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O controle de constitucionalidade como mecanismo garanti-

Capítulo I Fundam ento jurídico do controle' jurisdicional de consti-

1. Supremacia constitucional

1.3. O controle de constitucionalidade como mecanismo garanti-

I - Já Robespierre assinalava energicamente a supremacia da Declaração dos Direitos. No dia 10 de maio de 1793 foi à tribuna e proferiu o discurso que provocou a instalação de uma comissão encarregada de elaborar um texto novo de projeto, que se converteu na Constituição do ano I, adotada em 24 de junho, depois da queda dos girondinos, incorporando várias sugestões por ele formuladas naquele 10 de maio. É altamente significativa a seguinte passagem daquele discurso:

“A Declaração dos Direitos é a Constituição de todos os povos; as outras leis são mutáveis por sua natureza, e são subordinadas a ela. Que a Declaração esteja incessantemente presente em todos os espíritos; que brilhe na dianteira de vosso código público; que o primeiro artigo desse código seja a garantia formal de todos os direitos do homem. Que o segundo estabeleça que toda lei que fira esses direitos é tirânica e nula; que a Declaração seja pomposamente exaltada em todas as vossas cerimônias

públicas; que ela desperte a atenção do povo em todas as suas assembléias, em todos os locais onde residem seus mandatários; que seja escrita nas paredes de nossas casas; que seja a primeira lição dada aos filhos por seus pais”.42

Falar, hoje em dia, da supremacia da Constituição, é quase resvalar nos recantos da obviedade, ressabido como é que se trata, a supremacia constitucional, do pilar mor sobre que se assenta a cidadela do moderno Direito Público.43

Corpo de supina estatura, posto sobranceiramente no cimo do ordenamento jurídico, a preeminência da Constituição é verdade tal que levou, por exemplo, Orlando Bitar44 a reconhecer que se trata de noção básica da ciência política, em ordem a afastar qualquer investigação tendente a demonstrar isso, ao mesmo passo que desde logo excluiria, sem mais, toda perquirição que tendesse, no tempo e no espaço, a demonstrar o oposto, em que a Lei das Leis ficasse

efetivamente sob a hegemonia da lei ordinária.

Rigorosamente a única lei que dentro do ordenamento pode - e deve - ser chamada de suprema, tudo que está na Constituição supremo é, com o que fica subordinada a si toda a ordem jurídica nacional, não podendo subsistir norma que com ela seja incompatível.

42 ROBESPIERRE, Maximilien de. Discursos e relatórios na convenção, p. 109.

43 No sentido do texto, entre outros: FERREIRA, Luiz Pinto. “Princípio da supremacia da constituição e controle da constitucionalidade das leis: função constitucional do Supremo Tribunal Federal no Brasil”. In: RDP 17/17. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de

constitucionalidade'. conceitos, sistemas e efeitos, p. 22. VELLOSO, Carlos Mário da Silva.

“Controle de constitucionalidade na constituição brasileira de 1988”. In: RDP 92/43.

44 “A lei e a constituição: alguns aspectos do controle jurisdicional de constitucionalidade”. In: Obras completas de Orlando Bitar: estudos de direito constitucional e direito do trabalho, v. 1, p. 449.

Releva acentuar que Enterría45 chega a exclamar que a técnica de atribuir à Constituição valor normativo superior, judicialmente tutelado, é a mais importante criação, com o sistema federal, do constitucionalismo norte- americano e sua grande inovação frente à tradição inglesa de que surgiu.

II - Acontece, porém, que a supremacia constitucional, em si e por si, não porta força necessária para fazer-se cumprir. É preciso que se faça um travejamento tal no sistema, que tome real e efetiva a supremacia, no sentido de fazer-se respeitada.

É pensar que entronizar a Constituição na excelsa dignidade de corpo preeminente ante todo o ordenamento, mas deixar aberta a porta larga que dê passagem incólume a todo tipo de violação que lhe possa ser introduzida, assim legislativa, que por ato de autoridade, equivale, a olhos vistos, a fazer alusão a supremacia constitucional como eloqüente exercício de retoricismo.

Só tem sentido falar-se em supremacia da Constituição se se puser, do mesmo passo, o instrumento eficaz para assegurar essa supremacia. Se eventual malferimento à norma constitucional não encontrar antídoto efetuoso que o debele cerce, não haverá utilidade falar-se em supremacia constitucional. Um ordenamento que tenha uma Constituição, dita preeminente, mas em que os atos inferiores a possam validamente afrontar, corresponde, em rigor, a dito falacioso, mero devaneio que não resistiria à primeira análise.

