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2 AS PRETENSÕES FUNDAMENTAIS E O PAPEL DO ESTADO

2.2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2.2 O conteúdo dos direitos fundamentais

Por conteúdo de um direito pode-se entender, em linhas gerais, aquilo que ele protege (objeto) e até que ponto protege (alcance) frente a outros interesses também juridicamente protegidos, conforme os critérios estabelecidos pelo ordenamento e por meio dos quais se definirá a aplicação concreta de cada norma da vida social.

Quando se enuncia um "direito", é o próprio sistema jurídico que, diante de determinados interesses que o poder político da comunidade reputou dignos de serem protegidos, deve fornecer os parâmetros racionais identificadores do âmbito dessa proteção nas diversas situações fáticas envolvendo tais interesses, parâmetros estes com base nos quais são extraídos, também, os respectivos deveres que garantem a eficácia do direito52. Assim, v.g., quando o ordenamento enuncia o direito de propriedade, ou à liberdade, ou à moradia, a ação concreta demanda prévios critérios balizadores do seu âmbito de proteção no sistema social, desenhando-se juridicamente o perfil dos interesses protegidos e o conjunto de faculdades e poderes a eles relacionados, sem o que não será possível compreender o que efetivamente é permitido ou proibido em termos de condutas reais.

A correta delimitação do conteúdo dos direitos sempre foi uma questão problemática, encontrando ainda maior complexidade no terreno dos direitos humanos e diante da sua recepção, positivados no ordenamento de cada país, como direitos fundamentais. A doutrina tem se debruçado sobre a difícil tarefa de apontar- lhes um conteúdo essencial com base em pautas valorativas consagradas na Constituição, o que significa impor barreiras a sua conformação inclusive ao

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Não olvidamos haver doutrinadores defendendo que os direitos fundamentais - porquanto calcados na dignidade da pessoa humana, como princípio intrínseco à natureza do homem - teriam sua origem em momento anterior ao seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico e ao próprio Estado. Discordamos desta teoria. Sem negarmos a importância que, sob um ponto de vista moral e filosófico, deve ser dada aos direitos fundamentais no atual contexto civilizatório, tratam-se de direitos positivados. Vale dizer: sua existência, enquanto "direitos", depende sempre da significação que lhes é dada por cada sistema jurídico e conforme o contexto histórico e fatores reais de poder em cada nação. São esses fatores que definirão o modelo e os fins do Estado.

legislador ordinário, quando se trate de regulamentar o perfil jurídico desses direitos53.

Já se falou anteriormente da necessária conexão lógica que existe entre as teorias que procuram explicar a estrutura e aplicação das normas jurídicas (fenômeno objetivo) e as teorias que se ocupam em investigar o conteúdo e alcance dos direitos e deveres (fenômeno subjetivo). Assim, entender como se dá a incidência de uma norma de direito fundamental envolve o enfrentamento da questão de qual seria a amplitude do seu suporte fático para, com base nele, traçar- se os parâmetros de identificação do conteúdo do direito em cada caso concreto54.

Calcada em estudos do Direito Público alemão, a doutrina segue basicamente duas linhas teóricas acerca do conteúdo dos direitos fundamentais: a teoria interna (Innentheorie) e a teoria externa (Aussentheorie).

A questão das restrições aos direitos fundamentais tem sido a tarefa dos defensores da teoria externa, ao passo que os adeptos da teoria interna preferem dizer que o conteúdo de qualquer direito já conteria todos os limites necessários a sua adequada conformação nos casos concretos55.

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Como salienta Virgilio Afonso da Silva, "a declaração de um conteúdo essencial destina-se, sim, ao legislador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretização dos direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a constituição chama de 'conteúdo essencial'". SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 24.

