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ENQUADRAMENTO HISTÓRICO II.1 Sobre Abel Viana – vida e obra

II.2. A parceria entre Abel Viana e António Dias de Deus e a investigação sobre as «necrópoles céltico-romanas» alto-alentejanas

II.2.1. O contexto e os intervenientes, a polémica e o contributo

Pode afirmar-se que a ligação de Abel Viana à investigação arqueológica em território alto-alentejano decorre de um contexto particular, temporalmente circunscrito mas muito profícuo para a investigação científica, que corresponde à sua colaboração num conjunto de intervenções e recolhas de espólio arqueológico realizadas naquela região, e em especial na área do atual concelho de Elvas, entre os anos de 1949 e 1955.

Em 1948, Abel Viana, à data bolseiro do Instituto para a Alta Cultura e exercendo o cargo de Catalogador do Museu Regional de Beja (VIANA, 1996b, p. 4), foi informado pelo então Diretor da Biblioteca e Museu Municipal de Elvas, António Domingos Lavadinho, sobre as intervenções e recolhas de espólio arqueológico que vinham sendo levadas a cabo por António Dias de Deus (1901- 1955), Preceptor-Adjunto da Colónia Penal de Vila Fernando27 (VIANA, 1955a, p. 1), desde meados da década de 30 do século XX ( VIANA, 1950, pp. 289-290): “Em Outubro do ano passado (ano de 1948),

achando-me em Elvas, por motivo de uma viagem de estudo que então fiz a Mérida e Badajoz, o Sr. Domingos Lavadinho, Director da Biblioteca e Museu Arqueológico Municipal de Elvas, falou-me de umas explorações que desde bastantes anos vinham sendo realizadas em freguesias daquele concelho, mormente pelo Sr. António Dias de Deus, Sub-Director da Colónia Correcional de Vila Fernando./ Disse-me o Sr. Lavadinho que os achados de ruínas e dos mais diversos monumentos eram ali frequentes, sobretudo em Vila Fernando e na Terrugem, e que pena era vê-los destruídos por efeito dos trabalhos agrícolas, valendo em muitos casos a intervenção oportuna do Sr. Dias de Deus.

(...)/ Demorei uns dias em estudo no Museu de Elvas, mas os meus trabalhos não me permitiram

então ir a Vila Fernando e à Terrugem. Pedi, todavia, a Lavadinho me pusesse em comunicação com Dias de Deus, pelo que, entre mim e este se estabeleceram relações epistolares.” (AFCB: VIANA,

27Instituída em 1880 sob a designação de Escola Agrícola de Vila Fernando, só abriu portas a 6 Outubro de 1895,

destinando-se a “corrigir e educar indivíduos menores que podiam constituir um perigo para a sociedade (vadios,

mendigos, desvalidos e desobedientes)” (HENRIQUES, 2014, p. 152). Em 1898 passou a denominar-se Colónia Agrícola

Correcional, tendo funcionado, sob a alçada do Ministério da Justiça, até 2007, ano do encerramento da instituição (idem, pp. 155-156). À época, e na sequência das determinações da Organização Tutelar de Menores de 1962, era designada como Instituto de Reeducação (LOPES, 2011, p. 44).

A herdade de Vila Fernando, onde se instalou o estabelecimento correcional, tinha uma área de 777ha e era, desde o séc. XVI, propriedade da Casa de Bragança. Findo o contrato de arrendamento celebrado, em 1881, entre a Fundação e o Ministério do Reino, a propriedade foi adquirida pelo Estado em 1934 (LOPES, 2011, p. 49). Atualmente as instalações da antiga Colónia encontram-se devolutas e em acentuado estado de degradação.

