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Os paradigmas constitucionais e sua relevância metodológica A busca pelo conhecimento e pela integridade do sistema jurídico

Há uma incessante busca do homem pelo conhecimento, pelo aperfeiçoamento das ciências, dos institutos, dos modelos formatados. Este processo evolutivo transita nas conquistas e derrotas humanas, gerando expectativas científicas, campos de atuação experimental etc. No Direito, de mesmo modo, e no âmbito de um cenário pós-positivista, é certo que se busca uma maior integridade histórica e cultural do sistema jurídico. A formatação da ciência jurídica faz parte, assim, desta busca pelo conhecimento, um constante andar para frente, que acaba por contribuir, e não raro contribui, para o surgimento de tensões ideológicas, religiosas etc.

Essa busca pelo conhecimento é acompanhada de intolerâncias de toda ordem e transita no terreno movediço da dúvida. O certo é que “Toda produção de conhecimento requer redução de complexidade e, nessa medida, produz igualmente desconhecimento.” (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2011, p. 28). Há, assim, um caminho obscuro a ser preenchido, um universo de dúvidas a ser visitado. E este ambiente é fértil para as tensões científicas que podem e devem surgir.

No âmbito do Direito, as tensões oriundas da busca pelo conhecimento e pelo aperfeiçoamento científico e dos resultados conquistados, vivem em constante ebulição. Neste

54 Carvalho Netto e Scotti (2011, p. 66) falam da necessidade de “[...] que se assegure na decisão, a um só tempo,

a aplicação de uma norma previamente aprovada (fairness – aqui empregada no sentido de respeito às regras do jogo, algo próximo do que Kelsen denominava certeza do direito) e a justiça no caso concreto, cada caso é único e irrepetível.”

caso, é aconselhável pensar que “É próprio da esfera normativa deontológica, especialmente no caso do direito, o requisito de se lidar com normas contrárias em permanente tensão sem que isso implique em contradição.” (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2011, p. 144). Enfim, as tensões e aparentes e efetivas contradições convivem no ambiente científico, sem que isto denote um caminhar para trás.

Observe-se, a título de exemplo, uma eventual confusão mental ocorrida com o aperfeiçoamento dos sistemas de identificação biológica. No mesmo tempo em que a paternidade biológica passou a ter segurança científica, com realização de exames de DNA, a paternidade afetiva passou a ter relevância e primazia jurídicas. Soa como contradição, mas faz parte dos dissensos da ciência.

Nesse contexto, o pós-positivismo, com o aproveitamento da normatividade dos princípios, passou a gerar algumas tensões, principalmente entre os valores, entre os princípios, na busca por nortes ideológicos que muitas vezes caminham em sentidos diversos, como a segurança jurídica, a efetividade etc. Vejamos que “Uma boa explicação para o princípio da publicidade, por exemplo, requer que sempre se tenha em mente o da privacidade, e vice-versa.” (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2011, p. 38). Em suma, na ponderação de um princípio constitucional, por exemplo, não se pode deixar de sopesar outro. Deste modo, a construção de paradigmas55 minimiza o problema da (aparente) contradição, na medida em que se tem uma resposta minimamente científica para as dúvidas que surjam, salientando-se que “O primeiro e grande desafio é sabermos que se, por um lado, os direitos fundamentais promovem a inclusão social, por outro e a um só tempo, produzem exclusões fundamentais.” (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2011, p. 42 e 43).

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Carvalho Netto e Scotti (2011, p. 31 e 32) ensinam, baseados na doutrina de Kuhn, que “[...] podemos sim trocar de paradigmas, mas sempre que o advento de novas gramáticas de práticas sociais permitirem a troca de paradigma, esse vai ser um novo filtro, como óculos que filtram o nosso olhar, que moldam a forma como vemos a chamada realidade.”

No que tange aos Poderes constituídos, o ambiente pós-positivista acabou permitindo uma atuação mais efetiva do Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais56, um protagonismo supostamente incompatível por quem deve, em linguagem convencional, apenas “falar nos autos”. E esta atuação mais efetiva acabou gerando especulações de atuação indevida, usurpação de funções alheias etc57. O campo de atuação do Poder Judiciário foi, assim, questionado, na medida em que os seus excessos passaram a transformar os juízes em espécie de legisladores paralelos. Assim, “[...] o legislador pode temer o juiz por estar a magistratura a pretender atuar como um legislador paralelo, numa espécie de revisor

universal da justiça das leis e, consequentemente, criador do Direito a ser aplicado.”

(TAVARES, 2012, p. 22).

Vejamos, assim, que o problema surge quando o juiz, em óbvia atividade legislativa, passa a criar (?) o Direito, gerando uma tensão entre Poderes. Observe-se, ainda, que “Esse tipo de situação pode originar-se de inclinações ideológicas da magistratura, mas não por isso. Pode ser, também, uma espécie de reação da própria à fraqueza e estagnação legislativas.” (TAVARES, 2012, p. 22) A tensão acaba por se duplicar porque, conforme ensina Tavares (2012, p. 23), “A equação aqui é, portanto, do juiz desconfiado que leva ao legislador desconfiado.”