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Na seara dos direitos fundamentais, fala-se em suporte fático para designar a esfera de incidência da norma de direito fundamental, considerando não apenas o âmbito de proteção do direito fundamental, mas, também, eventuais intervenções que pode haver nesse âmbito. Nesse sentido, assinala-se que "aquilo que é protegido é apenas uma parte - com certeza a mais importante - do suporte fático. Essa parte costuma ser chamada de âmbito de proteção do direito fundamental. Mas para a configuração do suporte fático é necessário um segundo elemento - e aqui entra a parte contra-intuitiva: a intervenção estatal. Tanto aquilo que é protegido (âmbito de proteção) como aquilo que contra o qual é protegido (intervenção, em geral estatal) fazem parte do suporte fático dos direitos fundamentais". Ibid., p. 71.

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Alexy assim explica em que consiste os limites e restrições a direitos sob o ângulo das teorias

interna e externa: "O conceito de restrição a um direito sugere a existência de duas coisas - o direito e

sua restrição -, entre as quais há uma relação de tipo especial, a saber, uma relação de restrição. Se a relação entre direito e restrição for definida dessa forma, então, há, em primeiro lugar, o direito em

si, não restringido e, em segundo lugar, aquilo que resta do direito após a ocorrência de uma

restrição, o direito restringido. Essa é a concepção que, normalmente, de forma crítica, é denominada de teoria externa". (...) "Um cenário completamente diferente é a base de sustentação da teoria

interna. Segundo ela, não há duas coisas - o direito e sua restrição -, mas apenas uma: o direito com

um determinado conteúdo. O conceito de restrição é substituído pelo conceito de limite. Dúvidas acerca dos limites do direito não são dúvidas sobre quão extensa pode ser sua restrição, mas dúvidas sobre seu conteúdo. Quando eventualmente se fala em 'restrições' no lugar de 'limites', então, se fala em 'restrições imanentes'". ALEXY, Robert. Op. cit., p. 277-278. O autor opta por adotar as premissas da teoria externa.

Partindo de um suporte fático restrito, a teoria interna procura identificar o conteúdo da norma delimitando de antemão o âmbito normativo e, por conseguinte, considerando que o conteúdo de um direito fundamental é contornado por limites imanentes.

Nessa linha de compreensão destaca-se, v.g, a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller, segundo a qual os limites dos direitos fundamentais podem ser encontrados a partir de um adequado exame do programa normativo e levando em conta os dados reais previamente contemplados na própria estrutura da norma (âmbito normativo)56. Haveria, aí, uma incompatibilidade com qualquer construção dogmática que admita colisão entre direitos ou trabalhe com categorias tais como a ponderação ou sopesamento de normas, na medida em que todos os limites dos direitos lhes seriam imanentes e sem espaço para conflitos, sendo que qualquer superação desses limites haveria de ser tomada como algo não protegido pela norma57.

Sob a premissa de que os limites dos direitos estão implícitos no seu campo de conformação normativa, os adeptos da teoria interna reduzem consideravelmente o suporte fático da norma jurídica, apenas admitindo duas possibilidades, a saber: ou se está exercendo licitamente um direito obedecendo-se a tais limites, ou se está incorrendo em ilicitude ou abuso de direito quando se os extrapola58.

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"A função de escolha e de delimitação do programa normativo ligada a isso faz com que a análise do âmbito normativo, como parte integrante da concretização jurídica, fortaleça a normatividade da disposição legal como uma normatividade marcada pelos dados reais, em vez de deixá-la em lado em prol de um sociologismo avesso à norma. (...) O âmbito normativo fornece ao programa normativo alternativas estruturais, fundadas em dados reais, para seus modelos, os quais se confirmam ou se alteram. O programa normativo seleciona as abordagens da análise do âmbito normativo". MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 238 e 253.

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"A teoria estruturante de Müller supõe que a racionalidade e a possibilidade de controle intersubjetivo na interpretação e na aplicação do direito só são possíveis por intermédio de uma concretização da norma jurídica após árdua análise e limitação do âmbito de cada norma. Depois dessa árdua tarefa não há espaço para colisões, porque a norma simplesmente se revela como não- aplicável ao caso concreto e não se vê envolvida, portanto, em qualquer colisão jurídica relevante. Logo, sem colisão, não há razão para sopesamento. A concretização da norma, seguindo os procedimentos da teoria estruturante, restringe o conteúdo de dever-ser de cada direito fundamental, porque delimita de antemão o seu âmbito normativo". GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação / aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 68.

