• Nenhum resultado encontrado

2 A TRAJETÓRIA DA ODONTOLOGIA E SEU DESENVOLVIMENTO NO

2.3 O CONTEXTO ATUAL DA ODONTOLOGIA: A CRISE DO MERCADO

Atualmente, é observável um cenário de mudanças tanto na Odontologia enquanto profissão, quanto na saúde bucal dos brasileiros. No âmbito econômico, a Odontologia de mercado caminha para a saturação, iniciada com a crise econômica do país a partir dos anos 80, e que atinge maiores proporções a partir dos anos 90, quando modificações no contexto mundial, como a abertura comercial e o fenômeno da globalização, influenciaram todo o setor saúde, ampliando a competitividade no setor privado (JUNQUEIRA; RAMOS; RODE, 2005; ZANNETI, 1999).

O cenário de saturação do mercado privado na Odontologia vem se constituindo por uma confluência de fatores, dentre eles, pode-se citar a diminuição da procura pelos serviços devido à crise econômica prolongada; o aumento do custo dos serviços conseqüente ao incremento tecnológico observado na prática do trabalho; aumento exacerbado no número de cirurgiões-dentistas no mercado, sendo este aumento considerado desproporcional ao crescimento da população já que não se efetiva uma regulação tanto da força de trabalho quanto da criação de novas faculdades (MOYSES, 2004; NARVAI, 1999; ZANETTI, 1999).

Segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), em julho de 2007, havia 188 faculdades de Odontologia em todo país e 220.213 CDs devidamente registrados nos Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), sendo que no CRO do Espírito Santo, no mesmo período, havia um total de 4.094 profissionais inscritos (CFO, 2008).

Zanetti (2007)9 considera que tal situação caracteriza uma condição de pletora, que foi configurada quando o crescimento da população profissional ultrapassou o número de consumidores com potencial de compra, que pudessem sustentar o

9

ZANETTI, C.H.G. A perda do espaço e o futuro da corporação odontológica. Palestra proferida no I Fórum de Convênio e Credenciamento – Saúde Suplementar – do Estado do Espírito Santo, realizado nos dias 1 e 2 de julho de 2007.

mercado de serviços. Segundo o mesmo autor, há no país mais CDs que o mercado de serviços privados tem condições de remunerar.

Um estudo realizado com CDs em Uberlândia, Minas Gerais, demonstrou que a maioria dos profissionais considera que o mercado profissional saturou, sendo que os principais fatores responsáveis por tal quadro seriam o excesso de profissionais no mercado e o contexto da política econômica atual. Os autores do estudo também consideram a concentração desses CDs nos grandes centros urbanos como fator que agrava a crise de mercado (RABELO; MACEDO; MARRA, 2008).

Destaca-se também o cenário de transição epidemiológica em saúde bucal no Brasil, sobretudo da cárie dentária, devido à utilização maciça das novas tecnologias, em especial a presença crescente do flúor no cotidiano das populações brasileiras a partir dos anos 80 (FRAZÃO, 2003; MARCENES; BONECKER, 2000; NADANOVSKI, 2000;NARVAI et al., 2006).

Há de se considerar, ainda, o reflexo da mudança nos padrões socioeconômicos e sanitários da população, modificando sensivelmente os níveis de incidência e prevalência de cárie, apesar desta diminuição dar-se desigualmente entre os diferentes estratos sociais (NADANOVSKI; SHEIHAM, 1995).

No âmbito social, existe uma grande demanda por serviços assistenciais, já que o contexto da Saúde Bucal no Brasil reflete grandes desigualdades. É importante salientar que a Odontologia brasileira chega ao século XXI com nível científico e tecnológico de primeiro mundo, porém, com uma grande gama da população excluída dos serviços (GARRAFA; MOYSÉS, 1996).

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, mais de 29 milhões de brasileiros jamais haviam obtido atenção odontológica. Em 2003, esse número sofreu pequena diminuição para 27,9 milhões de pessoas, todavia, manteve-se ainda expressiva a população de brasileiros sem acesso ao CD. Além disso, o mais recente estudo epidemiológico realizado em 2003, o Levantamento Nacional de Saúde Bucal – SB Brasil revelou altos índices do indicador de cáries dentárias CPO-D10 principalmente na população adulta, o que

10

Índice epidemiológico que significa a média de dentes Cariados, Perdidos e Obturados e revela a prevalência de cárie nas populações (CHAVES, 1986).

reflete o descaso da atenção a estes grupos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2000; 2005; BRASIL, 2004c).