45 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La constitución como norma y el tribunal

constitucional, pp. 50-51: “La técnica de atribuir a la Constitución el valor normativo superior,

inmune a las Leyes ordinarias y más bien determinante de la validez de éstas, valor superior judicialmente tutelado, es la más importante creación, con el sistema federal, dei constitucionalismo norteamericano y su gran innovación frente a la tradición inglesa de que surgió”.

Bem por isso, em outro contexto embora, Kelsen46 advertia que “Uma constituição a que falte a garantia de anulação dos atos inconstitucionais não é, em sentido técnico, completamente obrigatória”.

Somente se pode falar que está sendo realizada eficazmente a supremacia constitucional, se o próprio ordenamento jurídico consagrar, na prática, meios destinados a sancionar as infrações à Constituição. Não basta proclamar a supremacia da Constituição, se não forem criados mecanismos e técnicas adequados para coibir ou sancionar a violação das normas constitucionais.47

III - Não é preciso ir adiante: decididamente, o controle de constitucionalidade é a panacéia infalível para atingir-se esse desiderato. É, declaradamente, “o mais abrangente instrumento de garantir a supremacia constitucional”. “O principal mecanismo de defesa ou de garantia da Constituição consiste na fiscalização da constitucionalidade”, assegura Clève.49

46 KELSEN, Hans. “La garanzia giurisdizionale delia costituzione (La giustizia costituzionale)”. In: La giustizia costituzionale, p. 199: “Una costituzione cui manchi la garanzia delfannullamento degli atti incostituzionali non è, in senso técnico, completamente obbligatoria”.

47 DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional, p. 104. FLORES, Patrícia Teixeira de Rezende. Aspectos processuais da ação direta de

inconstitucionalidade de lei municipal, p. 33. GUASTINI, Riccardo. Estúdios de teoria constitucional, p. 194. MEIRELLES, José Horário Teixeira. Curso de direito constitucional, p.

127. VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as leis 9.868 de 10.11.1999 e 9.882 de 03.12.1999, pp. 17-18.

48 MELO, José Tarcízio de Almeida. Direito constitucional brasileiro, p. 55.

49 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito

Realmente, não há como não se reconhecer que a supremacia da Constituição acaba reduzida a simples exortação, sem um sistema efetivo de fiscalização de constitucionalidade. Como adverte Bonavides50, sem esse controle, a supremacia da norma constitucional será vã, o que frustraria a máxima vantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes proporciona ao adequado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitos enumerados na lei fundamental.

Passando-se as coisas desta maneira, tem-se que o controle de constitucionalidade tem como fundamento jurídico assegurar a supremacia constitucional.51 Esta - a supremacia da Constituição -, para tornar-se efetiva, reclama, antes de mais, a existência de controle de constitucionalidade enquanto meio eficaz para sancionar as infrações perpetradas contra a Constituição.

Para falar com Raul Machado Horta , o corolário lógico da supremacia constitucional é o controle da constitucionalidade das leis. É, induvidosamente, seu instrumento necessário, o requisito para que a

50 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 297.

51 Verbi gratia: BUSSAMARA, Walter Alexandre. “Da possibilidade do controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo, em matéria tributária, pelos órgãos julgadores administrativos”. In: RDCI 35/169. DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e

hermenêutica constitucional, p. 105. FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira;

FERNANDES, Rodrigo Pieroni. “A argüição de descumprimento de preceito fundamental e a manipulação dos efeitos de sua decisão”, p. 1. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “O sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade (leis n° 9.868, de 10 de novembro e n° 9.982, de 3 de dezembro de 1999)”. In: RDA 220/2. HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional, pp. 143 e 146. MENDES, Gilmar Ferreira. “A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania - Necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão: possibilidade da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no direito brasileiro”. In: CDTFP 3/22.

superioridade constitucional não se transforme em preceito moralmente platônico e a Constituição em simples programa político, moralmente obrigatório, um repositório de bons conselhos, para uso esporádico ou intermitente do legislador, que lhe pode vibrar, impunemente, golpes que a retalham e desfiguram.

Capítulo II