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CAPÍTULO IV – A DINÂMICA DO INQUÉRITO CIVIL NO

2. FASE DE INSTRUÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL

2.1 Os deveres-poderes do Ministério Público no Inquérito Civil

O inquérito civil é um instrumento outorgado ao Ministério Público para que possa desenvolver plenamente suas atribuições visando defender e promover os direitos subjetivos individuais indisponíveis e coletivos.

Para o exercício dessas atribuições o ordenamento jurídico previu uma série de poderes ao membro do Ministério Público. Tais poderes, no entanto, são concedidos não em benefício de seu titular, mas como instrumento para se atingir uma finalidade que transcende os interesses do membro do Ministério Público. Nesse sentido, mais do que poderes, são deveres-poderes, limitados pela finalidade preestabelecida pelo ordenamento jurídico246.

Dentre os deveres-poderes passíveis de serem exercidos pelo membro do Ministério Público, visando a instrução do inquérito civil, podemos elencar os seguintes: dever-poder de requisição, dever-poder de notificação, dever-poder de

inspeção, dever-poder de recomendação e dever-poder de realização de audiências públicas247.

O dever-poder de requisição consiste em uma ordem emanada do órgão ministerial que deve ser cumprida pelo seu destinatário. O descumprimento somente se justifica na hipótese de ordem manifestamente ilegal.

A requisição do Ministério Público pode englobar a exigência do fornecimento de documentos, certidões e informações pelo destinatário, em prazo não inferior a dez dias úteis, conforme previsão do artigo 8º, § 1º, da Lei 7.347/85248. O não atendimento

246 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2010,, p. 83.

247 Os deveres-poderes indicados possuem previsão normativa expressa em diversos dispositivos do microssistema processual coletivo, cf. art. 8º da Lei 7.347/85; art. 6º da Lei 7.853/89; art. 201 da Lei 8.069/90; art. 90 da Lei 8.078/90; art. 26 da Lei 8.625/93; art. 8º da Lei Complementar 75/93 e art. 74 da Lei 10.741/03.

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José dos Santos Carvalho Filho lembra que “a Constituição em vigor insere, entre as funções institucionais do Ministério Público, o poder de requisitar informações e documentos para instruir os procedimentos administrativos de sua competência, na forma da lei complementar respectiva (art. 129, VI). Não fez o mandamento qualquer restrição para o exercício dessa função. Admitiu até mesmo que a função fosse regulamentada pela lei complementar própria. Nota-se, portanto, que esse direito outorgado

da requisição pode configurar a prática do crime previsto no artigo 10249 dessa mesma lei, salvo se a requisição estipular prazo inferior a dez dias úteis, para seu cumprimento.

A Resolução nº 23 do Conselho Nacional do Ministério Público, estabelece ainda em seu artigo 6º, § 8º, que as notificações, requisições, intimações e outras correspondências expedidas por órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, destinadas as instruir inquérito civil ou procedimento administrativo preparatório, endereçadas a autoridades públicas com prerrogativa legal (v.g. Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores de Estado, desembargadores) deverão ser comunicadas pelo Procurador-Geral de Justiça, sem que ele exerça, no entanto, qualquer valoração acerca do conteúdo do expediente.

O dever-poder de notificação consiste na ciência dada ao investigado, testemunha ou terceiro para que compareça no local e hora designados a fim de prestar esclarecimentos necessários à instrução do inquérito civil250. A ausência injustificada do notificado pode gerar a sua condução coercitiva, para a qual deverá ser requisitada força

ao Ministério Público não há de sofrer, em princípio, o influxo normativo do art. 5º, XXXIII, da CF, que prevê, como já visto, o direito à informação com a ressalva do sigilo, e isso porque o dispositivo se encontra no capítulo destinado aos direitos e deveres individuais e coletivos, geralmente atribuído a particulares. No caso, porém, a relação jurídica é idêntica à que se atribui aos magistrados. Sendo magistrados e membros do Ministério Público agentes políticos do Estado, e, pois, detentores de parcela de poder, a regra constitucional não seria aplicável quando se tratasse do exercício das funções próprias desses agentes. Sempre voltados para o interesse público, não estariam eles mobilizados por outro tipo de interesse, como ocorre com os particulares em geral. [...] Magistrados e membros do Ministério Público têm o poder de requisitar certidões e informações mesmo nas hipóteses de sigilo, mas serão responsabilizados pelo uso indevido desses documentos” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação