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Sobre a polêmica distinção entre ilicitude, abuso de direito e figuras afins, ver: GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 131-135; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 465-469.

Concebe-se, então, o espaço de conteúdo do direito como um conjunto de faculdades e poderes no qual já estão inseridos todos os freios ao seu exercício59. Em outras palavras, os limites circundam o perfil jurídico do direito, traçando todo o perímetro que circunscreve o seu campo fático de aplicação, de modo que o titular do direito não pode pretender ou praticar algo localizado fora dos contornos desse perímetro.

A teoria externa, por sua vez, parte do pressuposto de que as normas de direitos fundamentais são dotadas de um suporte fático amplo, ensejando a inevitável colisão entre tais direitos, o que somente pode ser resolvido em termos de ponderação e sopesamento das normas incidentes em cada caso concreto, restringindo-se o conteúdo e alcance de cada direito.

Ao falar em restrição, a teoria externa leva em conta variáveis fáticas que podem reduzir o conteúdo e o alcance de um direito fundamental até certo ponto. Assim, um direito que a priori se aplicaria em razão da amplitude do suporte fático da sua norma embasadora (como direito prima facie) somente virá a se afirmar concretamente (como direito definitivo) se não houver fatores externos restringindo a sua efetividade num determinado caso. Toma-se a posição prima facie do direito como ponto de partida a considerar no exame da situação jurídica subjetiva contemplada na norma de direito fundamental, razão pela qual já se pode falar em "direito" antes mesmo de se examinar o caso concreto em que a norma incide, de modo que só posteriormente serão analisadas eventuais restrições a esse direito, verificando se a posição prima facie se converterá ou não numa posição definitiva.

Ficam claros, assim, os pontos de distinção entre as duas teorias. Dada a relação que a teoria externa faz entre, de um lado, o direito já com seus limites internos, e, de outro, as restrições externas ao direito, sendo estas impostas em decorrência do sopesamento de normas nas situações em que houver colisões entre direitos, tal metodologia de resolução de conflitos se torna incompatível com as premissas da teoria interna, segundo as quais eventual colisão de direitos seria apenas aparente, pois, na exata medida em que um direito começa onde termina o

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Segundo a base de sustentação da teoria interna, "não há duas coisas - o direito e sua restrição -, mas apenas uma: o direito com um determinado conteúdo. O conceito de restrição é substituído pelo conceito de limite. Dúvidas acerca dos limites do direito não são dúvidas sobre quão extensa pode ser sua restrição, mas dúvidas sobre seu conteúdo. Quando eventualmente se fala em 'restrições' no lugar de 'limites', então se fala em 'restrições imanentes'". ALEXY, Robert. Op. cit., p. 277-278.

outro, ao se entender que esse outro direito funciona como limite ao primeiro, todos os limites já estariam previamente incorporados na norma que contempla cada direito60.

Um aparente conflito entre normas, no quadrante da teoria interna, deve ser resolvido por cuidadosa averiguação do suporte fático e os limites que traçam os seus respectivos perímetros de incidência61. Ou seja, esse conflito não admitiria propriamente o sopesamento entre normas incidentes no mesmo caso concreto, mas, sim, um exame criterioso do campo de incidência de cada norma, confrontando-se aspectos normativos e fáticos que, segundo Friedrich Müller, propiciam a busca de uma normatividade materialmente determinada a partir da análise conjunta do programa normativo (resultado da interpretação de todos os dados linguísticos do texto normativo) e do âmbito normativo (dados reais formados pelo conjunto parcial de todos os fatos relevantes)62.

