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4.3 Responsabilidade civil e seus elementos: a conduta humana, o dano e o nexo de

4.3.2 Dano: conceito, espécies e requisitos justificadores da indenização

4.3.2.3 Espécies: dano patrimonial e moral

4.3.2.3.1 O dano moral

A reparabilidade dos danos morais foi consagrada em nível constitucional com a promulgação da CF/88, cujo artigo 5º, incisos V e X, a assegura expressamente. Mesmo sem uma

lei civil geral que veiculasse norma expressa nesse sentido, a jurisprudência pátria vinha decidindo segundo uma interpretação sistemática do direito positivo para garantir essa reparabilidade. Com o novo Código Civil (BRASIL, 2002), a matéria ficou expressa, também,

em nível infraconstitucional, conforme estipula seu artigo 186. A conformação do instituto no direito positivo brasileiro o consolida como afirmação da idéia de despatrimonialização do direito, que deve voltar suas atenções ao homem.111 Seja como for, o dano moral atinge o patrimônio em seu aspecto imaterial ou, como sustenta a doutrina, agrava direitos não susceptíveis de valoração econômica ou, ainda, não sujeitos ao comércio. O que se atinge nesse caso são os direitos da personalidade da pessoa, a exemplo da honra, do nome ou da imagem — numa palavra, direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, em especial pelos artigos 1º, 3º e 5º da CF.

Tomado o patrimônio em sentido amplo para nos referirmos ao conjunto de bens e direitos de uma pessoa, sejam materiais ou morais — o que convencionamos chamar de patrimônio jurídico —, é certo que o dano moral não difere do dano material, pois ofende um mesmo interesse juridicamente tutelado: o patrimônio jurídico da pessoa lesada. Guardemos essa idéia de patrimônio em sentido amplo como bem jurídico tutelado para aplicá-la no capítulo 5.

111 Gagliani (2006) informa que a figura do dano moral já estava no Código de Hamurabi, nas Leis de Manu, no

Alcorão e na Bíblia; também estava presente na Grécia antiga, fora incorporada ao direito romano e disciplinada pelo direito canônico.

4.3.2.3.1.1 Dano moral direto e indireto, puro e impuro

Encontramos na doutrina, por vezes, a classificação do dano em direto e indireto. A primeira dessas categorias engloba fatos que implicam ofensa específica no âmbito dos direitos da personalidade; a segunda encerra fatos que lesam um bem ou direito dito material que, reflexamente, causa dano moral. Exemplo dessa categoria pode ser qualquer fato que suponha dano material em objetos sentimentalmente valiosos, quaisquer que sejam eles. Outra classificação corrente na doutrina é a de que o dano moral pode ou não ter conseqüências econômicas: quando não tem, fala-se em dano moral puro; quando tem, fala-se em “[...] dano moral com repercussão econômica” (MACHADO, 2000: 94), que parte da doutrina entende se

tratar de verdadeiro “[...] dano material” (LEMKE, 2000: 79–80).

4.3.2.3.1.2 Reparabilidade do dano moral

O dano moral como fundamento de reparação só se consagrou no direito pátrio com a promulgação da CF/88. Vários eram os argumentos de quem relutava a aceitá-lo como

passível de reparação. Os argumentos eram os mais diversos — interessa-nos mais os que sustentavam ser incerta a violação de um direito, ser impossível sua avaliação rigorosa em dinheiro, ser imoral a compensação da dor com dinheiro, implicar atribuição de poderes ilimitados ao juiz e ser impossível juridicamente a reparação.

O primeiro argumento — incerteza da violação de um direito — sustenta-se no fato de que o dano moral não revela perda quantificável de plano, tal como na esfera dos danos materiais; daí a incerteza. Refuta-se esse argumento com a alegação de que confunde causa (conduta humana danosa) com efeito (dano), pois o que importa é a conduta humana danosa (causa); não a natureza do bem ou o direito lesado (dano). A dificuldade de se valorar o efeito — o dano — não basta para impedir sua justa reparação.

Quanto a ser impossível sua avaliação rigorosa em dinheiro, a questão centra-se em saber se seria necessária à quantificação matemática exata e em pecúnia, ou se bastaria uma compensação sem tal rigor. Refuta-se a teoria da exatidão matemática, alegando-se que sua prevalência implicaria privar a reparação mesmo quando o dano atinge um bem material, a exemplo de uma obra de arte: como valorá-la com tal precisão? Daí prevalecer a segunda linha de argumentação, porque o dinheiro objeto da reparação não funciona como equivalência real (no sentido de ser a mesma coisa) do patrimônio lesado, seja material ou moral, e sim como compensação mais ou menos precisa da lesão. Quanto ao dano moral especificamente, o dinheiro deve ser visto como forma de viabilizar, por si ou por algo que por ele possa ser adquirido, sensação contrária à provocada pela lesão, ou seja, sensação positiva, agradável.

Quanto ao terceiro argumento — ser imoral compensar uma dor com dinheiro —, refuta-se sua procedência pela idéia de que imoral seria deixar impune quem causou o dano. Assim, quando se recebe dinheiro por causa de dano moral, não se está vendendo o direito tutelado, não há barganha nisso. Apenas que, diante da impossibilidade concreta de se compensar in natura o dano, surge o dinheiro como instrumento da reparação.