56 Sobre isto, vejamos o que ensina Tavares (2012, p. 15): “Aliás, a própria ideia de ‘defensor’ da Constituição é

insuficiente para tratar da atuação atual do juiz constitucional que, para além de uma postura passiva, de operatividade apenas pós-violação constitucional, incute a ideia de uma atuação ativa (e ativista), na plena realização constitucional, especialmente uma concretização dos direitos fundamentais e na leitura constitucionalmente conforme das demais regras jurídicas válidas e vigentes. A mudança assim promovida é, em certo sentido, radical e, justamente por isso, tem recebido, ainda hoje, repulsa por parte da doutrina e até por parte da magistratura. Isso se deve, em parte, pela resistência ‘natural’ que costuma se formar contra mudanças significativas no status quo, especialmente quando se impõe uma diversificação em estruturas já consolidadas no tempo.”

57 Conforme Tavares (2012, p. 59 e 60), “[...] algumas decisões da Justiça Constitucional geram insatisfação no

espaço político-partidário, na mídia e no Governo, chegando, por vezes, deflagrar uma situação mais séria de crise institucional.”

Há, assim, uma espécie de guerra fria entre Poderes, na delimitação das fronteiras de suas ocupações institucionais. Contudo, esta relação é naturalmente tensa, sendo consequência do processo evolutivo da ciência e da própria estrutura e divisão de tarefas constitucionais, na medida em que um Poder acaba por frear e se contrapor ao outro. Enfim, o que se vê é um ambiente de desconfiança, fruto, exatamente, desta divisão periférica de funções. No caso em tela, o presente estudo se intromete especificamente na tensão originada da atuação normativa do juiz, uma vez que “[...] o resultado legítimo que essa desconfiança pode provocar, está ligado ao tema da interpretação e o papel do juiz na interpretação das leis e da Constituição.” (TAVARES, 2012, p. 25 e 26).

O que se sabe é que a normatividade dos princípios possibilitou ao intérprete-juiz, como dito, um alargamento de sua atividade de interpretar e de aplicar o Direito ao caso concreto. E, considerando-se que o Direito posto deixa lacunas que devem ser preenchidas, muitos temas acabam por ter a última palavra dada pelo Judiciário, que é instigado a solucionar conflitos58, quando tais temas poderiam ser resolvidos pelo Parlamento59, através de suas escolhas políticas. Contudo, “O conhecimento produzido também produz, em igual medida, desconhecimento.” (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2011, p. 28), e esta atuação do

58 Carvalho Netto e Scotti (2011, p. 21 e 22) ensinam que “[...] nós, até hoje e a cada vez mais, escrutinamos,

todos os dias, os nossos usos, costumes e tradições para discernir os que podem continuas a sê-lo, daqueles que, quando questionados à luz do conteúdo do sentido sempre renovado desses crivos, passam a ser vistos como abusos e discriminações.”

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Tavares (2012, p. 67), sobre a famigerada falta de legitimidade do Poder Judiciário para manifestar-se sobre questões políticas, assim se manifesta: “Esse tema, contudo, também não será objeto de desenvolvimento aqui, embora uma concepção de legitimidade exclusiva do Parlamento na tomada de decisões materiais afaste a legitimidade do juiz constitucional e deva ser, nesse sentido, descartada de imediato, porque não conduz necessariamente à preservação e melhor compreensão dos direitos fundamentais na sociedade complexa, seja pela incapacidade orgânica dos parlamentos atuais, incapazes de compor uma unidade (mínima) imprescindível à ordem jurídica, seja pela sua inefetividade geral, seja, ainda, pela responsabilidade constitucional, que não é exclusiva dos parlamentos.” Adiante, Tavares (2012, p. 104) enumera argumentos favoráveis à legitimidade do Poder Judiciário: “(i) a própria Constituição, fruto da vontade soberana de uma sociedade, admite os termos em que a Justiça Constitucional pode e deve atuar, inclusive vinculante a outros órgãos estatais; (ii) a capacitação técnica é uma das melhores formas de legitimidade; (iii) a promoção dos direitos fundamentais (legitimidade pela representatividade eletiva), pois a legitimidade democrática não depende apenas da formação de maiorias votantes.”

Judiciário tem sido enxovalhada sob o argumento de ativismo judicial60, expressão chula61, que exprime, em síntese, invasão da atividade parlamentar por juízes62. Contudo, é válido anotar que “Ativismo nem sempre será sinônimo de populismo.” (TAVARES, 2012, p. 23)63

. O importante, nesse contexto, é debater que (a) esse “protagonismo”64

do Poder Judiciário foi alargado com o reconhecimento da normatividade dos princípios; (b) que isto acaba fomentando uma natural tensão entre Poderes; e que (c) a noticiada “criatividade normativa” não constitui, necessariamente, inovação legislativa, e há marcos teóricos para contornar eventuais abusos e anomalias.

1.7 Os inconvenientes do sistema constitucional de valores: indevidas inovações

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