10/12/1949, p. 1).28 Dava-se assim o primeiro passo que veio a conduzir à parceria entre o arqueólogo minhoto e António Dias de Deus. Tal colaboração iniciou-se em Julho de 1949 (MNA: APMH/5/1/324/5_2/19; VIANA, 1950, p. 290; VIANA & DEUS, 1951, p. 89; VIANA & DEUS, 1952, p. 185; VIANA & DEUS, 1955b, p. 11), altura em que Abel Viana teve oportunidade de regressar a Elvas e de então conhecer pessoalmente o funcionário da Colónia Penal, e prolongou-se até 24 de Abril de 1955, data do falecimento deste último. Acerca desta segunda visita a Elvas, o arqueólogo escreveu:

“A projectada visita foi-se dilatando, umas vezes em face do mau estado do tempo ou da impropriedade da época (encharcamento, dureza escessiva [sic] do terreno, existência de pastos e searas, etc.), outras vezes porque os meu trabalhos, ou os afazeres oficiais do Sr. Dias de Deus, impediram o nosso encontro./ Em 28 de Julho deste ano, finalmente, consegui ir a Vila Fernando, permanecendo ali e em Elvas até 6 de Agosto.” (AFCB: VIANA, 10/12/1949, p. 2).29 Na verdade, o crescente volume de espólio resultante das recolhas e intervenções arqueológicas levadas a cabo na região elvense e a relevância das ‘descobertas’ de A. Dias de Deus parece ter ditado a necessidade de encontrar quem colaborasse com o funcionário da Colónia Penal na gestão e estudo desse mesmo espólio – “os materiais acumulados em Vila Fernando tornaram-se, de súbito, ainda mais importantes

e numerosos, com a descoberta do campo de urnas da Herdade da Chaminé. Urgia levar a cabo o seu estudo. Desde 1948 Dias de Deus procurava um colaborador que comparticipasse no exame e classificação de tantos e tão diversos objectos./ Domingos Lavadinho, Director da Biblioteca e Museu Municipal de Elvas, pôs-me em contacto com o proficiente pesquisador de Vila Fernando, iniciando-se a minha cooperação em Julho de 1949” [MRB: VIANA (?), 10/04/1952, pp. 1-2].

Na correspondência enviada à família, remonta a Março de 1948 a primeira alusão à realização de trabalhos no Alto Alentejo: “(...) este ano deverei fazer umas voltas pelo Alto Alentejo, (...)” (AMCV: VIANA, 25/03/1948, p. 1), e em carta datada de 5 de Novembro desse mesmo ano Abel Viana informava o irmão da já anteriormente mencionada ‘viagem de estudo’ que terá sido a sua primeira visita a Elvas, Badajoz e Mérida, e a possibilidade de contactar, pela primeira vez, com o espólio

28 Consta do relatório de atividades desenvolvidas, na qualidade de bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, durante o ano

de 1948, referência a esta visita a Elvas, com a indicação: “Quanto à minha estadia em Elvas, Mérida e Badajoz,

permitiram-me estas visitas o exame directo de peças de museu e de ruinas [sic] arqueológicas que eu já conhecia pela bibliografia, assim como de outras ainda não publicadas” (AHIC: Proc. 3069 – 3069/6, Doc. 72/3, p. 4).

29 Em VIANA & DEUS, 1950 (p. 67) é feita referência a pesquisas realizadas entre Março de 1949 e Julho do ano seguinte.

Naturalmente que, tendo em conta as fontes documentais disponíveis e a informação sucessivamente reiterada nas publicações dos dois autores citados quanto ao início da colaboração efetiva com A. Dias de Deus em Julho de 1949, não podemos deixar de estranhar tal referência e colocar duas possibilidades: a hipótese de se tratar de um lapso nas datas apresentadas, ou a de Abel Viana pretender, na publicação em causa, chamar a si a co-responsabilidade pelos trabalhos realizados antes de Julho de 1949, uma vez que a divulgação dos respetivos resultados preliminares se ficou a dever à sua iniciativa. Esta segunda hipótese afigura-se-nos pouco crível.

resultante das pesquisas arqueológicas feitas na região elvense: “Regressei a Beja no dia um do

corrente, após uma digressão de nove dias pelo Alto-Alentejo e província de Badajoz. (...) Apesar de chegar a Elvas já de noite, estive no Museu e na Biblioteca (que é a mais valiosa e sumptuosa das da província, com excepção das de Braga, Porto e Coimbra, e Évora), desde as 21 horas até à uma e meia da noite. (...) Como o tempo no dia seguinte melhorasse, fiquei em Elvas, e ainda no dia seguinte. (...) Tanto no Museu de Mérida, como no de Badajoz, como no de Elvas, trabalhei muito, trazendo de lá muitos apontamentos e desenhos. (...) Saí de Elvas ao 3º dia. [sic] depois do almoço. Tive quatro horas para completar o meu conhecimento de Estremoz, outra cidade praça forte, cheia de história e monumentos. O Alto Alentejo é imensamente mais bonito e artístico que o Baixo.” (AMCV:

VIANA, 05/11/1948, pp. 1-2.).30

Importa salientar que os aludidos trabalhos de recolha de materiais arqueológicos na região elvense são bastante anteriores à colaboração de Abel Viana, remontando ao ano de 1934, altura em que Dias de Deus se associou a outro funcionário da Colónia Penal de Vila Fernando, António Luís Agostinho, na exploração de vestígios megalíticos: “No ano de 1934, começou António Luís Agostinho, ajudante

de ecónomo no mesmo instituto oficial (Colónia Penal de Vila Fernando) a explorar os dólmens da região, associando-se-lhe desde logo António Dias de Deus. (...)/ Em 1940, passaram a interessar-se, também, pelos vestígios das épocas romana e visigótica, igualmente abundantes na zona elvense.“

(VIANA, 1955a, p. 1). Tal actividade, num momento inicial fundamentalmente motivada pelo “gosto

pela arqueologia e, sobretudo, pela época enigmática da pré-histórica” (AFCB: DEUS, [s.d.]c), p. 1) (e

também por isso não a salvo de alguma polémica à época), veio a valer aos intervenientes, que ocupavam “os dias feriados e os domingos, (...) calcurriando [sic] montes e vales em busca de cacos

30 A partir de meados de 1948, e até Janeiro de 1964, tornam-se frequentes, na correspondência enviada para a família, as

referências de Abel Viana às suas deslocações à região alto-alentejana (em particular a Elvas e a Vila Viçosa), quase sempre de vários dias. Por exemplo, em carta datada de 4 de Agosto de 1950 e remetida de Beja, o arqueólogo informava o irmão de uma nova ida a Elvas e Vila Fernando: “Na semana passada fui a Elvas e Vila Fernando, onde estive quatro

dias. A distância é grande. Sai-se daqui às oito da manhã e chega-se a Elvas às 7 da tarde, com demora de três horas em Évora (que se passam agradavelmente) e de meia hora em Estremoz. Por lá vai-se por Arraiolos, e para cá pelo Redondo. É tudo através de ricas regiões agrícolas, tanto no Baixo como no Alto Alentejo.” (AMCV: VIANA, 04/08/1950, pp. 1-2). Em

Outubro desse mesmo ano, Abel Viana deslocou-se novamente até ao Alto Alentejo, conforme se pode ler em bilhete- postal enviado ao irmão: “Amanhã de manhã sigo para Vila Viçosa, Vila Fernando e Elvas. Devo lá estar quatro ou cindo

dias” (AMCV: VIANA, 02/10/1950). Em correspondência datada do ano de 1952, registam-se várias referências: “(...), estou preparando as coisas para ir até Vila Viçosa no próximo dia 16. Estarei em Vila Viçosa e Vila Fernando, dando larga volta na região ao redor de Elvas. Se o tempo se puser de sol, como espero, vai ser um belo trabalho, pois os campos estão lindíssimos.“ (AMCV: VIANA, 12/04/1952); “Já fui a Vila Viçosa duas vezes (...). (...) Desta segunda vez que fui a Vila Viçosa, dei com o Dias de Deus uma larga volta de automóvel, pelas vilas de Alandroal e Terena. Terras lindas, curiosíssimas. Castelos admiráveis.” (AMCV: VIANA, 02/06/1952, pp. 1-2); “Tenho ultimamente ido várias vezes a Elvas e Vila Viçosa, cá nos meus estudos.“ (AMCV: VIANA, 28/06/1952).