Ciente das premissas que essas construções teóricas encerram, Eros Grau salienta que as teorias de Müller e Alexy são concepções irreconciliáveis, já que o primeiro considera que não se pode falar em norma sem levar em conta um caso concreto que corresponda ao suporte fático restrito, enquanto o segundo enxerga normas com suportes fáticos amplos e sujeitas a sopesamento63. Tal advertência - que nesse ponto responde a uma crítica também feita por Virgílio Afonso da Silva - demonstra que decidir se o exame do alcance de determinado direito deve ser encarado como algo imanente (no sentido de que, uma vez ultrapassado o limite,

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"Quando se parte de uma teoria interna, que é aquela que sustenta que o direito e seus limites são algo uno - ou seja, que os limites são imanentes ao próprio direito -, isso exclui que outros fatores externos, baseados, por exemplo, na ideia de sopesamento entre princípios, imponham qualquer restrição extra". (...) "se fosse necessário resumir a ideia central da chamada teoria interna, poder-se- ia recorrer à máxima frequentemente utilizada no direito francês, sobretudo a partir de Planiol e Ripert, segundo a qual 'o direito cessa onde o abuso começa'. Como isso se quer dizer, a partir do enfoque da teoria interna - e daí seu nome -, que o processo de definição dos limites de cada direito é algo interno a ele. É sobretudo nessa perspectiva que se pode falar em limites imanentes". SILVA, Virgílio. Op. cit., 2010, p. 128.

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"A fixação desses limites, por ser um processo interno, não é definida nem influenciada por aspectos externos, sobretudo não por colisões com outros direitos". Ibid., p. 128.

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MÜLLER, Friedrich. Op. cit., p. 253-254.

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"Müller defende que a definição do âmbito de proteção de cada direito fundamental é feito de antemão - pois não há norma antes do caso concreto - por intermédio dos procedimentos e métodos de sua teoria estruturante e, principalmente sem a necessidade de sopesamento, enquanto Alexy defende que não há decisões corretas no âmbito dos direitos fundamentais que não sejam produto de um sopesamento. Além disso, Alexy parte de um conceito semântico de norma jurídica que, para Müller, não é mais do que o início do procedimento de concretização normativo. Assim, aquilo que para Alexy é a norma, para Müller é apenas o que ele chama de programa da norma. O elemento central da teoria de Müller - o âmbito da norma - não tem espaço na teoria de Alexy". GRAU, Eros. Op. cit., 2006, p. 68-69.

não há de se falar em direito) ou exterior (no sentido de que o limite vem de fora, restringindo o direito) não é mera filigrana, residindo aí o pano de fundo ideológico subjacente à criação das muitas teorias que buscam explicar o fenômeno jurídico e que acaba se reproduzindo nas respectivas categorias e conceitos empregados por estas teorias64.

Em que pesem as referidas incompatibilidades entre as premissas teóricas de Müller e Alexy, pontos relevantes podem ser extraídos das suas construções teóricas. Müller teve o mérito de destacar a diferença entre o texto normativo e a norma, trazendo a lume a importância da argumentação jurídica na compreensão do objeto e alcance dos direitos fundamentais, no que é louvado por Alexy, apesar deste discordar daquele quanto ao significado de norma65.

Bem se observa, pois, que ambas as teorias podem conduzir ao mesmo resultado prático, sendo distintos pontos de vista sobre um único fenômeno.

Enquanto a teoria externa procurar resolver os problemas dos casos concretos tratando-os como choques de direitos fundamentais e, com isso, recorrendo ao emprego de mecanismos de sopesamento ou ponderação entre princípios, a teoria interna direciona-se por outra metodologia, intentando investigar mais detidamente o conteúdo do direito fundamental, cujos limites, já previamente existentes e extraídos dos dados reais em cada contexto social, vão sendo revelados à medida em que são decididos os casos concretos.

