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Capítulo 3 – Os documentos da chancelaria

1. O corpus documental

Definidos os conceito de chancelaria e de documento de chancelaria e apresentado o processo de elaboração dos mesmos, passaremos à apresentação do corpus documental coligido para o estudo e análise da chancelaria do Porto entre 1113 e 1247. Perfazem ao todo um total de 104 documentos. Deste conjunto de documentos fazem parte, em primeiro lugar, todos os actos que têm pelo menos como um dos outorgantes a Sé do Porto (isto é, mitra e cabido num todo), algum dos seus bispos, o cabido ou ainda alguns dos seus cónegos (como representantes do cabido). Este conjunto, a chamamos documentos episcopais, é constituído por 86 documentos, ou seja, 82,9% do total.

Um segundo grupo do acervo recolhido é constituído pelos actos cujos outorgantes são particulares (mesmo que sejam membros do cabido e da Sé, incluído o próprio bispo, mas que agem como particulares) ou outras instituições mas que foram elaborados e/ou validados no

scriptorium portuense seguindo os seus formulários e que, por essa razão, lhe pertencem, como

dissemos, aliás, a propósito da definição de documento de chancelaria1. Bastante mais pequeno que o outro, este grupo, que designamos por documentos com outorgantes particulares, conta com um total de 18 documentos que representam 17,3% da totalidade2.

O gráfico seguinte apresenta estes dois conjuntos mas subdivididos por tipo de outorgantes.

Gráfico 1 - Documentos da Chancelaria do Porto 1113-1247 68 7 10 9 4 6 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Sé Bi sp o Ca bi do P ar tic ul ar e s Mo n a rca Có ne go s Doc.Episcopais Doc.Out.Particulares Tipo de Outorgantes 1

Vide ponto 3 do Capítulo 1 da Parte II.

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Seguimos a terminologia proposta por CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.

Um total de 104 documentos num período de 134 anos dá uma média anual de 0,77 doc./ano. Este valor é bastante reduzido se tivermos em conta os valores conhecidos para outras chancelarias episcopais portuguesas, nomeadamente de Braga, que é de 3,4 doc./ano, para o período entre 1071 e 1244, e de Coimbra, de 2,18 doc./ano, para o período entre 1080- 13183.

Quanto à produção anual das chancelarias monásticas portuguesas4 apresentamos, a título de exemplo, os valores referentes à produção do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, entre 1131 e 1322, que é de 7,92 documentos por ano5, e dos alguns dos mosteiros da diocese do Porto nomeadamente Pendorada, Pedroso e Moreira, apesar de termos consciência que os períodos cronológicos indicados são diferentes do nosso.

Quadro 10 – Produção média anual em mosteiros da diocese do Porto

Mosteiro Cronologia Nº docs. Média anual

S. João de Pendorada6 995-1200 493 2,39

S. Pedro de Pedroso 897-1200 169 0,56 S. Salvador de Moreira 907-1200 345 1,19

Interessante será também comparar a produção média anual da chancelaria da Sé do Porto com as suas congéneres europeias. Para não repetirmos exaustivamente os resultados apresentados já noutros trabalhos7, apontaremos apenas os valores mais baixos relativos às dioceses espanholas, francesas, inglesas e alemãs de modo a podermos situar o Porto no âmbito da produção europeia. Assim, na diocese espanhola de Burgos produziram-se, entre 1074 e 1300, 0,61 doc./ano8. As duas dioceses francesas “menos produtivas” são as de Estrasburgo,

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Respectivamente CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.164, MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria…, p.334. Esta última Autora apresenta dois valores, um referente à produção média anual do que considera serem os documentos de chancelaria e outro referente à produção da chancelaria mais “outros documentos” da Sé de Coimbra que dá a média anual de 4,03 documentos. Indica ainda que na Sé de Lamego, entre 1142 e 1198, e na de Viseu, entre 1078 e 1200, a média anual de documentos é, respectivamente, de 0,26 e 1,54 doc./ano (MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria…, p.336).