e pedras”, o epíteto de ‘os doidos das pedras’ pela população local (ibidem). Segundo A. P. Luís Paúl,

filho de A. Luís Agostinho, terá sido este funcionário da antiga Colónia Correcional o principal impulsionador das pesquisas arqueológicas levadas a cabo em Vila Fernando e área envolvente, nas décadas de 30 e 40 do séc. XX, sendo a presença e colaboração de A. Dias de Deus nas ditas “andanças arqueológicas semanais” do primeiro meramente ocasional (AFCB: PAÚL, 19/01/2011, p. 1). Na documentação acima transcrita e num documento elaborado por Abel Viana e remetido para A. Mendes Corrêa a 9 de Agosto de 1955 (MRB: VIANA, 09/08/1955, p. 1), parece confirmar-se a ideia de que a iniciativa destas pesquisas se terá ficado a dever a A. Luís Agostinho, e não ao preceptor- adjunto da Colónia Correcional. Em 1940 ter-se-ão iniciado as pesquisas e recolhas de materiais de época romana (DEUS, LOURO & VIANA, 1955, p. 568); numa primeira fase, ainda em conjunto com A. Luís Agostinho, e, a partir de 1942, contando também com a colaboração (pontual) do Pe. Henrique da Silva Louro, pároco da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vila Fernando e assistente religioso da Colónia Correcional de Vila Fernando (MRB: VIANA, 10/04/1952, p. 1; MRB: VIANA, 10/08/1955; VIANA, 1955a, p. 1). Após o falecimento de António Luís Agostinho, em Outubro de 1944, e até ao início da parceria com Abel Viana, Dias de Deus terá prosseguido as pesquisas a título individual, continuando apenas a contar com a colaboração esporádica do pároco local31 (AFCB: PAÚL, 19/01/2011, p. 1; VIANA, 1955a, p. 1; MRB: VIANA, 10/04/1952, p. 1). Relativamente a estes companheiros de incursões arqueológicas, A. Dias de Deus referiu: “O Agostinho por ser o mais

metódico e ainda por ser o mais engenhoso na reparação e apresentação dos objectos, ficou sendo o depositário e encarregado do pseudo-museu. O Padre Louro, mais conhecedor das coisas antigas, tinha a missão de classificar esses objectos.” (AFCB: DEUS, [s.d.]c, p. 1). Numa fase inicial destas

‘pesquisas’, o espólio recolhido seria distribuído por A. Dias de Deus e A. Luís Agostinho. Desconhece- se se esta partilha do espólio terá sido (ou não) igualmente extensiva ao pároco local. Em finais da década de 40 do séc. XX, Abel Viana traçava o seguinte ponto da situação quanto ao acervo de peças reunido: “A maior parte do material está em Vila Fernando, em poder de António Dias de Deus. Outra

parte foi para o Museu de Elvas. Outra parte suponho achar-se em Coimbra, pois até ao falecimento do companheiro de Dias de Deus os achados eram divididos entre os dois, candidamente, como os despojos de uma batalha!” (AFCB: VIANA, 14/09/1949, pp. 2-3). Referindo-se ao período que se

31 Em documento da autoria de Abel Viana, afirma-se: “Em 1942 falecia António Luís Agostinho. António Dias de Deus

prosseguiu, algumas vezes acompanhado pelo pároco da freguesia de Vila Fernando, Rev.º Henrique da Silva Louro”

(MRB: VIANA, 10/04/1952, pp. 1-2). Parece verificar-se um lapso na atribuição da morte de A. Luís Agostinho ao ano de 1942 em vez de 1944.

seguiu ao falecimento de A. Luís Agostinho acrescentava: “Com a morte do Agostinho e o

desaparecimento da nossa valiosa colecção terminou a primeira fase dos meus trabalhos./ Embora desgostoso e desapontado com os antecedentes, resolvi, sózinho [sic], prosseguir na tarefa que há anos empreendera. O concelho de Elvas é rico em vestígios quer romanos quer da pré-história e na freguesia de Vila Fernando, topam-se a cada passo com esses vestígios. Como a maioria das antas já tinham sido exploradas, sobretudo aquelas cujos esteios ainda erguidos denunciavam a sua existência, passei a pesquisar os vestígios romanos, conquanto não pusesse inteiramente de parte o neolítico e paleolítico” (AFCB: DEUS, [s.d.]c, p. 4).

