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O consumo de agrotóxicos e a saúde pública

No Estado de São Paulo, as intoxicações por inseticidas aumentaram 326,5% entre os anos de 1960 até o período de 1982 a 1984 (TRAPÉ, 1984, 1995). Já entre 1992 e 1994, foram registradas 8.785 ocorrências nos onze centros de controle de intoxicações, por causa de manipulação inadequada ou erro de aplicação de agrotóxicos (SCHARF, 1998). Pode-se supor que esse aumento seja decorrente do uso crescente de agrotóxicos e/ou do incremento do diagnóstico e notificação dos casos. Como exemplo, pode ser citado o caso do município de Apiaí, cujo hos- pital local registrou dez casos de internações em janeiro de 1998 por intoxicação por agrotóxicos na cultura de tomate; número recorde nos últimos 5 anos prece- dentes. Os produtos eram muitas vezes aplicados por mangueiras de pressão liga- das a motor-bomba. O despreparo e a educação precária do agricultor agravaram os problemas relacionados ao uso de agrotóxicos (BLECHER, 1998).

Para garantir a produção e controlar as pragas que atacam a sua cultura, o tomaticultor apoia-se em pacotes tecnológicos e utiliza a aplicação sistemática de produtos químicos. Em Goiás, no período de dezembro de 2004 a outubro de 2005, foram realizadas visitas, nas quais foram utilizados instrumentos como en- trevistas, questionários propostos aos trabalhadores que manipulam os agrotóxi- cos e observação livre nos seguintes municípios: Bonfinópolis, Corumbá de Goiás, Goianápolis, Leopoldo de Bulhões, Pirenópolis e Silvânia. A partir da análise das informações, foi possível concluir que os trabalhadores estavam constantemente expostos aos agrotóxicos e não estavam preparados para a manipulação dessas substâncias (ALVES et al., 2008).

Segundo o Ministério da Saúde e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), no Es- tado de Mato Grosso do Sul o número de mortes subiu de 143, em 1997, para 181, em 1998. O número de casos de intoxicação por agrotóxicos agropecuários totali- zou 5.268 por todas as causas em 1998. Alguns problemas que podem contribuir para casos de intoxicação são a aquisição de informações com leigos, o armaze- namento inadequado de restos de produtos e a falta de uso de EPI (equipamento

de proteção individual). Além disso, o analfabetismo impede o entendimento do rótulo do produto e sua aplicação correta.

No ano de 1994, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, foram atendidos 1.860 casos de intoxicações por agrotóxicos em hospitais universitários. Em 95% dos atendimentos a causa foi exposição aguda, enquanto em 5% dos casos a exposi- ção foi de subaguda a crônica. Entre os diversos tipos de intoxicação (acidental, suicídio, ocupacional, etc.), 20,7% dos atendimentos ocorreram em virtude de intoxicações ocupacionais. Entre essas, 22,3% foram relacionados a carbamatos, 9,5% a organoclorados, 25,6% a organofosforados, 15,3% a piretroides e 18,2% a outros tipos. Dos 1.860 casos acima citados, houve 1.440 internações, das quais 70 ocorreram em virtude das intoxicações ocupacionais. No Estado de Santa Ca- tarina, na região Sul do País, já no ano de 1992, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão de Tecnologia de Santa Catarina S.A. (Epagri), de uma amostra de 3.560 agricultores do estado, 47,1% sofreram intoxicação por agrotóxicos (PESQUISA..., 1992).

Dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmaco- lógicas (Sinitox) da Fiocruz apontam que 104.181 casos de intoxicação humana e cerca de 500 óbitos foram registrados em 2007 pelos centros de informação e assistência toxicológica em todo o País. O Sinitox tem o objetivo de coordenar o processo de coleta, compilação, análise e divulgação dos casos de intoxicação e envenenamento no Brasil. A região Sudeste registrou aproximadamente 46% dos casos de intoxicação humana, seguido da região Sul com cerca de 30%. De acor- do com o Sinitox, as três maiores letalidades por agente tóxico foram observadas para os agrotóxicos de uso agrícola, drogas de abuso e raticidas. Por sua vez, a principal circunstância das intoxicações são os acidentes individuais, coletivos e ambientais, que são responsáveis por aproximadamente 55% do total de casos registrados, seguido da tentativa de suicídio e da atividade de ocupação. Os da- dos do Sinitox alertam ainda que o sexo masculino apresenta o maior número de mortes por acidente com agrotóxicos de uso agrícola, com 112 registros em 2007, seguido pelas drogas de abuso (58), raticidas (26) e medicamentos (24). Para o