4

Sobre a produção documental de alguns mosteiros espanhóis veja-se: SIERRA MACARRÓN, Leonor – “Producción y conservación de la documentación altomedieval: del Cantábrico al Duero (Siglos IX-XI)”, in Signo. Revista de História de la Cultura Escrita. 13 (2004), Universidad de Alcalá, p.99-120.

5

GOMES, Saul António – In Limine Conscriptionis…, vol. I, p.838.

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Os dados para este mosteiro e para os dois seguintes foram obtidos, respectivamente, a partir de GUERRA, António Joaquim Ribeiro – Os diplomas privados em Portugal…, Apêndice I, p.293-306, 289-293 e 392-400.

7

Veja-se: CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.130-131; GOMES, Saul António – In Limine Conscriptionis…, vol. I, p.857-860; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria…, p.338-340.

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Importa referir que esta é a única diocese espanhola para a qual se fez este tipo de cálculos. Veja-se: OSTOS SALCEDO, Pilar – “Documentos y cancilleria episcopal de Burgos…”, p.432. Num outro estudo, de carácter eminentemente diferente, é apresentado, em gráfico, o número de documentos respeitantes aos séculos XI, XII e

com 0,58 doc./ano no período entre 1082/4-1162, e Metz, com 0,84 doc./ano de 742 a 12129. Em Inglaterra a produção mais baixa pertenceu à diocese de Exeter, na qual, entre 1046 e 1257, se elaboraram 1,54 documentos anualmente10. Entre 1059 e 1252 foram produzidos na diocese alemã de Halberstadt um total de 598 documentos o que perfaz uma média anual de 3,09 docs11.

Destes valores concluímos que apenas na “vizinha” diocese de Burgos, num período ainda assim mais alargado do que aquele que nos ocupamos, se produziram menos documentos que no Porto. Quanto à de Estrasburgo, a comparação torna-se mais difícil uma vez que os períodos em confronto são bastante díspares. No entanto, entre 1113 e 1162 foram produzidos, no Porto, 49 documentos sendo por isso a média anual 1 doc./ano, ou seja, superior à de Estrasburgo. Em relação a todas as outras dioceses europeias apresentadas, os valores são superiores aos do Porto, e nestes casos os períodos em causa são relativamente semelhantes, apesar de mais dilatados, ao que nos ocupa. De facto, o grande problema deste tipo de comparações reside nos diferentes espaços de tempo analisados em cada diocese, obrigando a colocar “entre parênteses” os resultados obtidos.

A média de 0,77 doc./ano obtida para o período entre 1113 e 1247, tendo em conta os 104 documentos produzidos na chancelaria, “esconde” médias diferentes quando em causa estão as produções por década e por episcopado, parecendo-nos, esta última, a mais interessante de todas. Por esse motivo, elaboramos os gráficos seguintes.

XIII conservados nas dioceses espanholas de Burgos, León, Oviedo, Santiago de Compostela, Sigüenza e Valladolid (SIERRA MACARRÓN, Leonor – “La escritura y el poder: el aumento de la producción escrita en Castilla y León (siglos XI-XIII)”, in Signo. Revista de Historia de la Cultura Escrita 8 (2001). Universidad de Alcalá, p.274, gráfico III). Mas, como a Autora salienta, as cifras são apenas “orientadoras” uma vez que foram contabilizadas unicamente a partir de documentação publicada representando, por isso, “una muestra de lo que debió ser la producción escrita castellano-leonesa… De este modo, si a la documentación publicada le hubiera sumada la inédita, indudablemente hobría aumentado la intensidad documental que aparece en las gráficas” (SIERRA MACARRÓN, Leonor – “La escritura y el poder…”, p.252). Mesmo tendo em conta estas contingências e uma outra que se prende com a escala bastante ampla do gráfico (de 0 a 1000 documentos) e a falta dos valores “absolutos” para cada século em cada catedral, verificamos o seguinte: na catedral de Burgos conservam-se ± 250 documentos do século XII e ± 530 do XIII; em León ± 450 do XII e 900 do XIII; em Oviedo ± 125 do XII e ± 295 do XIII; em Santiago de Compostela ± 190 do XII e ± 75 do XIII; em Sigüenza ± 130 do XII e ± 125 do XIII, e em Valladolid ± 50 do XII e ± 125 do XIII. Salientamos ainda um comentário da Autora em relação aos valores destas duas últimas catedrais: “en estos dos casos particulares la gráfica no refleja la realidad, ya que la producción escrita del siglo XIII en el caso de ambas catedrales es superior a la del XII, pero mientras la de este siglo se ha publicado casi toda, aún queda mucha de aquel po editar” (SIERRA MACARRÓN, Leonor – “La escritura y el poder…”, p.261, n.30).