Impõe-se ressalvar que dispomos de muito pouca informação acerca de A. Luís Agostinho (? - 1944). Esta resume-se a documentação constante do Arquivo da Fundação da Casa de Bragança, aos textos de sua autoria publicados no jornal da Colónia Penal – Ecos da Colónia (vejam-se, por exemplo, os números de Agosto e Outubro de 1931), e às referências a doações de espólio ao antigo Museu Municipal de Elvas, quer na imprensa local (Correio Elvense, 03/03/1945), quer no inventário daquela instituição museológica32. Podemos, todavia, esclarecer que a ‘valiosa colecção’ mencionada por A. Dias de Deus não desapareceu; na verdade, tratava-se do conjunto de espólio à guarda de A. Luís Agostinho, composto por material lítico recolhido na exploração de monumentos megalíticos e que, aquando do seu falecimento, foi levado para Coimbra33, para onde a família aparentemente se viu forçada a regressar. Tal espólio terá sido estudado por Georg e Vera Leisner em Abril de 1944, na sequência de uma suposta visita realizada por Manuel Heleno aos arqueossítios intervencionados (a convite do próprio A. Luís Agostinho), e posteriormente adquirido por intermédio de A. Dias de Deus para a Secção de Arqueologia da Casa de Bragança (AFCB: PAÚL, 19/01/2011, pp. 1-2; AFCB: DEUS, [s.d.]c, p. 4; MRB: VIANA, 10/04/1952, pp. 2-3; CARDOSO, 2001-2002, p. 482).

Em função dos dados conhecidos, parece-nos seguro afirmar que, pelo menos durante a fase de colaboração com Abel Viana, A. Dias de Deus terá contado com o auxílio de alunos da Colónia Correcional de Vila Fernando e/ou de elementos da população local nas intervenções arqueológicas a que se dedicou. Exemplo dessa prática é o caso de José Lopes, a quem Tarcísio Maciel teve oportunidade de conhecer na sua passagem por Elvas nos anos 80 do séc. XX (MACIEL, 2015, p. 195). O carteiro de Vila Fernando (à data já reformado) teria participado em trabalhos arqueológicos

32 O Registo de Entradas de espólio no antigo Museu Municipal de Elvas inclui a indicação de um conjunto de peças,

genericamente atribuídas a Vila Fernando, que terão sido doadas por A. Luís Agostinho a 20 de Julho de 1944 (CME/ BME: Registo de Entradas no Museu Municipal de Elvas - Secção de Arqueologia Romana e Luso-Romana).

33 “Por encargo da Fundação (da Casa de Bragança), Dias de Deus foi a Coimbra adquirir aos herdeiros de António Luís

Agostinho os objectos da Idade do Bronze provenientes das explorações anteriores a 1942, cuja conveniência em serem agrupados aos que haviam ficado em Vila Fernando era evidente” (MRB: VIANA, 10/04/1952, p. 2).

levados a cabo por António Dias de Deus e Abel Viana na região elvense, designadamente nas escavações das necrópoles de Serrones e Chaminé (MACIEL, 2015, pp. 195, 197-198): “(...)

contratado pelo Sr. Dias de Deus, pago pela Fundação da Casa de Bragança, trabalhava, (...), por objectivos: eram-lhe assinaladas determinadas áreas a escavar e no final do dia teria que apresentar os resultados de um certo número de sepulturas exploradas. O pagamento dependia desse mesmo resultado. De forma que trabalhou, com chuva ou sol, até mesmo doente, porque tinha filhos para alimentar e não havia outro trabalho, nas necrópoles da Chaminé, nesta e noutras, apresentando os resultados que não eram mais que os objectos encontrados em perfeitas condições: vasos e urnas de cerâmica, lacrimatórios de vidro, lucernas, que o Sr. Dias de Deus conferia e guardava, sabedor do espólio que este tipo de sepulturas, sobretudo as de incineração, continha. Os restos osteológicos das de inumação, sabe-se, não eram valorizados. De vez em quando, aparecia Abel Viana. Tomava notas, fotografava o espólio, desenhava” (MACIEL, 2015, p. 198).

