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3 – O Conde de Arraiolos e a menoridade de D Afonso

A morte de D. Duarte a 9 de Setembro de 1438201, em Tomar, colocou sérias dúvidas sobre quem deveria assumir a regência do reino durante a menoridade de D. Afonso, que contava na altura seis anos e oito meses de idade202, e que logo no dia 10 Setembro foi aclamado como rei de Portugal, o quinto deste nome.

Apesar de o monarca ter deixado um testamento203 onde nomeava como “in solido testamenteira de sua alma, e titor e curador de seus filhos, e regedor do reino, e herdeira de todo o movel” 204 a rainha D. Leonor, sua viúva; esta enfrentou forte resistência ao exercício da regência, sobretudo por parte de certos concelhos, do infante D. Pedro e dos seus partidários que consideravam a rainha, irmã dos infantes de Aragão, politicamente perigosa205. Por outro lado, alguns nobres importantes viam na regência de D. Leonor uma oportunidade de intervenção mais activa na política do reino. Entre estes contavam-se o conde de Barcelos e o seu cunhado, D. Pedro de Noronha, arcebispo de Lisboa e primo da rainha.

A inimizade entre a viúva de D. Duarte e o infante D. Pedro era para todos visível. Diz Rui de Pina que D. Leonor “sempre em sua vida mostrou ao Infante D. Pedro que não lhe tinha boa vontade: e as causas porque assim fosse eram occultas para culpar o Infante, salvo se procedessem de induzimentos alheios, que em sua feminil fraqueza de ligeiro fariam impressão, ou por ventura procederia das imisades que foram entre E-Rei D. Fernando d'Aragão, pae da rainha, e o conde d'Urgel, pae da Infante D. Izabel, mulher do dito Infante D. Pedro”206. Note-se que neste ponto, os três príncipes de Avis (D. Pedro, D. Henrique e D. João) assumiram a mesma posição: era necessário manter o poder a todo o custo e impedir a intromissão dos infantes de Aragão, irmão da rainha, no reino.

201 O rei terá morrido, muito provavelmente, de peste bubónica. A corte já vinha desde Évora a fugir desta

praga. De Évora seguiram para Avis, onde a corte se separou para tentar conter a peste. De Avis, D. Duarte partiu para Tomar onde chegou já doente. Morreu doze dias depois.

202 D. Afonso V nasceu em Sintra, a 15 de Janeiro de 1415, vila onde iria também morrer, a 28 de Agosto

de 1481.

203 O testamento de D. Duarte não chegou até aos nossos dias, mas dele temos algum conhecimento

através das crónicas de Rui de Pina.

204 Rui de PINA, CDA V, liv. I, cap. III, p. 17.

205 Atente-se também no facto de que a última vez que houvera em Portugal um rei menor tinha sido em

1211, no reinado de Sancho II. Não havia, por isso, uma prática comum que se aplicava neste tipo de situações. Cf. João Paulo Oliveira e COSTA, Henrique…cit., cap. 7.1. «O apoio a D. Pedro».

A agitação que precedeu as cortes de Torres Novas, realizadas em Novembro de 1438, com o objectivo de reconhecer e prestar obediência ao novo rei, levou a que a “rainha triste”207, apoiada pelos principais membros da nobreza208, aceitasse uma regência compartilhada, isto é, uma divisão duunviral do poder com o seu cunhado o infante D. Pedro, duque de Coimbra209. Ao infante caberia, a partir de então, o regimento da justiça e o título de “defensor dos Reinos por el Rey”, e D. Leonor ficava com o governo e administração da Fazenda, bem como a educação e criação do rei e dos infantes. Contudo, este aparente apaziguamento da situação foi breve e rapidamente se fizeram ouvir os opositores ao infante.

Importa aqui salientar que um dos motivos apontados para a discórdia era o casamento do jovem rei. Se D. Pedro pretendia casá-lo com a sua filha D. Isabel de Lencastre ou Urgel (o que de facto viria a acontecer), o conde de Barcelos esperava ver o rei casado com a sua neta Isabel210. D. Afonso achava que poderia contar com o apoio do infante D. João, seu meio-irmão e pai da sua neta, nas negociações deste casamento, assim que o infante, enfermo, regressasse à corte211. Porém, o infante D. João foi um dos principais apoiantes de D. Pedro. A pressão que ambas as partes exerciam sobre a Rainha era imensa. D. Leonor, numa tentativa de tranquilizar o duque de Coimbra e conseguir o seu apoio, chegou mesmo a entregar-lhe um alvará onde se comprometia a casar D. Afonso V com a prima D. Isabel de Lencastre. O cronista Rui de Pina relata que “o consentimento e prazer da Rainha acerca deste casamento, não foi igualmente recebido nos corações de todos”212. O conde de Barcelos e D. Pedro de Noronha tentaram, em privado, que a rainha se desdissesse.

207 A rainha D. Leonor assinou, durante as cortes, alguns documentos intitulando-se a “rainha triste”.

Veja-se, a título de exemplo, as suas assinaturas no “Regimento para o governo do Reino”, in ANTT,

Colecção de São Lourenço, vol. I, fls. 1-6; publicado em Colecção de São Lourenço, vol. I, prefácio e notas de Elaine Sanceau, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1973, pp. 478-501.

208 Entre eles contavam-se o conde de Barcelos e o seu cunhado, D. Pedro de Noronha, arcebispo de

Lisboa; o irmão deste último, D. Sancho de Noronha, e Vasco Fernandes Coutinho, marechal do reino.

209 Saúl António GOMES, D. Afonso V... cit., p. 47 e Rui de PINA, CDA V, liv. I, cap. XII.

210 D. Isabel, a neta do conde de Barcelos, casaria com D. João II de Castela. Deste segundo matrimónio

do monarca castelhano nasceria D. Isabel, a Católica.

211 Estranhamente, as crónicas não referem a posição do infante D. João relativamente a estas negociações

matrimoniais. João Paulo Oliveira e COSTA na sua obra Henrique, o Infante, coloca a hipótese de estas negociações, que Rui de Pina situa em 1438, só terem sido efectuadas em 1442, após a morte do infante D. João. De qualquer das formas o autor salienta que, dificilmente, D. João, um dos mais fortes defensores do infante D. Pedro, se manifestaria contra o irmão. Cf. João Paulo Oliveira e COSTA,

Henrique... cit., cap. 7.1. «O apoio a D. Pedro».

Saúl António Gomes afirma que “o pequeno rei se tornara um joguete sem vontade própria nas tensões que dividiam a Corte e a extravasavam motivando a fractura do país”213.