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Renda e indenização como realidades normativas

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 143-146)

O capítulo 1 apresentou o sistema de referência com que trabalhamos e a idéia de que o sistema do direito positivo é comunicacional e, como tal, constituído pela linguagem. Outra noção fundamental apresentada foi a de que o trânsito da norma geral e abstrata para a individual e concreta não é automático: cabe ao homem produzir os atos de fala necessários à constituição das relações jurídicas mediante a operação lógica de subsunção: selecionar eventos do mundo das realidades tangíveis com base nas previsões gerais e abstratas e relatá- los em linguagem competente: aquela exigida pelo próprio sistema para construção de realidades nesse universo, quando então não se fala mais em eventos, e sim em fatos jurídicos presentes em normas individuais e concretas. Vale dizer: fato jurídico é o acontecimento descrito no antecedente da norma individual e concreta que, uma vez constituído, enseja o conseqüente normativo, isto é, instala a relação jurídica tributária, cível, trabalhista etc.

Como vimos, renda é uma realidade abstratamente prevista na hipótese e no conseqüente (base de cálculo) da regra-matriz de incidência tributária; e indenização pode ser entendida como a relação jurídica estipulada no conseqüente de uma norma jurídica primária sancionadora, que ocorre quando uma obrigação estipulada numa norma primária dispositiva é descumprida, diga-se, quando alguém é lesado em seu patrimônio jurídico.119 Pode ser entendida, ainda, como soma em dinheiro — justamente o objeto da prestação de tal relação. Uma vez ocorridos e relatados em linguagem competente por meio de órgão e procedimentos predefinidos no sistema do direito posto, os eventos renda e indenização ingressam no

119 Também poderá ser tomado o termo para se referir à estipulação da conduta por uma norma jurídica

universo jurídico: a renda, no antecedente (fato jurídico tributário) e conseqüente (fato base de cálculo) de uma norma jurídico-tributária; a indenização, no conseqüente de uma norma jurídica de natureza civil. Em termos semânticos, num primeiro momento, são realidades que interessam a dois ramos diversos do direito: o tributário e o civil, respectivamente.

Agora precisamos investigar se a indenização caracterizada normativamente na esfera cível e portadora de conteúdo econômico nítido poderá compor ou não o antecedente de uma regra-matriz de incidência tributária. Em termos mais precisos, se esse segmento de linguagem deve compor ou não a materialidade e respectiva base imponível do imposto sobre a renda na qualidade de enunciado-acréscimo a ser considerado no confronto necessário com enunciados-decréscimos verificados num mesmo período para conformação do fato-renda.

O capítulo 2 fixou que o critério material da regra-matriz de incidência tributária do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é composto pelo verbo auferir e pelo complemento renda e que esse imposto deve obedecer a certos princípios constitucionais. O capítulo 3 apresentou a conceituação jurídica do termo renda: aquilo que, em respeito ao patrimônio jurídico das pessoas, corresponde a um resultado positivo líquido que se agrega ao patrimônio, originado do confronto, num espaço de tempo, de enunciados-acréscimos que relatam fatores positivos auferidos a título gratuito ou pela aplicação de recursos materiais ou imateriais, correntes ou passados, ou em virtude de simples aumento no valor do patrimônio e de enunciados-decréscimos incorridos na produção dos enunciados-acréscimos — sejam os necessários à manutenção de uma vida digna para pessoas físicas ou à manutenção da fonte produtora dos enunciados-acréscimos para pessoas jurídicas e aqueles realizados pelo particular em substituição ao Estado, ou, ainda, decorrente de simples diminuição no valor do patrimônio, excluindo-se qualquer tipo de recomposição patrimonial.

O capítulo 4 estipulou o contexto legal em que se pode cogitar uma indenização — cabe reiterar que o termo indenização, embora tenha seu uso consagrado constitucional, legal

e jurisprudencialmente, em termos mais técnicos é uma espécie, ao lado da compensação, do gênero reparação de danos. Com base na doutrina constitucionalista e civilista contemporânea, compreendemos que a noção de patrimônio — importante para o direito civil e o tributário (este um conceito fundamental ao conceito de renda) — deve ser ampliada: transcender a clássica lição de que refletiria só o conjunto de bens e direitos de uma pessoa física ou jurídica, mensurável, de plano, em pecúnia, para abranger o conjunto imaterial de bens e direitos cuja possibilidade de valoração econômica não é sua nota mais característica — por vezes é até inexistente.

Essa doutrina deita seus argumentos na Constituição Federal (CF), que, de fato e

extreme de dúvidas, consagrou em seu Preâmbulo o movimento de despatrimonialização do direito: pôs no centro do sistema o homem em prejuízo a res, ex vi de seus artigos 1º, 3º e 5º, em especial quanto à matéria, nos incisos V e X desse último artigo. Podemos afirmar ainda que tal

constatação implica aceitar a alteração do conteúdo semântico do termo patrimônio, que passou a ser mais abrangente para o direito. Assim, impõe-se a necessidade de se usar esse termo para designar o conjunto de bens e direitos de uma pessoa: seu patrimônio juridicamente tutelado, passível de lesão e respectiva reparação, seja via indenização (lesão à esfera material) ou compensação (lesão à esfera moral), o que valida a célebre lição de Ihering (apud SÜSSEKIND

et al., 2004: 632)

A pessoa tanto pode ser lesada no que tem, como no que é. E que se tenha um direito à liberdade ninguém o pode contestar, como contestar não se pode, ainda que se tenha um direito a sentimentos afetivos, a ninguém se recusa o direito à vida, à honra, à dignidade, a tudo isso enfim, que, sem possuir valor de troca de economia política, nem por isso deixa de constituir em bem valioso para a humanidade inteira. São direitos que decorrem da própria personalidade humana. São emanações diretas do eu de cada qual, verdadeiros imperativos categóricos da existência humana.

Agora, cabe responder se o pagamento a título de reparação de danos (indenização ou compensação), quando concretamente verificado — portador que é de conteúdo econômico —, seria evento relevante para fins de imposto sobre renda.

No documento Imposto sobre a renda e indenizações (páginas 143-146)