É certo que as recolhas e intervenções levadas a cabo pelos funcionários da Colónia Correcional e pelo pároco de Vila Fernando decorreram num contexto de mecanização dos trabalhos agrícolas e de crescente ‘antropização’ da paisagem rural da região alto alentejana, e consequente vulgarização de notícias de achados arqueológicos – “Graças à compreensão de grande parte de proprietários e

trabalhadores rurais, é que tem sido possível salvar muitos objectos que ficariam totalmente perdidos sob as lavras dos tractores ou das lavouras e cavas desses trabalhadores. Com frequência avisam- nos de qualquer aparecimento estranho e a nossa presença não se faz esperar. Assim aconteceu em Jerumenha que ao ser rasgada a estrada para aquela localidade, nos preveniram dos achados do Padrão e Monte Branco e ao serem abertos os alicerces para a construção de uma escola, nos preveniram igualmente do aparecimento de sepulturas./ Outro tanto se deu com os achados da Torre das Arcas, Pedrãozinho, Serrones, Chaminé e Horta da Serra, em que nos preveniram o aparecimento de sepulturas, algumas das quais já tinham sido totalmente violadas e destruída [sic] por aqueles mesmo trabalhadores, na ânsia da recolha de qualquer tesouro.” (MRB: VIANA, 21/01/1955, p. 75/ II);

“Disse-me o Sr. Lavadinho que os achados de ruínas e dos mais diversos monumentos eram ali

frequentes, sobretudo em Vila Fernando e na Terrugem, e que pena era vê-los destruídos por efeito dos trabalhos agrícolas, valendo em muitos casos a intervenção oportuna do Sr. Dias de Deus./ Segundo Lavadinho, as estações arqueológicas do Carrão, em Vila Fernando, e a da Terrugem, eram importantíssimas e, embora Dias de Deus fosse acudindo ao que podia, e apesar das suas boas relações com os donos dos terrenos e das simpatias com que conta entre os proprietários e trabalhadores do campo, isto não evitava a progressiva destruição das ruínas e monumentos, quer em

consequência das charruadas e da abertura de covas numa plantação de árvores, quer por causa do aproveitamento de certos materiais, e ainda pela curiosidade dos pastores, cavadores, mondadeiras e outra gente do campo.” (AFCB: VIANA, 10/12/1949, p. 1); “Dias de Deus não procura escavar aqui e além, onde quer que suponha haver, ou tenha certeza de existirem antiguidades arqueológicas. Está atento às informações que recebe sobre o que o curso das lavouras vai descobrindo e ameaça destruir, assim como acode ao que saiba estar em maior risco de breve desaparecimento./ E não é só a lavra para as sementeiras o motivo destas intervenções, mas também o arranque de arvoredo, as surribas, a abertura de caboucos, o rasgo de caminhos novos ou o alargamento dos antigos” (VIANA,

1955b, p. 7). Naturalmente que não se poderão considerar despiciendos para a dinâmica de pesquisas e achados arqueológicos ocorridos na região elvense na primeira metade do séc. XX factores como: a implementação da «Campanha do Trigo» (1929), acompanhada pelo já referido processo de progressiva mecanização da actividade agrícola e por uma intensificação do aproveitamento dos recursos pedológicos, ou o plano de melhoramentos rurais implementado em meados da década de 30 do século passado (nomeadamente a abertura e reparação de estradas e de outros equipamentos públicos, como escolas, fontes e lavadouros públicos)34, e a construção de novos «montes» (VIANA & DEUS, 1955b, p. 10). Contudo, e conforme se depreende a partir da documentação consultada, o início e boa parte destas explorações parecem ter resultado, não tanto da ocorrência de emergências de salvaguarda de património arqueológico, motivadas por trabalhos agrícolas ou obras de criação e melhoramento de infraestruturas, mas acima de tudo por “simples curiosidade e passatempo” (MRB: VIANA, 10/08/1955, p. 1) e pelo interesse na recolha de artefactos – “(...), fomos reunindo bastantes

objectos que, para nós, constituiam [sic] um valioso tesouro” (AFCB: DEUS, [s.d.]c, p. 1). Exemplo