• Nenhum resultado encontrado

O Critério da Proporcionalidade como Vedação da Insuficiência

6.1 A IDEIA DA IGUALDADE NO PARADIGMA SOCIAL

6.1.3 O Critério da Proporcionalidade como Vedação da Insuficiência

A igualdade jurídica ou formal se caracteriza por um alto grau de generalidade e abstração. A igualdade perante a lei nada dirá a respeito da igualdade substantiva, a não ser como um objetivo a ser alcançado. A igualdade formal, nesse sentido, é um ponto de partida. A igualdade fática, a realização do objetivo previsto, é o ponto de chegada.

A dimensão jurídico-formal abstrata é indispensável ao projeto da igualdade substantiva ao estabelecer, por exemplo, os direitos a algo: quer no sentido negativo, ou de direitos de defesa na denominação oferecida por Alexy232, ao vedar e estabelecer discriminações em favor da igualdade fática; quer no sentido de ações positivas ao prever as obrigações de prestação em benefício de determinados indivíduos ou grupos sociais233.

Contudo, ainda na acepção de direitos à prestação, a desigualdade jurídica, na acepção de Alexy, não pode mais do que estabelecer um projeto de igualdade substantiva, o

subjetivos definitivos a prestações; a mais débil, as normas não-vinculantes, que fundamentam um mero dever objetivo prima fácie do Estado a prover prestações. (Ibid., p. 499-503).

230

Ibid., p. 418.

231 Sobre o conceito de liberdade negativa em Alexy: “A liberdade negativa em sentido amplo vai além da

liberdade em sentido estrito ou liberdade liberal. De um lado ela inclui essa liberdade liberal e, de outro, abarca outras coisas, como a liberdade econômico-social, a qual não existe se o indivíduo estiver submetido a uma situação de privação econômica que o embarace em seu exercício de alternativas de ação.” (Ibid., p. 351).

232 Ibid., p. 196. 233 Ibid., p. 201.

que certamente não torna esta um objeto extrajurídico, estranho ao Direito. O Direito dispõe com base em e sobre situações concretas. Ele não abrange apenas a concepção das normas gerais e abstratas, mas todo o arco que parte da situação social concreta como inspiração da hipótese normativa abstrata, até retornar novamente a ela, através da aplicação concreta do abstratamente previsto.

Nesse aspecto, a realização dos direitos sociais como expressão da busca de igualdade substancial deverá permear todo o âmbito de manifestação do Direito. Da apreensão do comando de igualdade como norma fundamental com base na percepção da realidade fática, da previsão normativa abstrata através da edição dos dispositivos legais e normativos que visem ao seu fomento, até a aplicação concreta, por meio das diferentes esferas de decisão administrativa e judicial, que objetivem garantir a concreção do direito abstratamente concebido.

Diferentes instrumentos jurídicos concorrerão para a consecução desse objetivo: instrumentos normativos que prevejam as abstenções e obrigações estatais e dos particulares, instrumentos hermenêuticos interpretativos desses instrumentos normativos, o instrumento jurídico-político da formulação de políticas públicas, instrumentos de participação e negociação popular na formulação dessas políticas, instrumentos processuais que visem à tutela administrativa e jurisdicional dos direitos assegurados, instrumentos processuais de composição entre interesses individuais e coletivos, entre outros.

A ordenação proposta, entre outros, como visto, por Rawls e por Alexy, tem o intuito de equilibrar direitos de liberdade e de igualdade, em regra priorizando os primeiros. Em face dessa prioridade, algum mecanismo há de ser utilizado para que a proposta de igualdade fática não resulte em uma promessa vazia.

Um mecanismo proposto nesse sentido é o uso do critério da proporcionalidade234 como valor suprapositivo do Direito. No âmbito dos direitos de defesa, o critério normalmente é empregado no sentido da vedação do excesso (Übermaβverbot). Gilberto Cogo Leivas235, baseado na doutrina alemã236237, traz a proposta de aplicação do que denomina preceito da

234

A respeito da nomenclatura: princípio, máxima, regra ou postulado da proporcionalidade, conferir Virgílio Afonso da Silva, que adota a designação “regra”. Optou-se aqui por utilizar a expressão “critério”, a fim de evitar confusão com o conceito de regra contraposto ao de princípio. (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 168.)

