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O condicionamento da atuação da administração pública: a questão do compromisso constitucional

4. A probidade administrativa como um direito fundamental: repercussões jurídico legais

4.3 O condicionamento da atuação da administração pública: a questão do compromisso constitucional

Legislativo ordinário tem de respeitar os direitos fundamentais quando age ao produzir qualquer restrição a um direito fundamental.” (SILVA, P., 2010, p. 40). No mais, como se sabe, a eficácia dos direitos fundamentais não é apenas direta, mas também por irradiação (efeito irradiador), considerando-se a necessidade de intervenção legislativa (eficácia horizontal indireta). Assim, Dimoulis e Martins (2011, p. 106) ensinam que “[...] os direitos fundamentais desenvolvem um ‘efeito de irradiação’ (Ausstrahlungswirkung) sobre a legislação comum.”

Enfim, o reconhecimento do direito fundamental à probidade administrativa acaba provocando, entre outras relevantes consequências, a vinculação legislativa aos parâmetros traçados pelo texto constitucional.

No mais, é válido anotar que o legislador também é guiado pelos direitos fundamentais não só no sentido de se limitar ao conteúdo deles, mas também na obrigação de lhes dar efetividade. Assim, “[...] o dever de editar normas de concretização dos direitos fundamentais carentes de regulação não pode ser confundido nem afastado pela tão reverenciada liberdade de conformação do legislador.” (CUNHA JÚNIOR, 2010b, p. 602).

4.3 O condicionamento da atuação da administração pública: a questão do compromisso constitucional

No âmbito da administração pública, do Poder Executivo, e, de mesmo modo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, guardando-se as peculiaridades, obviamente, o direito fundamental à probidade administrativa também serve como referencial normativo, exatamente porque “[...] a vinculação primeira e mais importante da Administração Pública

diz respeito aos direitos fundamentais [...]”, nas palavras de Binenbojm (2007, p. 767). Assim, cabe aos agentes públicos, quaisquer que sejam, exerçam a função que exerçam, limitar a sua atuação pelos parâmetros da honestidade, eficiência e lealdade funcionais; enfim, baseados no compromisso constitucional de probidade, uma vez que “A vinculação do Poder Executivo aos direitos fundamentais também é teoricamente pacífica.” (SILVA, P., 2010, p. 41). Em outras palavras, “O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direito a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário.” (BARROSO, 2013a, p. 223).

Assim, o direito fundamental à probidade administra condiciona a atuação de toda a administração pública, de forma que toda a atividade administrativa deve pautar-se pelo compromisso constitucional de servir com honestidade, eficiência e lealdade. Em outras palavras, “[...] a ação de governo e a atuação administrativa hão de orientar-se pelos parâmetros e vetores constitucionais [...]” (MUNÔZ, 2012, p. 15)318

. E é exatamente por isto que o agente público319 baseia sua atividade funcional não só pela honestidade, como também pela lealdade à sua instituição e pela eficiência. Observe-se que a LIA tipifica os atos ímprobos em três artigos diversos: art. 9° (“Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito”), art. 10 (Dos Atos de Improbidade Administrativa que

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Analisando a Constituição espanhola, Muñoz (2012, p. 15 e 16) faz a seguinte observação: “Nesse sentido, há que pensar na operatividade do artigo 9.2 da Constituição espanhola, bem como no artigo 10.1, no artigo 24, no artigo 31 e no art. 103.1, a partir de um ponto de vista geral. Sob uma perspectiva mais setorial, conforme as políticas públicas sobre as quais trabalharemos, havemos de buscar apoio nos princípios reitores da política social e econômica, princípios que, segundo o artigo 53.3 da Constituição Espanhola, ´informarão a legislação positiva, a prática judicial e a atuação dos poderes públicos’.”

319 O art. 1° da LIA assim dispõe: “Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou

não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.” O art. 2° da mesma lei complementa: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

Causam Prejuízo ao Erário) e art. 11 (“Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública”). Esta divisão, longe de ser fortuita, como visto, visa justamente adequar a legislação ordinária ao parâmetro constitucional fincado em um direito, como visto, de natureza fundamental: o direito fundamental à probidade administrativa.

