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CAPÍTULO II – O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO INSTITUIÇÃO DE

2. A CONSTRUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO INSTITUIÇÃO

3.3 A atuação do Ministério Público como instituição de garantia

3.3.1 O conflito entre a independência funcional e o planejamento institucional

Considerar o Ministério Público como instituição já traz ínsita a noção de unidade em prol de um objetivo. De fato, a unidade é um dos princípios institucionais do Ministério Público, estabelecido pela própria Constituição Federal, em seu artigo 127, § 1º. “Por este princípio, entende-se que o Ministério Público se constitui de um só organismo, uma única instituição. Quando um membro do parquet atua, quem na realidade está atuando e o próprio Ministério Público”126. E como decorrência natural e direta da unidade, a Carta Magna estabelece ainda o princípio da indivisibilidade, que “significa que a instituição, o organismo, não pode ser dividido. Quando um membro da instituição substitui o outro, é o próprio Ministério Público que continua a atuar”127. A idéia de conjunto trazida por esses dois princípios institucionais é extremamente forte.

A tarefa confiada ao Ministério Público é gigantesca, com uma imensa gama de atribuições a exercer e direitos a defender. Para o cumprimento eficaz dessa missão é preciso que sejam traçados planos e estratégias, a fim de que os membros da instituição possam agir de maneira uniforme, visando alcançar a máxima efetividade no desempenho de suas atribuições.

Esse cenário ideal encontra, todavia, um argumento contrário levantado pelos próprios membros do Parquet, visando privilegiar a tomada de decisões de cunho estritamente individual e somente com base em sua consciência: a previsão, também constitucional, do princípio da independência funcional.

Baseados nesse princípio, membros do Ministério Público se recusam a seguir diretrizes apontadas pelos órgãos superiores da instituição, que orientam uma atuação uniforme em determinadas áreas, com a finalidade de combater sérios problemas, com a máxima eficiência. Essas diretrizes e planos são geralmente fundamentados em estudos sérios, com base científica e estatística, e apontam as áreas cuja atuação do Ministério Público seria mais carente, e mais urgente128.

126 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor

natural: atribuição e conflito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 43.

127

Ibidem, p. 44.

128 Um bom exemplo desses planos de atuação é o Plano Estratégico do Ministério Público do Estado do Espírito Santo – MPES 2025. Ele estabelece, com base em dados e estudos realizados, objetivos estratégicos a serem seguidos pela instituição até o ano de 2025. Nas palavras do Procurador Geral de Justiça Fernando Zardini Antônio: “ [...] o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, objetivando

Maria Tereza Sadek expõe de maneira clara e direta as consequências desastrosas que podem decorrer dessa interpretação do princípio da independência funcional:

[...] Quando o Ministério Público optou e os constituintes acataram reproduzir o modelo do Poder Judiciário, houve um ganho em termos de garantias funcionais, mas uma perda do ponto de vista da atuação institucional, da atuação conjunta. Como a hierarquia é monocrática, ou seja, cada promotor é a própria instituição, é dificílimo planejar e, posteriormente, implementar uma política institucional. [...]

A ausência de uma hierarquia piramidal gera uma problemática realização daquilo que se caracteriza como unidade institucional. Na medida em que existe dificuldade de estabelecer prioridades, não há possibilidade de dizer que a instituição marcha de uma forma unitária e homogênea, de uma forma única e conjunta. O que se tem é a prevalência do princípio de que cada um pode ou não obedecer àquilo que foi estabelecido como central. É um mecanismo oposto ao que orienta o desenrolar de uma decisão típica da política majoritária. Em um processo democrático, baseado em preceitos majoritários, a maioria determina o que tem de ser obedecido por todos e a minoria respeita, porque sabe que um dia ela pode vir a ser maioria. No Ministério Público, diversamente, não opera esse sistema de tomada e de efetivação de decisões. Tem-se o desenvolvimento de um modelo caracterizado pelo individualismo, é um sistema “atomizado”, fragmentado, dividido. Para ilustrar, é o oposto de uma orquestra, de uma instituição regida por princípios democráticos majoritários. Nesse modelo atomizado, embora exista a função do maestro, cada um pode seguir a partitura que desejar129.

A independência funcional, utilizada como justificativa para que o membro do Ministério Público aja como uma ilha isolada, pode impedir que importantes objetivos institucionais sejam alcançados. “Em consequência, a independência funcional do integrante da instituição, que se acredita representar a garantia, por excelência, do exercício pleno de suas obrigações, gera o enfraquecimento, o não o fortalecimento institucional, ao ser impulsionada pelo individualismo”130

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dar um salto de qualidade em seus serviços, realizou recentemente um minucioso diagnóstico, que mobilizou membros e servidores, com intuito de detectar pontos que pudessem se constituir em futuros desafios para a Administração Superior, com vistas a tornar a Instituição capacitada a responder às grandes demandas da sociedade capixaba. Os setores que mais se desenvolveram e as áreas que ainda carecem de maior atenção foram objeto de análise aprofundada, dentro de critérios científicos e que resultaram no trabalho que temos a honra de publicar, mostrando à sociedade capixaba o retrato fiel da Instituição, sua realidade atual e seus propósitos para os próximos anos” (PLANO ESTRATÉGICO – MPES 2025. Vitória: Ministério Público do Estado do Espírito Santo, 2009, p. 15).

129 SADEK, Maria Tereza. A construção de um novo Ministério Público resolutivo. De Jure – Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. N. 12. Jan/Jun 2009, pp. 134-135.

É preciso deixar claro que não deve o princípio da independência funcional ser considerado um fim em si mesmo, e nem uma prerrogativa que se incorpora à pessoa do membro do Ministério Público. Ele foi outorgado para o cumprimento de uma finalidade específica: a satisfação do interesse público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, e a proteção dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Esse princípio não deve servir de estímulo ou escudo à vaidade do membro ministerial, devendo antes ornar o cargo e fortalecer seu agente no cumprimento dos objetivos traçados pela Constituição Federal131.

Nesse sentido, no âmbito da definição de seus objetivos estratégicos, é preciso que o Parquet trace Planos e Programas de Atuação Institucional, fixando metas prioritárias que devem ser seguidas pela instituição e seus membros, como decorrência do princípio da unidade institucional132. Nessa mesma linha, ao tratar do tema das instituições e da justiça formal, destaca John Rawls que “a conduta dos indivíduos, guiada por seus planos racionais, deve ser coordenada tanto quanto possível para atingir resultados que, embora não pretendidos ou talvez nem mesmo previstos por eles, sejam mesmo assim os melhores do ponto de vista da justiça social”133

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Os membros do Ministério Público devem, portanto, unir seus esforços em torno do Plano de Meta Institucional, a fim de buscar a máxima efetividade e unidade em sua atuação, em prol da sociedade. Portanto, conforme salientado no tópico anterior, deve o Promotor de Justiça, em sua comarca, buscar um contato direto com a sociedade civil, visando conhecer os problemas mais graves e urgentes daquela localidade. No entanto, ao traçar a maneira como se dará sua atuação, é preciso que seja priorizado o cumprimento do Plano de Metas Institucional, buscando conjugar os problemas que necessitam ser resolvidos em sua comarca, com os objetivos traçados no Plano de Metas.

131 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 68.

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ALMEIDA, Gregório Assagra. O Ministério Público no Neoconstitucionalismo: Perfil

Constitucional e Alguns Fatores de Ampliação de sua Legitimação Social. In Temas atuais do

Ministério Público: A atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal. CHAVES, Cristiano et al. (coord.). 2 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 53.