235

LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

236 Doutrina formulada por Martin Borowski e Hartmut Maurer, a qual, por sua vez, tem origem em decisões do

Tribunal Constitucional alemão. (Ibid., p. 76).

237

A decisão paradigmática do Tribunal Constitucional Alemão foi dada no campo penal em ação de controle normativo abstrato proposta pela Câmara Federal alemã, que declarou regra nula o dispositivo da 5a Lei de Reforma do Direito Penal, de 18 de junho de 1974, que havia tornado lícito o aborto praticado por médico com a

proporcionalidade no sentido da vedação da insuficiência (Untermaβverbot) ou da não- suficiência, conforme denominado pelo autor:

A proibição da não-suficiência exige que o legislador [e também o administrador], se está obrigado a uma ação, não deixe de alcançar limites mínimos. O Estado, portanto, é limitado de um lado, por meio dos limites superiores da proibição do excesso, e de outro, por meio de limites inferiores da proibição da não-suficiência.238 Trata-se de construção de inegável importância para a efetivação de direitos sociais de natureza prestacional. A proporcionalidade, nesse âmbito, passa a operar não meramente no sentido da restrição à exigibilidade das prestações correspondentes aos direitos sociais, em face de outros direitos fundamentais com eles confinantes, mas também no de sua efetivação e concretização.

O preceito da proporcionalidade no âmbito da proibição da não-suficiência, de acordo com a doutrina, seria decomposto em três preceitos parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito239. Ana Carolina Lopes Olsen sumariza esses preceitos parciais da seguinte forma:

Nesta medida, uma determinada ação estatal deve ser adequada ao fim normativamente estabelecido (adequação), dentre as diversas possíveis, deve ser a que melhor alcança esta finalidade, ou seja, a que mais satisfaz (em sentido positivo) os direitos fundamentais envolvidos, causando os menores danos (em sentido negativo) aos direitos fundamentais de outros (necessidade), e a importância da satisfação da prestação deve ser de tal monta que justifique a intervenção em direitos fundamentais de outros (proporcionalidade em sentido estrito)240.

Virgílio Afonso da Silva241 propõe que, através da explicitação de toda restrição a direitos fundamentais, esta opere não no sentido da diminuição do grau de proteção a estes, como poderia ser entendida, mas, pelo contrário, no sentido de aumentá-los ao estabelecer a exigência de fundamentação constitucional sempre que proposta a aplicação dessas restrições. Opõe-se o autor, dessa maneira, a figuras como a dos limites imanentes, conteúdos absolutos ou especificidade dos direitos fundamentais, as quais possam estabelecer exclusões a priori de condutas, estados e posições jurídicas de qualquer proteção242. Nesse âmbito, ganha importância o critério da proporcionalidade no tríplice aspecto da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, como formas de estabelecer contornos não-apriorísticos

concordância da gestante (BverfGE 88, 203, 1993). (GRIMM, Dieter, A função protetiva do Estado: a constitucionalização do Direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 149-62.)

238 LEIVAS, op. cit., p. 76. 239 Ibid., p. 77.

240 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível.

Curitiba: Juruá, 2008. p. 84.

241 SILVA, op. cit. 242 Ibid., p. 253.

para as restrições aos direitos fundamentais, entre eles os que prescrevem prestações positivas ao Estado e à sociedade.

Assim, em face de seu papel na ponderação entre princípios fundamentais, o critério de proporcionalidade, também em sua aplicação no sentido da vedação da insuficiência, há de ser utilizado em todo o arco de manifestação do Direito anteriormente mencionado, da elaboração das normas abstratas à sua aplicação última nas situações concretas, vinculando o legislador e o aplicador do Direito à sua observância. Impõe-se assim, ao legislador e ao aplicador do Direito, o ônus argumentativo sempre que a colisão fundamental de direitos for invocada como óbice à consecução das prestações sociais positivas exigidas pelo imperativo de promoção da igualdade substancial.