Assim, uma característica marcante do direito fundamental à probidade administrativa, dentro do ambiente do direito fundamental à boa gestão pública, de onde também se extrai, é exatamente vincular a administração pública, torná-la refém dos compromissos constitucionais, de suas regras e de seus princípios, uma vez que “[...] a Administração Pública em seu sentido mais amplo [...] está estritamente vinculada à observância dos direitos fundamentais [...]” (FERNANDES, 2011, p. 249). A administração pública é, por assim dizer, vinculada, pautada, condicionada aos ditames estabelecidos pelo próprio texto constitucional, que lhe reservou um capítulo inteiro e vários dispositivos esparsos, salientando-se que, nas palavras de Silva, P. (2010, p. 38), uma das características dos direitos fundamentais é exatamente a “[...] vinculação dos poderes estatais a eles.” Assim, há um condicionamento da administração pública, baseado no compromisso constitucional que lhe foi dirigido, mesmo porque “O direito fundamental à boa administração pública vincula, e a liberdade é deferida somente para que o bom administrador desempenhe de maneira exemplar suas atribuições.” (FREITAS, 2009, p. 43).

No caso do art. 9°, tipificam-se os atos ímprobos que causam enriquecimento ilícito (desonestidade funcional em sentido estrito). Os atos do art. 10 tratam, também, dos casos de ineficiência administrativa, exatamente como determina o art. 37 da Constituição Federal de 1988. E os casos do art. 11 enfrentam os atos ímprobos que atentam contra os princípios da administração pública.

A LIA, neste caso, ao tipificar320 os atos considerados ímprobos, acaba por condicionar, ainda que negativamente, a administração pública. Observe-se que o legislador ordinário, seguindo os parâmetros traçados no próprio texto constitucional, disciplinou, em via de mão dupla, o que não deve ser feito pelos agentes públicos. Trata-se, enfim, de explícita limitação ao agir administrativo, na medida em que se modulam os tipos funcionais capazes de configurar os atos ímprobos.

No caso da Constituição Federal, este condicionamento também é explícito. O art. 14, § 9°, diz que “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa [...]” O recado foi dado à administração pública, em especial a aqueles que exercem, ou querem exercer, funções públicas eletivas: a proteção à probidade administrativa é ordem constitucional.

No âmbito dos direitos políticos, o art. 15 do texto constitucional determina que “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: [...] V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.” Em suma, o descompasso com a probidade administrativa gera, ou pode gerar, medidas drásticas, como a cassação de direitos políticos. Neste sentido, o art. 37, § 4°, da Constituição Federal estabelece exatamente que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível [...]” Assim, as reprimendas legais aos que descumprirem os parâmetros estabelecidos na legislação constitucional e na legislação ordinária são, no dizer do próprio texto constitucional, “[...] suspensão dos direitos

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“Um ato ímprobo é, por definição, típico. O tipo expressa o modelo de conduta proibida.” (OSÓRIO, 2007, p. 291). Bertoncini (2007, p. 158 e 159), por sua vez, assim se posiciona: “Fazendo um breve parêntese, é importante frisar que a expressão tipo, ora empregada, não é privativa do direito penal, pertencendo à teoria geral do direito e querendo significar determinado padrão ou modelo. Como diz Francisco de Assis Toledo, o termo tipo 'é utilizado em todas as áreas do conhecimento para separar e agrupar em classes objetos particulares que apresentem algo de comum'.”

políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário [...]”

No mais, evidenciando-se a importância da probidade administrativa no âmbito da administração pública, o art. 85 da Constituição Federal tipifica como crime de responsabilidade “[...] os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] V - a probidade na administração; [...]”

Além disso, o art. 37 do texto constitucional condiciona a atuação da administração pública aos parâmetros princiopiológicos ali estabelecidos: “[...] aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]” E, consigne-se, a ofensa a tais princípios, como visto, configuram, ou podem configurar, especificamente, atos de improbidade administrativa (art. 11 da LIA).

Enfim, não há dúvidas de que o direito fundamental à probidade administrativa serve, também, para condicionar toda a atividade administrativa, na medida em que o agente público que não se adequar aos parâmetros normativos acabará respondendo por isto, inclusive com a possibilidade de perda da função pública321. O certo é que a leitura da probidade a partir de uma visão jusfundamental tem também a importância de “[...] revalorizar o papel do probo,

eficiente e eficaz agente público, notadamente da Carreira de Estado.” (FREITAS, 2009, p.

15), até porque há, no dizer de Garcia e Alves (2008, p. 22), uma “[...] relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo.”

321 O art. 12 da LIA, que se reporta às sanções, assim dispõe: “Independentemente das sanções penais, civis e

administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9°, [...] perda da função pública [...]; II - na hipótese do art. 10, [...] perda da função pública [...]; III - na hipótese do art. 11, [...] perda da função pública [...]”

4.4 A impossibilidade de interpretações reducionistas e a compatibilidade normativa: a

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