacheco (1989), Núñez e Pacheco (1994, 1997), a definição tem como base o conjunto de propriedades necessárias e suficientes e se corresponde a um conhecimento construído na relação de ensino-aprendizagem, nos diferentes planos do processo de internalização da cultura.

É com base no enfoque histórico-cultural que Talízina (1987) discute o processo de formação e desenvolvimento dos conceitos tomando como referência o tipo de atividade específica do processo de apropriação, resultando em um aprendizado de forma consciente.

Os procedimentos lógicos são estratégias mentais que estão em consonância com a sistematização do ensino de conceitos científicos e são apresentados para a realização de ações e operações como parte da atividade necessária a esse processo de apropriação, a qual se diferencia daquela atividade espontânea da relação cotidiana, fora do contexto escolar.

No âmbito do planejamento, no contexto formativo, o importante é ensinar os professores a organizarem situações de ensino para estruturar o conteúdo conceitual, iniciando pela elaboração da definição dos conceitos objeto de ensino- aprendizagem. Nessa linha de atuação, é preciso que os professores utilizem ações e operações próprias à elaboração da definição, conforme López (1989) e Talízina (2001). Esse tipo de procedimento pressupõe o domínio do que seja um conceito, sua estrutura e o modo de defini-lo no processo de ensino-aprendizagem.

Retomando a questão do conteúdo, a compreensão da sua estrutura se relaciona com a formulação e a construção da lógica das propriedades necessárias e suficientes. Existem, assim, três tipos de estrutura: conjuntiva, disjuntiva e conjuntiva-disjuntiva, que serão explicitadas no item do procedimento de identificação.

Segundo Zilberstein (2000), as diversas pesquisas desenvolvidas na área de ensino-aprendizagem mostram que, na base das habilidades (mentais), estão os conceitos. Assim, dominar uma definição não significa repetir um enunciado de memória, e sim saber definir com base nas propriedades necessárias e suficientes e aplicar essas propriedades em novas situações, para a resolução de novas tarefas.

Concretamente, os professores precisam de um processo de formação para saber propor atividades, visando à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes.

A definição não é um simples enunciado lingüístico sobre o conceito; é um momento da atividade de ensino e da aprendizagem conceitual, atividade que visa conscientizar sobre a existência do conjunto de propriedades necessárias e suficientes, uma estratégia mental que contribui para o processo de apropriação dos conceitos (TALÍZINA, 1987).

Com base nas discussões de Talízina (1987), de López (1989) e de Núñez e Faria (2004), entendemos que, para ensinar os conceitos de Ciências Naturais, ou de outra área de conhecimento, nas séries iniciais do ensino fundamental, é preciso que o trabalho comece com o aprendizado da lógica das propriedades necessárias e suficientes, por intermédio da apropriação da atividade de definir o conceito.

A organização de situações de ensino para se definir conceito pressupõe o domínio de ações antecedentes, para a conscientização da lógica dessas propriedades. Caso ainda não exista o domínio do procedimento para determinação das propriedades necessárias e suficientes, é importante que se organizem tarefas para ensinar como se destacam as propriedades dos conceitos. Esse estudo deve ser feito nas seguintes etapas:

Primeira etapa — destacar as propriedades múltiplas dos objetos — similares ou não. Nessa etapa, são utilizadas a observação, a descrição e a comparação, para se determinarem essas propriedades dos objetos — e a diferenciação, para a ampliação da atividade, destacando-se diferenças (trabalho orientado nos objetos). • Segunda etapa — determinação das propriedades gerais. A comparação ajuda na apreciação das semelhanças. Destacam-se então, as propriedades comuns aos objetos e aumenta-se a quantidade de objetos para os alunos observarem se tais objetos contêm traços semelhantes (trabalho orientado no conceito).

Terceira etapa — determinação das propriedades essenciais (aquelas que são necessárias, cuja presença não varia nos objetos da mesma classe). Caso falte no objeto pelo menos uma dessas propriedades, ele não pertencerá ao conceito em questão.

Quarta etapa — reconhecimento das propriedades suficientes (aquelas que são suficientes para os objetos serem reconhecidos como tais).

Essas etapas ajudam na elaboração da definição do conceito e pertencem à lógica do movimento de baixo para cima, isto é, da ampliação dos conceitos espontâneos (VYGOTSKY, 2002), movimento que contribui para a conscientização das propriedades essenciais dos conceitos. Segundo López (1989), esse é um movimento indutivo. Para Talízina (1987), esse tipo de aprendizado é necessário à formação lógica do procedimento de determinação das propriedades dos conceitos nos objetos.

Esse processo de ampliação de conceitos inicia-se na educação infantil. No ensino fundamental, essa lógica de apropriação do conhecimento das propriedades múltiplas, das gerais e das essenciais deve ser formada quando os professores percebem que ela é necessária para a compreensão do sistema de propriedades necessárias e suficientes, o qual possibilita a utilização dos procedimentos iniciais do pensamento lógico como estratégia mental de apropriação dos conceitos (TALÍZINA, 1987).

A necessidade da formação dessa lógica de que os objetos do mundo real são dotados de propriedades e podem ser incluídos em determinado conceito relaciona-se a compreensão da lógica das propriedades essenciais, ou necessárias e suficientes, importantes para o movimento de cima para baixo (VYGOTSKY, 2002). No ensino fundamental, o processo de apropriação dos conceitos em nível científico pode iniciar-se pelo movimento de cima para baixo, discutido por Vygotsky (2000), dependendo do nível de generalização alcançado pelas crianças.

Conforme Davidov (1983), essa estratégia respeita a lógica, partindo do geral, em um movimento dialético. Nesse sentido, o trabalho da formação de conceitos inicia pela definição, a partir das seguintes ações: determinação das propriedades necessárias e suficientes do conceito e confronto das suas propriedades com os objetos; utilização da linguagem como um instrumento para organizar o conceito. Desse modo, fazem-se necessárias as seguintes atividades: • definição do conceito pelo conjunto das propriedades necessárias e suficientes; • comparação de objetos reais — ou suas representações — que pertençam ao

conceito dado, para a tomada de consciência dessas propriedades;

• análise de materiais teóricos para a busca das propriedades necessárias e suficientes que expressem a definição do conceito (linguagem oral ou escrita);

• aplicação do conceito em novas situações fazendo-se uso do conhecimento internalizado (etapa mental).

Essa atividade é realizada em um processo de interação social, por intermédio da comunicação, e envolve as seguintes tarefas: caracterização do nível inicial de conhecimento necessário para a apropriação do objeto de estudo; re- elaboração da definição a partir de ações realizadas na etapa material ou materializada e na da linguagem. Feita a elaboração, não é necessária a memorização, mas sim que se aprenda como se desenvolvem outras tarefas com base no conceito definido.

Definir, conforme a lógica dialética, não significa dizer o que é o objeto, mas realizar-se uma operação que estabeleça com exatidão o sistema de propriedades necessárias e suficientes de uma classe de objetos, de modo que se revele a extensão dessa classe, compreendendo-se a totalidade dos objetos que podem ser aplicados ao dito conceito (RIBEIRO 1999).

Segundo Talízina (2001), a definição não precisa ser realizada pela via da memorização mecânica. A definição é um dos procedimentos que ajudam na realização de diferentes ações com os objetos, para o reconhecimento das propriedades necessárias e suficientes do conceito. Dessa forma, é possível adquirir-se o conhecimento para incluírem os objetos que possuem o conjunto dessas propriedades no conceito que os generaliza. Assim, o procedimento lógico da identificação pressupõe a definição do conceito.

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