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Capítulo 2 – O Cabido: origem, estrutura, organização e membros

2. A composição do cabido do Porto

1.4. O tesoureiro

Ao tesoureiro estava incumbida a tarefa de guardar os bens mais preciosos da catedral, ou seja, os seus “tesouros”80. E por tesouro entendiam-se os objectos de uso litúrgico, como sejam os cálices, as cruzes, os paramentos e jóias que ornamentavam a igreja, as relíquias, mas também os livros e escritos capitulares, avulsos, em códices ou cartulários81. Ao tesoureiro estavam igualmente adstritas funções ligadas directamente ao funcionamento do culto na catedral. Nesse âmbito deveria tanger os sinos para chamar os fiéis, abrir e fechar as portas catedral, manter sempre bem iluminado o espaço sagrado, providenciar a feitura de hóstias e

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ADP, Cartº Cab., Liv. Originais, 1678(20), fl.14.

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A relação próxima entre ambos ficou patente quando, em Março de 1220, D. Afonso II declarou ser de seu agrado que o abade de Cister introduzisse a Ordem em Portugal nomeadamente no mosteiro de Sta. Cruz de Coimbra, desde que obtivesse o beneplácito do prior e cónegos, e que fossem salvaguardados os direitos de padroado régio e os prestimónios que Mestre Vicente, deão de Lisboa, e Mestre Paio, chantre do Porto, aí possuíam (COSTA, António Domingues de Sousa – Mestre Silvestre..., p.90-91).

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Sobre este chantre veja-se: COSTA – António Domingues de Sousa – Mestre Silvestre..., (especialmente) p.490-493; BRANCO, Maria João Violante – Poder Real e Eclesiásticos…, vol. I, p.518-520 e vol. II, p.125-126 e RAMOS, Cláudia Maria da Silva – O Mosteiro e a Colegiada de Guimarães (ca.950-1250). (Dissertação de Mestrado Policopiada), 2 vols., Porto: Faculdade de Letras, 1991, p.96-99 e 101. Poucos dias antes, Honório III havia pedido aos mesmos delegados que obrigassem o arcebispo de Braga devolver a mestre Paio um prestimónio que possuía no arcebispado antes do Concílio Geral, e de que fora privado pelo arcebispo durante a contenda sobre o priorado de Guimarães (COSTA, António Domingues de Sousa – Mestre Silvestre..., p.159, n.282).

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ADP, Cartº Cab., Liv. Originais, 1666(8), fl.16, 17, 18, 26 e 27, e, Censual do Cabido…, p.402-403.

79

Bulário Português – Inocêncio III…, nº191, p.345.

80

Sobre os tesouros de outras catedrais veja-se, por exemplo, COSTA, Avelino de Jesus da – “A Biblioteca e o tesouro da Sé de Braga nos séculos XV a XVIII”, in Theologica 18 (1-4). Braga: Instituto Superior de Teologia, 1983, p.5-364; Idem – “ A Biblioteca e o tesouro da Sé de Coimbra nos séculos XI a XVI”, in Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, nº 38, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1983, p.1-224.

81

RODRIGUES, Ana Maria S. A. – “Dignidades Eclesiásticas”, in Dicionário de História Religiosa…, II, p.67- 68; MARQUES, José – A Arquidiocese de Braga…, p.330.

prover de água e vinho as celebrações eucarísticas. O tesoureiro poderia também exercer a função de ecónomo do cabido82.

Gostaríamos de saber que “tesouros” seriam guardados pelo tesoureiro do Porto. Certamente que a Sé possuía, em maior ou menor quantidade e qualidade, livros e alfaias litúrgicas necessárias para a realização do culto. Mas o que sabemos é-nos dado a conhecer apenas através dos testamentos dos bispos D. Fernando Martins e D. Pedro Salvadores83. No primeiro, para além de uma série de livros, o prelado legou à Sé um anel “maiorem qui habet

lapidem saphirum”, três pentes de marfim, três “facergenes” (talvez galhetas) e dois pares de

candelabros “de Alimoges”84. Já D. Pedro, para além do Saltério já referido, deixou os seus “giraldices”, um ao altar de S. Salvador “et alios aliis altaribus” todos “ad missas dicendas”85. Neste último testamento, o tesoureiro, “qui pro tempore fuerit”, ficou encarregue de manter acesas “trium lampadarum”: uma no altar de S. Salvador, outra no de Santa Maria e a terceira no de S. Pedro, e de “percipiat ex eis census”86.

Apesar desta dignidade só ter sido criada, depois de 1186, aparecem referências a um

thesaurarius / sacrista da Sé logo em Setembro de 1119. De facto, Gundisalvus intitula-se num

documento dessa data como Portugalensis thesaurarius et presbiter, e em outros dois, ambos de 1123, como sacrista87. Tal como acontece na diocese de Braga, verificamos que também no Porto tesoureiro e sacristão são, nesta época, sinónimos88. Parece-nos também provável que este Gonçalo seja o arcediago que surge na documentação entre 1120 e 113789. Depois dele, e até à reforma de D. Martinho Pires (1186-1189), altura em que é criada, ou restabelecida, esta dignidade90, o lugar de tesoureiro “desaparece” da documentação. Martinho Rodrigues será o primeiro a reocupá-lo, até ascender à cátedra portuense em 1191. Salientamos o facto ter sido ele a primeira digindade capitular do Porto a ter sido eleita bispo dessa diocese. Tal voltaria a acontecer com os quatro seguintes bispos do Porto, ou seja, até ao final do século XIII91.

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Tal situação foi verificada em Braga (CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.111). A mesma Autora acrescenta ainda que: “Para além do registo das receitas e despesas que certamente seria feito em tabuinhas de cera, pergaminhos ou volumes destinados para tal fim, o thesaurarius “arquivava” as cartas e todos os diplomas que titulassem a posse, por parte da Igreja de Braga, das diferentes propriedades e direitos”.

83

Respectivamente de [antes de 1185.11.08] e [antes de 1247.06.24] (Censual do Cabido…, p.385-389 e 390- 393). 84 Censual do Cabido…, p.385-386. 85 Censual do Cabido…, p.391. 86 Censual do Cabido…, p.393. 87

Respectivamente: Censual do Cabido…, p.156-157, e, DP, 104; Censual do Cabido…, p.42, e, DP, 309; Censual do Cabido…, p.43-44, e, DP, 357.

88

CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga…, p.110.

89

Vide supra Quadro 2.

90

Censual do Cabido…, p.494.

91

D. Pedro Salvadores (1235-1247) foi mestre-escola, D. Julião Fernandes (1247-1260) foi chantre, D. Vicente Mendes (1261-1296) foi deão e D. Sancho Pires (1296-1300) foi também deão do Porto.

Depois de Martinho Rodrigues a dignidade esteve vagante até 1260, ano em que surge Vasco Fagundes que permaneceu no cargo até falecer em 127792.

Quadro 4 – Tesoureiros da Sé do Porto (1113-1247)

Nome 1ª Ref. Última Ref. Obs. Fontes

Gonçalo 1119.09.23 1123.06.12 Referido como tesourarius e sacrista. Também foi arcediago (Vd. quadro respectivo). DP, 104; Censual do Cabido…, p.43-44, DP, 357. Martinho Rodrigues [1186- 1189]

1190 Depois bispo do Porto. Censual do Cabido…, p.494