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Valores apresentados por CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.130.

10

Dados fornecidos por GOMES, Saul António – In Limine Conscriptionis…, vol. I, p.859, n.198.

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Cálculos efectuados por CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.130.

Gráfico 2 - Média de doc./ano por década 0,3 1,3 0,6 1,3 1,3 0,2 0,4 0,3 0,3 0,2 0,4 0,6 2,7 0,5 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 1113 -1120 1121 -11 30 1131 -114 0 114 1-1150 1151 -1160 1161 -11 70 1171 -118 0 1181 -1190 1191 -1200 1201 -1210 1211 -12 20 1221 -123 0 123 1-1240 1241 -1247 N º de d o cu m e n tos

Gráfico 3 – Produção documental por episcopado (1113-1247)

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 NºAnosEpisc. 23 1 7 6 20 9 3 44 12 NºDocs. 19 3 10 4 15 5 1 21 26 Média anual 0,82 3 1,42 0,66 0,75 0,55 0,33 0,47 2,16 Hugo (1113-36) João Peculiar (1137-38) P.Rabalde s (1138- 45) P.Pitões (1146-52) P.Sénior (1154-74) Fernando Martins (1176-85) M.Pires (1186-89) M.Rodrig. (1191- 1235) P.Salvado res (1235- 47)

Da análise deste gráfico concluímos que os episcopados mais produtivos foram os de D. João Peculiar com o valor “recorde” de três documentos feitos num único ano, e também os de D. Pedro Salvadores, com 2,16 doc./ ano, de D. Pedro Rabaldes, com 1,42 doc./ano fruto de apenas sete anos, e de D. Hugo, que nos seus 23 anos de episcopado produziu 19 documentos, resultando na média de 0,82 doc./ano. Em todos os outros episcopados a média ficou à quem dos 0,78 doc./ano. Assim, à excepção do episcopado de D. João Peculiar e de D. Pedro Rabaldes, a tendência foi desde D. Hugo para uma descida média de produção só contrariada por D. Pedro Salvadores 100 anos depois.

Relacionando a produção de documentos por décadas com a produção por episcopados, ficamos a perceber que o aumento de actos nos anos de 1121-1130 se fica a dever em exclusivo a D. Hugo, que metade dos documentos da década de 1131-1140 se fizeram no pequeno episcopado de D. João Peculiar, que a produção dos decénios de 1141-1160 se deveu principalmente a D. Pedro Rabaldes e a D. Pedro Sénior. Quanto às médias baixas verificadas nas décadas de 1161-1210 resultam principalmente da reduzida produção nos episcopados de D. Fernando Martins, de D. Martinho Pires, no qual em três anos apenas se produziu um único documento12, e de D. Martinho Rodrigues que durante o seu longo episcopado apenas viu serem elaborados 21 documentos. O aumento significativo no decénio de 1231-1240 ficou, por isso a dever-se aos cinco anos do episcopado de D. Pedro Salvadores. A produção diminuiu, efectivamente, durante os últimos sete anos da sua prelatura provavelmente por causa da implantação do tabelionado em 1242. De facto, apenas contabilizamos dois documentos depois dessa data, um de 1244 e outro do ano seguinte13. Em geral, a produção de documentos está directamente relacionada com a vida e gestão da diocese tanto por parte do bispo como do cabido. Não nos espanta que, por essa razão, se tenham produzido na chancelaria, durante o episcopado de D. Hugo, 19 documentos. Restaurada a diocese, restou aos seus sucessores geri- la, o que fizeram, com certeza, sem que para isso tenham recorrido à elaboração de um grande número de documentos. As lutas voltariam ao Porto com D. Martinho Rodrigues e com ele também um aumento muito significativo da produção do scriptorium. Contudo, muitos desses documentos foram da “responsabilidade” do cabido que, tendo ganho “autonomia” no episcopado anterior, começou a gerir o seu próprio património. A D. Pedro Salvadores colocaram-se novos problemas na gestão da diocese e o número de documentos produzidos voltou a aumentar, mesmo tendo em conta o surgimento dos tabeliães no Porto14.