Pode-se afirmar que tanto a teoria interna quanto a teoria externa conduzem a soluções que consideram as peculiaridades dos casos concretos, ponderando os bens e valores envolvidos. A diferença é que na teoria externa essa ponderação pelo aplicador da norma, tratada como método de resolução de um conflito de

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"Essa diferença, que parece insignificante, uma mera filigrana teórica, tem, no entanto, grandes consequências, práticas e teóricas. Boa parte daquilo que doutrina e jurisprudência muitas vezes tomam como dado é, na verdade, produto dessa simples divisão teórica entre o direito em si e suas restrições". SILVA, Virgílio. Op. cit., 2010, p. 138.

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Alexy ressalta que a sua teoria semântica da norma, ponto de partida da definição do conceito de norma de direito fundamental, é incompatível com a teoria da norma de Müller, salientando que "aquilo que aqui é chamado de 'disposição de direito fundamental' corresponde àquilo que Müller chama de 'texto', e aquilo que aqui leva o nome de 'norma' corresponde àquilo que Müller chama de 'programa normativo'. O conceito central da teoria normativa de Müller, o âmbito normativo, não tem lugar aqui". ALEXY, Robert. Op. cit., p. 78. Isso não impede Alexy de reconhecer que, "no final das contas, as normas atribuídas fazem com que fique claro o papel decisivo da argumentação referida a direitos fundamentais na resposta à questão acerca daquilo que é válido no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse ponto é necessário concordar com Müller, já que sua teoria da norma salienta essa importância". Ibid., loc. cit.

direitos, é posterior ao reconhecimento do direito nela embasado - ou seja, quando já se pressupõe de antemão a existência de um indício de direito (prima facie) -, enquanto na teoria interna a ponderação é feita antes que se possa falar ainda em direito, sendo necessária para declarar a sua própria existência.

Consoante ainda reforçaremos adiante, a metodologia empregada pela teoria interna não obsta que se deva seguir examinando as particularidades de novos casos que vierem surgindo e desafiando a aplicação concreta da norma de direito fundamental, os quais servirão justamente para que se possa aprofundar na análise do âmbito normativo e desvelar toda a amplitude do suporte fático da norma, operando-se sempre novas confirmações ou alterações do programa normativo. No pensar de Friedrich Müller, é o âmbito normativo que fornece ao programa normativo "alternativas estruturais, fundadas em dados reais, para seus modelos, os quais se confirmam ou se alteram"66. Significa dizer que, quanto mais casos diferentes vierem sendo examinados e decididos, tanto mais se revelará a complexidade do direito em questão, conferindo maior visibilidade ao campo de incidência da norma objeto de aplicação.

O mesmo raciocínio se aplica quando se trata de examinar o conteúdo do direito cuja norma em abstrato depende da ponderação a ser feita pelo legislador.

Para a teoria externa, se a Constituição prescreve um direito a ser tomado na maior amplitude de proteção possível, o posterior tratamento legislativo dado ao conteúdo desse direito sempre operaria como uma forma de restrição67. Já para a teoria interna, o próprio conteúdo do direito é que estaria condicionado a uma reserva de lei geral, ocorrendo uma relação de imanência ou de unidade entre o conteúdo e os limites do direito, de modo a haver uma inseparabilidade entre a lei conformadora do conteúdo e a lei delimitadora do âmbito de proteção68. Não significa que seja total a liberdade do legislador na conformação do direito, devendo- se respeitar o programa normativo fixado no texto da própria Constituição, já que é o programa normativo que sempre servirá de ponto de partida da investigação sobre o conteúdo do direito, selecionando as abordagens da análise do âmbito normativo69.

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MÜLLER, Friedrich. Op. cit., p. 253.

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SILVA, Virgílio. Op.cit., 2010, p. 227 e 255.

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NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2013, p. 313.

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Em síntese, a teoria externa se ocupa de constituir restrições a direitos fundamentais, ao passo que a teoria interna busca declarar os limites previamente existentes em tais direitos70. Ambas as teorias obviamente não são perfeitas e, por conseguinte, não estão imunes a críticas pertinentes.

A teoria externa, de certo modo, amplia demais o suporte fático do direito fundamental, comprometendo a segurança acerca dos parâmetros de racionalidade discursiva quando da ponderação ou sopesamento de princípios, o que acaba por