A história de programas focalizados em escolares e restritos a atendimentos de urgência à população adulta, principalmente através de atos mutiladores como as extrações, contribuiu para a exclusão dessa população aos serviços, o que é confirmado por um histórico de altos índices de CPO-D na população acima de 35 anos, principalmente pelo componente “P” do índice, que perfaz os dentes perdidos. Na faixa etária de 65 a 74 anos, no plano nacional, o componente “P” do índice perfaz uma porcentagem de 92,25%, o que reflete a escassa assistência a esses grupos, acesso restrito aos serviços e uma herança de um modelo assistencial centrado em práticas curativas e mutiladoras (BRASIL, 2004c; NARVAI et al., 2006). Comparando-se os dados de edentulismo11 em nosso país e as metas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano 2000, observa-se que o Brasil está aquém dessas metas, com apenas 10% dos idosos com vinte ou mais dentes. Somente entre as crianças de doze anos a meta da OMS foi atingida, ainda assim a cárie nesta idade representa um grave problema de saúde pública, com marcantes diferenças macrorregionais e com cerca de 3/5 dos dentes atingidos pela doença, sem tratamento (OPAS, 2006).

IDADE META DA OMS PARA 2000 SB BRASIL

5 A 6 ANOS 50% sem experiência de cárie 40% sem experiência de cárie 12 ANOS CPO-D < ou = 3,0 CPO-D = 2,78

18 ANOS 80% com todos os dentes 55% com todos os dentes 35 A 44 ANOS 75% com 20 ou mais dentes 54% com 20 ou mais dentes 65 A 74 ANOS 50% com 20 ou mais dentes 10% com 20 ou mais dentes Quadro 1. Comparação entre as metas da OMS para o ano 2000 e os resultados do SB

Brasil, 2003 Fonte: Brasil, 2004c.

Segundo Roncalli (2006), quando se analisa a média de CPO-D aos doze anos para as diferentes macrorregiões do país, existe uma desigualdade das condições relativas à cárie dentária, de modo que as regiões Sul e Sudeste apresentam melhores condições, em todas as idades, quando comparadas com as demais regiões.

11 Ausência completa de dentes.

Sendo assim, apesar da grande demanda por acesso aos serviços odontológicos, o mercado de trabalho está escasso e competitivo para os CDs. A acessibilidade a serviços de saúde bucal é desigual para os diferentes estratos sociais, sendo mais acessível aos que tem melhor situação socioeconômica.

Em relação à formação universitária dos CDs, existe, atualmente, um movimento em construção nos cursos de graduação em saúde, de superação do caráter biomédico e fragmentado do ensino, com vistas à integralidade, interdisciplinaridade, integração das ciências sociais e aproximação com a realidade dos serviços, o que resultou na articulação entre os Ministérios da Saúde e Educação, a fim de readequar o ensino nas áreas da saúde e melhor qualificar os profissionais para o trabalho na esfera pública (ALMEIDA; FEUERWERKER; LLANOS, 1999; CECCIM; FUERWERKER, 2004; BRASIL, 2006d).

Apesar do movimento de mudança, a qualificação dos recursos humanos em Odontologia ainda é controversa, visto que reproduz o caráter privado e tecnicista da profissão. Zanetti (2006a) coloca que, na história da Odontologia, a saúde, enquanto objeto complexo, é tomada com reducionismos, e que a formação do CD atual deve voltar-se para a atenção integral à saúde, de modo que haja uma maior aproximação teórica e metodológica com as ciências sociais e a filosofia.

Com relação à participação da Odontologia na esfera pública, as ações do Estado são ainda restritas no que diz respeito às necessidades da população. As políticas de saúde bucal foram historicamente incipientes, cabendo à esfera privada absorver a maior parte da demanda, que desprovida de recursos permanecia excluída e desassistida (MANFREDINI, 2003; RONCALLI et al., 1999; VARGAS; PAIXÃO, 2005; ZANETTI, 1999).

Atualmente, é observável o incremento das ações de Saúde Bucal através da Política Nacional Brasil Sorridente, a qual propõe a inclusão da Equipe de Saúde Bucal (ESB) no PSF e a criação dos Centros de Especialidade Odontológica (CEO) (BRASIL, 2001a; 2006a).

Dado o contexto de incertezas do mercado de trabalho atual, tal incremento das políticas públicas de saúde bucal aumenta os postos de trabalho para este setor e

faz emergir uma nova dinâmica de prática de trabalho mais articulada com a esfera pública (FERNANDES NETO et. al., 2006; ZANNETI, 1999).

Sendo assim, a inserção da Saúde Bucal no PSF traz novas perspectivas e desafios para os profissionais e a possibilidade de oferecer novos rumos à Saúde Bucal, assuntos que serão desenvolvidos no próximo capítulo, que abordará a proposta do Programa, enquanto modelo de atenção à saúde.

3 A MUDANÇA DE MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: O PROGRAMA DE