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Apesar das grandes mudanças que fez na diocese do Porto durante a sua prelazia, a verdade é que restam muito poucos documentos que atestem os três anos do seu episcopado.

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Respectivamente, IAN/TT, Gav.VII, mç.10, nº21, ADP, Cartº Cab., Liv. Originais, 1661(3), fl.24-26v, e IAN/TT, C.R., S. Domingos do Porto, maço único, doc.9 e 10. Tal facto prende-se com a própria natureza destes documentos, uma composição e uma missiva.

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1.1. Os originais e as cópias

Depois de conhecido no número de documentos compulsados, a sua distribuição pelos diferentes episcopados e respectivas médias anuais, e antes de procedermos ao estudo da sua natureza e tipologia documental, daremos conta da respectiva tradição documental, ou seja, se são originais ou cópias. Dos 104 documentos compulsados 34 são originais (32,6% do total) e 70 são cópias (67,3% do total), das quais quatro são traslados em originais15. Existe também a versão em original e cópia de dois destes 104 actos, tendo sido contados no grupo dos originais. O gráfico 4 apresenta estes valores acrescentando a informação por episcopado.

Gráfico 4 - Nº de documentos que se conservam no original e em cópias por episcopado

3 1 5 2 1 19 3 19 3 7 3 10 3 2 23 0 5 10 15 20 25 D. Hu go ( 1113 -36 ) D. Jo ão (1 137- 38) D. P .Rab aldes (11 38-45 ) D. P .Pitõ es (1 146 -52 ) D. P .Sén ior (1 154- 74) D. F erna ndo ( 1176 -85) D. M .Pires (11 86-89) D. M .Rod rigu es (1 191 -1235 ) D. P .Sal vadore s (12 35-4 7) Originais Cópias

A primeira leitura deste gráfico mostra de imediato que os documentos conservados em cópias foram fundamentais para o conhecimento da chancelaria no período estudado, dado que aparecem, e são maioritários, em quase todos os episcopados, à excepção do de D. Martinho Pires. Uma segunda constatação é a de que as cópias são sempre em número mais elevado que os originais, principalmente no episcopado de D. Pedro Salvadores cuja percentagem é 88,8% do total, exceptuando-se o de D. Martinho Rodrigues no qual 19, ou seja, mais de 90% do total,

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Dos 506 documentos compulsados para a Sé de Coimbra, 28% são cópias e 72% são originais (MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria…, p.346-347). Na chancelaria crúzia dos 1521 diplomas 811 são originais (53% do total) e 710 são cópias (47% do total) (GOMES, Saul António – In Limine Conscriptionis…, vol. I, p.836-841).

são originais16. Uma última observação para os dois primeiros episcopados dos quais não restaram documentos originais. De facto, o original mais antigo é de 1143.0317, ou seja, do tempo de D. Pedro Rabaldes, embora a documento mais antigo de todo o acervo date de 1116.09.1118.

