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Reparação dos lucros cessantes

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 156-160)

5.4 Da irrelevância da natureza do dano para a caracterização da não incidência do

5.4.2 Reparação dos lucros cessantes

Ainda no capítulo 4, dissemos que lucro cessante é uma espécie de dano material; e se este revela lesão aos bens e direitos economicamente mensuráveis de seu titular, também assim agem os lucros cessantes. Entretanto, diferentemente do dano emergente — exemplo

clássico de dano material porque revela o prejuízo concreto verificado pelo lesado —, os lucros cessantes terão lugar nas situações em que o lesado deixou de ganhar, auferir, lucrar, enfim, perceber economicamente ingressos em virtude da lesão de ordem material ou mesmo moral. Tendo em vista o exemplo anterior, se o veículo avariado no acidente automobilístico em questão for um táxi, então, além dos danos emergentes, os lucros cessantes deverão ser reparados, pois, até a conclusão dos serviços de restauração ou até que haja reposição do veículo, haverá inegavelmente privação de rendimentos decorrentes do trabalho.

Quanto a essa espécie de reparação material de danos, a doutrina tributária majoritária advoga a tese de que ela deve ser tributada. O argumento de quem a defende é, unicamente, o de que se não houvesse o dano, a renda estimada a título de lucro frustrado (cessante) seria auferida e, como tal, oferecida à tributação regularmente.122 Com efeito, se a reparação dos danos emergentes é algo que pode ser feita, na maior parte das vezes, com exatidão aritmética (o critério extensão do dano basta para evitar enriquecimento sem causa por parte da vítima), isso não ocorre quando estamos diante da hipótese de lucros cessantes. A exatidão tende a se perder em tais hipóteses, ficando a estipulação de valores a cargo de estimativas, que estão montadas naquilo que, tomado o curso normal das situações fáticas e à luz dos antecedentes próprios ao caso concreto, haveria de se lucrar no futuro não fosse a prática lesiva.

Sobre a estipulação do valor, cabe notar que o termo razoavelmente constante do artigo 402 do Código Civil (“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e os danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”) deve ser entendido não no sentido de que se deve pagar o que for razoável, mas sim o que razoavelmente se puder admitir que houve lucro cessante.

122 Nesse sentido, ver Queiroz (2004), Machado (2000), Machado Segundo (2000), Natanael e Tararam (2000),

Mesmo nesse caso, a indenização se paga pelo provado, e não pelo razoável. Daí ser o termo razoavelmente referente à prova, e não à quantidade do lucro em questão (ALVIM, 1980).

Com base nos conceitos firmados, discordamos daqueles que têm a hipótese de lucro cessante como enquadrada na regra-matriz de incidência do IR. Em primeiro lugar, a

discordância ocorre porque não há um se a ser considerado na hipótese; há, sim, um fato concreto e atual: o dano — precisamente a frustração da produção dos rendimentos planejados, de modo que não nos parece apropriado sustentar a incidência do IR num jogo de

faz de contas. Nessa primeira linha argumentativa, Carrazza (2006: 188) é decisivo ao dizer, sobre os lucros cessantes, que “[...] sem embargo de respeitáveis opiniões em sentido contrário, pensamos que nem mesmo estas indenizações subsumem-se à regra-matriz constitucional do IR”. Com efeito, segundo sustenta esse autor, os valores que ingressam no

patrimônio do indenizado representam o que presumivelmente seria por ele ganho não fosse a ocorrência do dano e que nisso não há acréscimo patrimonial, e sim compensação em dinheiro pela injusta frustração da expectativa de ganho, de modo que a tributação desses valores ofenderia os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito.

Com base nessas lições, anotamos que a indenização é pela frustração (no sentido de perda da chance) de se auferir renda e, como a indenização deve ser medida pela extensão do dano, nada mais coerente que, após um fato concreto (remuneração percebida até então) se chegue a um fato presumível (remuneração projetada). Assim, seria cumprido por completo o critério da extensão do dano como meio de promover a justa e legítima indenização. Nesse sentido, a indenização aqui se aproxima bastante da indenização dos danos emergentes, por isso devem ter tratamento tributário idêntico.

Contudo, não só esse motivo impede a tributação dos lucros cessantes pelo IR. Numa

segunda linha argumentativa, tomemos este fato: o dano deve ser reparado; é imperativo constitucional. A reparação nos casos de danos materiais — categoria que inclui os lucros

cessantes — ocorre mediante indenização. O conceito de lucro cessante, assim como o de indenização, é pré-definido no âmbito do direito civil — tomado como gênero, esse último tem seu conteúdo semântico mínimo estipulado, também, pela CF. Por exigência do artigo 110

do CTN, esses pré-conceitos devem ser respeitados no âmbito tributário, conforme expusemos

no item anterior. Assim, podemos construir este raciocínio: se lucro cessante é, para o direito civil, uma espécie de reparação de danos e se essa reparação é feita mediante indenização; e ainda: se indenização não gera tributação porque o sistema constitucional vigente, interpretado sistematicamente, prefere valores que a dispensam desse gravame, então há de se concluir pela não-incidência do IR sobre tais hipóteses.

Com efeito, aproximando-nos da questão pelo prisma da indenização na acepção de quantia em dinheiro, é lícito sustentar que só pelo fato de os lucros cessantes serem caracterizados como indenização por danos materiais, os valores recebidos a esse título configuram verdadeira hipótese de não-incidência tributária, pois revela situação externa ao sistema do direito positivo. E se o ponto de vista for a renda, a conclusão será rigorosamente a mesma, visto que não é dado ao legislador federal alargar o conceito pressuposto constitucionalmente de renda para nele abarcar tais situações, que, em termos tributários, nada acrescem (apenas recompõem) ao patrimônio lesado.

Como mostramos no item 5.3, tal argumentação goza de validade sistêmica, pois o direito é uno e incindível.

A ela adicionamos a seguinte: o ingresso de um valor recebido a título de indenização por lucros cessantes, por sua natureza indenizatória, não é renda, mas sim a recomposição de um patrimônio. Eis uma lição clássica da doutrina e da jurisprudência. No caso de lucros cessantes, o patrimônio é patrimônio futuro, que, em condições normais, seria superior àquele existente no presente, mas que, dada a ocorrência de um fato anormal — o dano —, não se concretizou.

A situação, portanto, revela que o patrimônio esperado para o futuro não existirá em função do dano causado ao patrimônio presente. Ora, como o imposto é sobre a renda, e não sobre o patrimônio, não se fala em tributar tais ingressos, que, embora pareçam renda, são patrimônio e, como tal, uma grandeza fora do âmbito de incidência do IR.

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 156-160)