sexo feminino, destacam-se os medicamentos, com 53 óbitos, agrotóxicos de uso agrícola (50) e raticidas (20).

Os inseticidas, principalmente organofosforados e carbamatos, são os prin- cipais causadores das intoxicações humanas ocorridas no campo. Alguns estudos relacionam a exposição aos inseticidas organofosforados com sintomas de de- pressão, outros indicaram que a ocorrência de intoxicações agudas provocadas pela exposição aos agrotóxicos estava associada à prevalência de queixas refe- rentes ao sistema nervoso e a transtornos psiquiátricos menores, e a depressão e a ansiedade são os diagnósticos mais frequentes. O Programa Saúde da Família, atuante no 5º e no 7º distritos do Município de Nova Friburgo, RJ, observou várias queixas no meio rural que foram relacionadas a alterações do sistema nervoso. Após a realização de entrevistas, observações, anotações de campo e levanta- mento de pesquisas realizadas na área, destacou-se a associação entre as queixas referidas e a exposição a agrotóxicos (LEVIGARD; ROSENBERG, 2004).

A região de Passo Fundo no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, por sua vez, caracteriza-se pela produção de grãos (trigo, soja), nas quais grandes quanti- dades de agrotóxicos (fungicidas, inseticidas e herbicidas) são utilizadas. Por meio de estudos experimentais, verificou-se maior possibilidade de dano tóxico ao ma- terial genético em seres humanos expostos do que em não expostos (PACHECO; HACKEL, 2002). Já em um estudo realizado em uma comunidade agrícola locali- zada em Nova Friburgo, RJ, os protocolos empregados (questionário ocupacional, coleta de amostras biológicas para exame toxicológico e avaliação clínica – geral e neurológica) apontam a ocorrência de repetidos episódios de sobre-exposição múltipla a elevadas concentrações de diversos produtos químicos, com grave prejuízo para as funções vitais desses trabalhadores. No caso de adolescentes residentes em área rural na região serrana do Rio de Janeiro, foram observados efeitos decorrentes da exposição aos agrotóxicos, como alterações motoras e de atenção, principalmente na faixa de 10 a 11 anos (ECKERMAN et al., 2007). Esses dados demonstram a importância do monitoramento da múltipla exposição a agrotóxicos, uma cadeia de eventos de grande repercussão na saúde pública e no meio ambiente (ARAÚJO et al., 2007). A dificuldade da investigação laboratorial

em um contexto de tamanha complexidade química requer a utilização de todos os recursos existentes para investigar quadros de intoxicação (laboratoriais, ava- liações médicas, informações dos trabalhadores agrícolas e de técnicos da área), mesmo que resulte apenas em uma aproximação da realidade (FARIA et al., 2007).

Por sua vez, é comum alegar que os problemas provocados pelos agrotó- xicos sejam decorrentes de seu uso inadequado, pois a rigidez e a evolução da legislação e do sistema de registro já garantiriam a segurança dos produtos colo- cados à disposição do usuário quando utilizados de acordo com as boas práticas agrícolas. Contudo, é importante que as análises periódicas de caráter geral sobre os agrotóxicos registrados sejam realizadas com frequência por entidades de pes- quisa e pelos próprios órgãos de controle; o que forneceria subsídios para o apri- moramento da legislação e para o desenvolvimento de uma política de registro e de controle dessas substâncias que visasse atender aos anseios da sociedade pela melhor administração do impacto desses agentes e pela minimização das condi- ções que degradam a saúde e o ambiente (GARCIA GARCIA et al., 2005).