• Nenhum resultado encontrado

6 – Os anos cinquenta e o marquesado de Vila Viçosa

No ano de 1455, D. Fernando encontrava-se com a corte em Lisboa onde, no mês de Maio, nasceu o príncipe herdeiro D. João370. Seguindo a tradição, o príncipe foi baptizado poucos dias depois, com grande pompa, na Sé de Lisboa. Embora as fontes que descrevem a cerimónia do baptizado do príncipe herdeiro não sejam unânimes, existe uma versão, de procedência anónima, que alude ao facto de o conde de Arraiolos ter sido um dos padrinhos do herdeiro do trono, conjuntamente com o infante D. Fernando, irmão do monarca, ocupando um lugar de grande destaque no cerimonial do baptismo371. Com a morte dos infantes D. Fernando, D. João e D. Pedro, os grandes protagonistas políticos do reino eram agora o infante D. Henrique, o infante D. Fernando, o velho duque de Bragança e os seus filhos, D. Afonso e D. Fernando.

Nesse mesmo mês, no dia 25, D. Fernando foi distinguido com o título de marquês de Vila Viçosa372. Era a segunda vez que um monarca português agraciava um nobre com o título de marquês. A primeira concessão do título fora feita a D. Afonso, irmão de D. Fernando, que, desde 1451, era marquês de Valença.

É interessante notar como, ao contrário do que acontecera com as doações de títulos feitas ao seu pai (duque de Bragança, em 1442) e ao seu irmão (marquês de Valença, em 1451), a D. Fernando foi-lhe feita mercê de um título de um senhorio que já possuía, não lhe tendo sido feita doação de terras. Ou seja, mais do que um acrescentamento aos seus rendimentos, este novo título equivalia, “em termos imediatos, ao reconhecimento régio do prestígio e poder do titulado, correspondendo, assim, à atribuição de um outro sinal distintivo da sua categoria social”373. Seria

370 Em 1451 a rainha D. Isabel dera à luz um menino, o primeiro filho do casal, também chamado João. A

criança morreu pouco tempo depois e foi sepultada no mosteiro da Batalha. Em 1452, nasceu a infanta D. Joana, que até ao nascimento do infante D. João (futuro D. João II) recebeu o título de princesa, mas que não foi confirmada como herdeira do trono em cortes. Cf. Saúl António GOMES, D. Afonso V... cit., p. 90.

371 Notícia sobre o baptizado do príncipe D. João na Sé de Lisboa a 28 de Maio de 1455, publicada em

M.H., vol. XII, doc. 68, p. 133. Diz o relato que “trazia o nos braços [ao príncipe] o iffante dom Fernando, sseu tyo. E hya com elle a iffante dona Cateryna, ssua tya, e a ssenhora dona Felypa, irmãa da rrainha. E a oferta traziam, a saber, o ssaleiro dom Fernando de Meneses e o agomyll e baçyo dom Duarte de Meneses e o baçyo com a oferta Lyonell de Lima e o paleo, que era de brocado rrico, leuaua o dom Fernando, ffilho do conde dArrayolos, e o prioll do Crato e, no couce delle, o marques de Villa Viçosa, pay do dito dom Fernando, e o conde de Villa Real. Forom padrynhos o iffante dom Fernando e o dito marques de Villa Viçosa e madrynhas a dita iffante dona Caterina e dona Briatriz de Meneses”.

372 Concessão do título de marquês de Vila Viçosa, Guimarães, 25 de Maio de 1455. ANTT, Chancelaria

de D. Afonso V, liv. 15, fl. 50. Publicado em Provas, tomo III, parte 2, p. 148.

373 Luís Filipe OLIVEIRA e Miguel Jasmins RODRIGUES, «Um processo de reestruturação do domínio

social da nobreza. A titulação da 2ª dinastia», in Revista de História Económica e Social, n.º 22, Janeiro- Abril, 1988, p. 84.

também o último título que D. Fernando esperava receber já que era o seu irmão o herdeiro do ducado de Bragança.

Esta distinção conferida a D. Fernando, membro da mais alta nobreza portuguesa, mas ainda assim um secundogénito, parece-nos ter sido feita com base no trajecto que havia construído ao serviço da coroa. Por outro lado, a concessão do marquesado colocava D. Fernando novamente num plano de protagonismo social muito semelhante ao do seu irmão primogénito, D. Afonso. É interessante notar que a concessão do marquesado de Valença foi feita meramente a título vitalício. Não sabemos se o monarca optou por esta forma de mercê pelo facto de D. Afonso ser já o herdeiro do ducado de Bragança, evitando assim a concentração de títulos num presumível herdeiro seu. Se D. Afonso tinha de jogar com a futura herança do pai, o duque de Bragança (como aliás tinha acontecido aquando da criação do ducado na regência de D. Pedro, relembremos que o conde de Ourém tinha sido o primeiro a solicitar ao infante a doação do senhorio de Bragança) o mesmo não acontecia com D. Fernando; a casa de Arraiolos/Vila Viçosa era autónoma do ducado de Bragança. Data desta altura, mais precisamente de 7 de Setembro 1454 (um ano antes da concessão do marquesado), o único testamento de D. Fernando que chegou até nós374. Como já aqui foi referido, o conde fizera uma adenda ao seu testamento durante o tempo em que foi capitão de Ceuta, pelo que podemos afirmar que já havia feito um testamento antes deste375 (D. Fernando salientou que o seu testamento feito anteriormente devia ser “anichillado”, excepção feita à adenda que redigira em Ceuta devido à divida do infante D. Henrique”376).