1.2. A tipologia documental

Passaremos à tipologia documental dos 104 documentos produzidos na chancelaria do Porto entre 1113 e 1247. O critério que usaremos é igual ao usado por Cristina Cunha no seu estudo sobre a chancelaria de Braga por ser aquele que classifica os documentos do ponto de vista diplomático-jurídico e não do do seu conteúdo, ou seja, tem em conta o que o acto é, independentemente do assunto que trata19. Na prática dois documentos tipologicamente iguais podem tratar de assuntos diferentes: por exemplo, uma confirmação de uma doação e uma confirmação de uma composição são ambos, como veremos, actos confirmativos ou certificativos.

Os documentos foram divididos nos seguintes tipos consoante a sua natureza jurídica20: Negócios Jurídicos, Actos Jurídicos, Actos Jurisdicionais, Actos Judiciais, Actos Certificativos ou Confirmativos e Outros.

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Tal facto explica-se, em parte, pelo número de documentos de outorgantes particulares feitos e conservados no cartório e pelo número considerável de documentos episcopais outorgados pelo cabido, ao todo, 13 documentos. Lembramos também que durante o seu episcopado, D. Martinho Rodrigues se ausentou da diocese por várias vezes. Veja-se o que sobre este bispo dissemos no ponto 1.2 do Capítulo I da Parte I.

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ADP, Cartº Cab., Liv. Originais, 1688(30), fl.22.

18

VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de – Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram.... Edição Crítica. Porto-Lisboa: Livraria Civilização, 1966, vol. II, p.335-336, também publicado em DP 20.

19

Outras tipologias foram usadas nomeadamente no estudo da documentação régia (HOMEM, Armando Luís de Carvalho – O Desembargo Régio: 1320-1433. Porto: INIC-CHUP, 1990, p.66; PEREIRA, Isaías da Rosa, COELHO, Maria Helena da Cruz, MARQUES, José, HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “Diplomatique royale portugaise: Alphonse IV (1325-1357), in Diplomatique Royale du Moyen Âge. XIIIe-XIVe siècles. Actes du Colloque, coord. José Marques. Porto: FLUP, 1996, p.133-161; FREITAS, Judite Antonieta Gonçalves de – “Temos por bem e mandamos”: a burocracia régia e os seus oficiais em meados de Quatrocentos: 1439-1460. (Dissertação de Doutoramento), 3 vols., Porto, 1999; SANTOS, Maria José Azevedo – Ler e compreender a escrita na Idade Média. Lisboa: Edições Colibri – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2000, p.27; BERNARDINO, Sandra Virgínia Pereira Gonçalves – Sancius Secundus Rex Portugalensis…, p.150-151; NEVES, João António Mendes – A “Formosa” Chancelaria – estudo dos originais da chancelaria de D. Fernando (1367-1383). (Dissertação de Mestrado em História da Idade Média) Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, p.68), da documentação notarial (NOGUEIRA, Bernardo de Sá – Tabelionado e instrumento público…, vol. I, p.71-73; COELHO, Maria Helena da Cruz – “Os tabeliães em Portugal, perfil profissional e sócio-económico”, in Estudos de Diplomática…, p.131-137), da documentação monástica (GOMES, Saul António – In Limine Conscriptionis…, vol. I, p.1004-1055) e até da documentação episcopal, neste caso, da chancelaria da Sé de Coimbra (MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria…, p.361-365).

20

Segundo o Vocabulaire International a natureza jurídica de um acto é determinada “par le type des droits et des obligations que la volonté de leurs auteurs fait naître, modifier, renouveler, confirmer ou éteindre” (Vocabulaire International de la Diplomatique, nº424).