Há um quarto argumento a sustentar a irreparalibilidade do dano moral, calcado no fato de que, assumir tese diversa — a possibilidade de reparação —, implicaria aceitar que os juízes teriam poderes ilimitados para quantificar o valor da compensação. De nossa parte, acreditamos que esse argumento não tem cabimento porque os juízes, na condição de autoridades competentes para dizer o direito, o fazem nos limites impostos pela lei e pela CF;

desse modo, quando estipulam o quantum devido a título de reparação de danos morais, eles o fazem tendo em vista a situação fática descrita no processo e dentro de tais limites. Qualquer desvio na atuação jurisdicional é passível de correção no próprio processo (recursos) ou até por meio de outro processo (ação rescisória). Mas a regra imposta em nosso sistema nos dá conta de que cabe ao juiz avaliar e quantificar o valor da reparação nesses casos. É a regra do jogo.

Enfim, acreditava-se na impossibilidade jurídica de reparação de danos morais porque não havia, até o advento da CF/88, previsão expressa que garantisse a tutela jurídica

dos bens e direitos de ordem moral. Se desde os tempos de Ulpiano (naeminem laedere) tal modo de pensar era questionável, hoje esse argumento não tem cabimento, pois é inequívoca a juridicidade do patrimônio moral da pessoa (física e jurídica).

4.3.2.3.1.3 Natureza jurídica da reparação do dano moral

A doutrina civilista informa que a reparação civil por danos morais se apresenta como pena civil cuja função seria punir exemplarmente a falta cometida e expor a reprovação da conduta e a reprimenda do infrator. Entretanto, vimos que essa linha de pensamento é combatida porque põe no centro das atenções o castigo, e não a proteção à vítima do dano; e mais: porque pena representaria, tecnicamente, uma forma de reprimir a violação de direitos públicos, quando o dano moral ocorre na esfera dos direitos privados.112 Preferimos, então, alinhar-nos a quem entende ser a reparação civil dos danos morais uma sanção — uma conseqüência lógico-normativa do descumprimento de uma obrigação, ou seja, de uma norma que deveria ter sido cumprida e não foi.

Tal sanção se materializa mediante pagamento, pois a reparação in natura de dano moral não é viável faticamente. O pagamento de uma quantia em dinheiro é uma forma de reparação jurídica, e não fática. Muito se discute a que título esse pagamento seria feito: se seria uma indenização ou uma compensação. A idéia de que se trata de indenização está consagrada na legislação e jurisprudência, mas a noção de indenização indica ressarcimento — assim entendida a eliminação do prejuízo causado, o que não ocorre no caso dos danos morais, visto que a honra violada, por exemplo, não pode ser reposta. Daí ser mais apropriado

112 Aqui também afastamos a hipótese de incorporação dos punitive damages referidos na nota 7 deste capítulo,

sustentar que a sanção decorrente do dano moral se materializa pelo pagamento de uma quantia em dinheiro que visa compensar o dano causado à vítima.

Como o termo indenização foi positivado e consagrado na legislação e na jurisprudência para se referir indistintamente à reparação de danos materiais e morais, não podemos ignorá-lo, mesmo que, em relação aos danos morais, tecnicamente seria melhor falar em compensação. Uma saída que propomos é entender indenização e compensação como espécies do gênero reparação de danos. De toda forma, uma vez anotada a distinção, em nome da fluência do discurso e por causa de sua consagração na legislação, empregamos o termo indenização, também, como gênero e, nesse sentido, como sinônimo de reparação de danos em sentido amplo.

4.3.2.3.1.4 Dano moral e pessoa jurídica

Forte no argumento de que os danos morais representariam ofensa à alma, ao espírito e às emoções, parte da doutrina civilista defendia a impossibilidade da figura abstrata da pessoa jurídica sofrê-los.113 Hoje prevalece tese diversa. A CF/88, ao prescrever o direito à

indenização por danos morais em seu artigo 5º, incisos V e X, refere-se ao gênero pessoas sem

distinção às suas espécies (física ou natural e jurídica); logo, seria lícito restringirmos essa garantia a uma ou a outra. E o artigo 52 do Código Civil vigente confirma esse entendimento ao estender às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.114

113 “Os argumentos daqueles que se opõem à concessão de indenização às pessoas jurídicas por dano moral

podem ser assim sintetizados: a) a pessoa jurídica, como ente abstrato, não está sujeita à dor ou ao sofrimento; b) todo o prejuízo sofrido pela pessoa jurídica é sempre pecuniário, e não moral, porque não se pode falar num psiquismo da pessoa jurídica; c) lesados por dano moral poderiam ser apenas os integrantes da pessoa jurídica. Já aqueles que se colocam a favor da concessão de indenização por danos morais à pessoa jurídica, asseveram que: a) o dano moral não está vinculado apenas à dor, mas também, e principalmente, à honra objetiva, que consiste na boa reputação, ou seja, no respeito e admiração dispensados à pessoas pelos demais membros da comunidade; b) a pessoa jurídica goza dessa honra objetiva ou social, a qual, pode ser ofendida, por exemplo, pelo protesto indevido de um título cambial; c) não se pode confundir a pessoa jurídica com seus sócios: aquela pode ver ofendida sua honra objetiva, independentemente dos sócios se sentirem atingido em sua honra subjetiva.” (LEMKE,2000: 80).

Esse entendimento, aliás, já se encontra sumulado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.115

Não caberá falar em ofensa aos sentimentos de uma pessoa jurídica, mas será lícito cogitar ofensa ao nome, à reputação e à imagem, por exemplo.116 Para ficar clara a distinção, vale mencionar que, quando se trata de pessoa física, o dano moral costuma ter natureza subjetiva e pode, ainda, ostentar matiz objetivo. Na hipótese de se tratar de pessoa jurídica, esse dano terá, invariavelmente, natureza objetiva: por ser um ente abstrato, só poderá ser lesado no conceito que tem perante a sociedade: na sua boa imagem no mercado, ou seja, na sua reputação; não se cogitam lesões de foro íntimo. E isso nos parece claro.

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 132-137)