Sem grandes surpresas, o conde de Arraiolos nomeava como herdeiro o seu filho primogénito, D. Fernando, e os restantes filhos (que fossem vivos aquando da sua morte). A criação dos filhos menores ficaria a cargo de D. Joana de Castro e, caso esta falecesse, seria D. Fernando (II) o responsável pela educação dos irmãos, ao qual recomendava que aceitasse este carrego, “como com elle tenho falado”. Seriam seus testamenteiros D. Joana e D. Fernando, que deveriam saldar todas as suas dívidas (e por dívidas entenda-se tudo aquilo que o conde devia e tudo o que fosse cobrado pelos seus couteiros, desde porcos, a lebres e perdizes).

374 Publicado em Provas, tomo III, parte 2, pp. 145-147. Foi copiado por D. António Caetano de Sousa do

original que então existia no Arquivo da Casa de Bragança.

375 Era muito comum os nobres redigirem testamentos antes de partirem para um teatro de guerra, como

Ceuta.

Senhor de uma importante casa, o conde de Arraiolos, recomendava à sua esposa e aos seus filhos que trabalhassem muito para a manter, sem a dividir e sem nela fazer grandes mudanças e inovações. A sua grande preocupação era para com os seus criados. O conde solicitava ao rei, aos infantes, ao seu pai, o duque de Bragança, e ao seu irmão, que os tivessem em especial consideração. Recomendava aos seus testamenteiros que respeitassem as doações, tenças e contratos que fizera com os seus servidores, que pagassem os casamentos daqueles que já eram casados e se esforçassem para bem casar os solteiros, quer os homens, quer as mulheres, agasalhando-os e dando-lhes condições para criar as suas casas. D. Fernando, à semelhança do que acontecia com os infantes e com o seu pai e o seu irmão, tinha em seu redor um grande corpo de oficiais e funcionários administrativos encarregados da gestão e administração da sua casa, um pouco como uma corte que replicava o modelo régio. Era para com eles a sua maior preocupação. Aliás, através da documentação régia temos acesso a uma longa lista de servidores seus para quem D. Fernando solicitou mercê ou perdão régios, constando entre eles o seu capelão-mor, Martim Vasquez; o escrivão da Cozinha, João Gomes; Mestre Judas, o seu cirurgião; o escrivão da Puridade, Vasco Afonso, Pedro Afonso, o escrivão da Fazenda; e inúmeros besteiros, trombetas, ouvidores, escudeiros, monteiros, criados e fidalgos da sua casa377.

Homem extremamente devoto e como um grande sentido de dever, o conde deixava de herança aos filhos o desejo de que fossem “principalmente servidores de Deos, e de sy, de seu Rey”378 e recomendava-lhes que mais do que trabalharem para a fortuna, deveriam agir em nome da justiça e da bondade.

D. Fernando fazia também doações de rendas ao mosteiro de Vila do Conde e de seis moios de trigo ao Mosteiro do Carmo, e mandava que tudo isto fosse pago do montante principal pois a terça estava destinada à sua alma, e o que sobrasse desta terça seria herdado pela condessa D. Joana. Era também a ela que deixava a sua “câmara cerrada com todos os ofícios, que pertence a serviço da Casa e da Capella”379.

377 Consulte-se a lista dos oficiais que compunham a casa de D. Fernando em anexo. É curioso notar que a

informação que conseguimos recolher acerca dos seus funcionários é, na sua grande maioria, respeitante ao período em que foi conde de Arraiolos. Supomos que ao ascender ao ducado de Bragança D. Fernando tenha ficado responsável pelos séquitos do seu pai e do seu irmão, mas não temos documentação que nos permita corroborar esta afirmação, ou que nos permita analisar o aumento de funcionários da casa de D. Fernando a partir do momento em que esta passou a ducado.

378 Provas, tomo III, parte 2, p. 146. 379 Ibidem.

Os seus testamenteiros ficavam também incumbidos de lhe escolher um local para a sepultura, o que melhor lhes aprouvesse, podendo, para os auxiliar, nomear mais testamenteiros. Todavia, o conde não queria que se fizessem por ele as cerimónias de vanglória que era costume realizarem-se pelos mortos, encomendando aos seus testamenteiros que, em vez disso, e depois de terem pago todas as suas dívidas, mandassem apregoar em todas as suas terras a notícia da sua morte e que todas as malfeitorias e danos por ele, ou pelos seus, causados, fossem concertados.