Os Negócios Jurídicos “radicam nos efeitos desejados pelos outorgantes, sendo as declarações efectuadas com o objectivo de se obter um certo efeito”21. Podem ser unilaterais, representados no nosso acervo por dois testamentos, dependendo a sua elaboração exclusivamente da vontade de um outorgante, nestes casos o testador. Podem também ser bilaterais, passando a sua elaboração a depender da vontade de dois outorgantes, como acontece, por exemplo, nas doações onde se conjuga a vontade do doador e a aceitação do donatário22. No nosso acervo foram contabilizadas 54 doações, ou seja, mais de metade do total de documentos. São também negócios jurídicos bilaterais os actos de administração, de que são exemplos os escambos, os actos mistos, os de alienação, como é o caso das cartas de compra/venda, os de oneração, de que é exemplo o pagamento, e os pactos23. Ao todo, os negócios jurídicos compulsados são 85, representando, assim, 81,7% do total.

Os três Actos Jurídicos do nosso acervo têm natureza eclesiástica: um diz respeito a uma isenção de jurisdição, outro à entrega de uma igreja e o último é um foral. Neles importam principalmente as consequências que produzirão, ou seja, o seu efeito externo mais do que a vontade dos outorgantes, que também está presente. São, como dissemos, apenas três, perfazendo no total de documentos de 2,9%.

Nos Actos Jurisdicionais reflecte-se directamente o jus dicere do bispo enquanto instância com poder temporal, uma vez que é senhor da cidade e da sua jurisdição, mas também, e obviamente, com poder eclesiástico sobre a diocese. Estes documentos são, por isso, “actos próprios do exercício do poder ou da actividade de julgar”24. Não admira que deste grupo façam parte documentos de vária natureza, ou com conteúdos diversos, nomeadamente, eclesiástica, espiritual e civil ou temporal. As sentenças e composições feitas perante juízes, entre os quais o próprio bispo, no decorrer de um processo, constituem verdadeiros actos de jurisdição. Conhecemos mais sentenças e composições proferidas pelos bispos do Porto ou envolvendo outros membros da Sé do Porto, mas, de facto, apenas cinco foram feitas na chancelaria portuense, o que corresponde a 4,8% do total documentos. Esta constatação fez-nos pensar que, tal como acontece em Braga, o valor apontado «não reflecte uma “paz social” ou uma pequena actividade judicial» dos prelados do Porto mas que será principalmente «o resultado dos “hábitos” medievais relacionados com a conservação e guarda dos documentos:

21

CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.131.

22

“Ao contrário dos testamentos, as doações são actos receptícios e irrevogáveis, uma vez que geram expectativa por parte do donatário” (CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.131, n.12).

23

Os pactos são “negócios jurídicos bilaterias, normalmente atípicos, nos quais se fixam direitos e deveres das partes que outorgam os actos, e que têm frequentemente subjacente uma qualquer forma de transigência de uma dessas partes. São documentos extra judiciais, que visam essencialmente evitar litígios posteriores sobre um determinado objecto” (CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.132, n.13).

24

após os pleitos, era à parte que ganhava o processo que competia pôr em escrito o julgamento que lhe tinha sido favorável»25 e essa elaboração, aparentemente, não parece ter sido da responsabilidade do scriptorium portucalense.

Os Actos Judiciais são, como o próprio termo indica, os que se produzem no âmbito da vida e organização judicial. Surgem por causa, ou são consequência, de conflitos. Foram contabilizados apenas dois actos judiciais (ou seja, 1,9% do total): um documento de inquirição de testemunhas, no processo de um conflito, e uma agnição26. O seu reduzido número pode estar relacionado, entre outras razões, com a perda do seu significado uma vez concluído o processo judicial. Tal pode ter acontecido com eventuais intimações ou alegações, feitas durante os vários conflitos que surgiram na diocese, que por vezes vemos “reduzidas” a frases nas composições finais.

Os Actos Certificativos ou Confirmativos são todos aqueles em que a chancelaria episcopal “dá força probatória a documentos pré-existentes, mediante a aposição de selos ou através de outra forma”27 de validação e autenticação. Os dois actos certificativos de que dispomos (1,9% do total do acervo) confirmam duas composições antes estabelecidas e ligadas