Civil Pública. 8 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 287). O dever-poder

de requisição do Ministério Público somente pode ser limitado nas hipóteses previstas na própria Constituição Federal, não sendo aceitável a oposição tão comum do chamado “sigilo bancário” ao Parquet, conforme bem pondera Alexandre Amaral Gavronski: “O poder requisitório do Ministério Público no que se refere a informações cobertas por sigilos só é limitado no que há reserva de jurisdição constitucional, caso das comunicações telefônicas (art. 5º, XII). A obtenção de informação bancárias diretamente, i.e., sem autorização judicial, tem sido admitida pela jurisprudência somente no que respeita a verbas públicas, a despeito da amplitude conferida à requisição em questão no § 2º do art. 8º da LOMPU” (GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva: a

efetividade da tutela coletiva fora do processo judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2010, p. 302). No mesmo sentido: GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e

regime jurídico. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 357.

249 Art. 10 da Lei 7.347/85: “Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”.

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Segundo João Batista Martins César, a testemunha ouvida no inquérito civil pode cometer crime de falso testemunho, nos termos do artigo 342 do Código Penal. Por isso, deverá o membro do Ministério Público tomar o compromisso do depoente, antes de iniciar a sua oitiva (CÉSAR, João Batista Martins.

Tutela Coletiva: Inquérito Civil – Poderes Investigatórios do Ministério Público – Enfoques Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2005, pp. 56-57)

policial. Proença251 defende que a notificação (principalmente se contiver ameaça de condução coercitiva em caso de não comparecimento) só poderia ocorrer no âmbito do inquérito civil ou procedimento administrativo, sendo ilegal a condução coercitiva de pessoas para prestarem depoimento sobre fatos acerca dos quais não há qualquer procedimento instaurado formalmente. Nada impediria, no entanto, o atendimento espontâneo de um convite para comparecimento diante do membro do Ministério Público.

Ao exercer o dever-poder de notificação deve o membro do Ministério Público informar à pessoa que será ouvida se sua oitiva será realizada na qualidade de testemunha ou investigado. Tal expediente visa garantir a tal pessoa que exerça seu direito de defesa em sua plenitude, inclusive com a presença de seu advogado, caso figure na condição de investigado.

O dever-poder de inspeção é exercido pelo membro do Ministério Público em face de qualquer entidade, pública ou privada, visando a fiscalização direta, in loco, do efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal (art. 129, II, da CF), através da verificação das condições de funcionamento de hospitais, escolas, abrigos, asilos, etc.

O dever-poder de recomendação se materializa através de um instrumento escrito mediante o qual o membro do Ministério Público indica, exorta, instrui ou orienta pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a que deem trato especial ou com certa consideração, a serviços públicos ou de relevância pública, visando que sejam respeitados bens, direitos e interesses cuja defesa incumba à instituição, fixando prazo para tanto252. Trata-se de mais um instrumento de resolução de conflitos na esfera extrajudicial, que pode culminar com o atendimento espontâneo do destinatário, com a assinatura de um Compromisso de Ajustamento de Conduta, ou, ainda, com o ajuizamento de demanda judicial pelo Ministério Público, em caso de desatendimento do que foi recomendado.

251 PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito Civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço

da ampliação do acesso à justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 89.

252 BARBOSA. Osório; MEDEIROS. Sérgio Monteiro. A recomendação como instrumento de atuação

do Ministério Público da União in O Ministério Público e a ordem social justa: Dez anos da Lei

Complementar n. 75/93. MOURA JR., Flávio Paixão et al (coord.).Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 208.

O dever-poder de realização de audiências públicas consiste na realização de reuniões abertas ao público, nas quais devem ser estabelecidas regras visando a participação de todas as pessoas, com a finalidade de discutir temas de relevo para a sociedade, como o meio ambiente, a infância e juventude, a ocupação irregular do solo urbano, etc. Com base nos subsídios coletados na audiência pública o membro do Ministério Público poderá direcionar sua atuação de maneira mais efetiva, visando a resolução dos problemas mais urgentes da comunidade, livrando-se, ainda, da atuação com base somente no material que lhe é encaminhado por meio de representações, que por vezes possuem caráter de mera perseguição política253.